Quinta, 25 Abril 2024

Não tardou e a polêmica sobre Taxa Interna de Retorno (TIR), examinada no artigo anterior, e que passou a estar presente em quase todos os processos de concessão ou PPPs dos demais setores de infraestrutura e de serviços públicos, chegou ao setor portuário: “Licitação de portos terá taxa de retorno de 7,5%”, informou o Valor já no dia seguinte; matéria repercutida em quase todos os veículos de comunicação do País. E ela explica - não sem também registrar críticas imediatas: 

“Com uma ou outra exceção, será adotado o critério de menor tarifa para definir os vencedores das licitações. O governo dispõe de um cardápio de seis critérios, previstos no decreto de regulamentação da Lei 12.815, mas optou pela menor tarifa por acreditar que isso permitirá reduzir os custos da operação portuária no país”.

Ainda não é uma palavra oficial. A matéria não tem aspas (nominando a fonte). Pode ser apenas uma imprecisão do repórter. Mas a dúvida está posta. Tarifa ou preço? Discussão bizantina? Um preciosismo?


O Pensador, de Rodin

Há um século atrás, quando os portos brasileiros eram concessionados, quando o modelo predominante era dos “tool ports” (as administrações portuárias eram também operadores portuários), realmente tal disjunção não era pertinente. Todavia, com a instituição de dois regimes distintos (Portos Organizados – POs e TUPs – agora só fora deles) e, dentro dos POs, a explicitação das funções de administração, operador e arrendatário, instituído pela nova Lei dos Portos, mais prudente ser preciso nos diversos conceitos, ante as potenciais implicações, particularmente econômicas e jurídicas.

Na antiga “Lei dos Portos” (Lei nº 8.630/93) inexistia a palavra “preço”. Já na nova, seu art. 3º, II, informa que no setor portuário há tanto tarifas como preços. “Verba cum effectu sunt accipienda” (a lei não contém palavras inúteis) é um princípio basilar de hermenêutica jurídica. Portanto, se a Lei os distinguiu, é porque referem-se a coisas distintas.

No caso das tarifas, não resta muita dúvida. O art. 17 trata das atribuições das Administrações Portuárias. Seu inciso IV explicita: “arrecadar os valores das tarifas relativas às suas atividades”. O art. 62, que trata de penalidades, diz: “O inadimplemento, pelas concessionárias, arrendatárias, autorizatárias e operadoras portuárias no recolhimento de tarifas portuárias...”. É possível algum outro entendimento que não seja de que: i) Quem arrecada é a Administração Portuária; ii) Quem paga são os “parceiros” dela (concessionárias, arrendatárias, autorizatárias e operadoras); iii) O fato gerador das tarifas sejam os serviços prestados pela Administração Portuária (provisão de infraestrutura e de serviços condominiais)?

A interpretação, conjunta, desses artigos, conduz a uma conclusão meridiana: tarifa é o que cobra a Administração Portuária; preços o que cobram seus “parceiros” (01, 02, 03, 04, 05). Em particular, os arrendatários, objeto central da discussão do momento. Essa interpretação é corroborada por trechos do relatório do relator da MP 595, sen. Eduardo Braga (pgs. 2 e 4), ao excluir tarifas do universo dos TUPs e ao tratar do novo processo de revisões e reajustes de tarifas portuárias.

Lógico? Simples? Claro? Não!

O art. 21, § 1o, III do Decreto nº 8.033/13, que regulamenta a nova lei, trata de tarifas e preços mas, neste caso, na órbita dos contratos entre concessionários e terceiros, deixando claro estarem eles sob a égide do direito privado. Tarifas no direito privado? Tarifas, SMJ, não são “preços públicos”?

O art. 5º, que trata das “cláusulas essenciais” dos contratos de concessão e arrendamento, inclui tarifas (IV). Que tarifas? Se for o que é cobrado pela AP, qual a razão dos “critérios e procedimentos de revisão e reajuste” estarem fixados em contrato, se há um novo rito para sua aprovação (art. 71, modificando o art. 27 da Lei nº 10.233/01 – Lei que cria a Antaq); inclusive explicitamente informado pelo relator, em seu relatório (pg. 4). Se for o cobrado pelo arrendatário (ou concessionário), como conciliar com os artigos nº 17 e 62, acima mencionados? Difícil uma interpretação pacificadora...

Esse mesmo impasse existe nos artigos nº 6 e 12, que tratam, respectivamente, das licitações para concessões e arrendamentos, e para processos seletivos para autorizações de TUPs; impasse que o Relator não contribui para solução (pg. 8). Ou seja: Tais dispositivos adotam o termo tarifa quando, pelo contexto, depreende-se referir-se àquilo que cobram concessionários, arrendatários e TUPs – e não as Administrações Portuárias.

Por seu turno, o decreto não contribui para a exegese e assentamento do entendimento do tema. Pelo contrário, reforça e amplia os conflitos indicados: art. 21, § 1o, III; art. 24, § único; p.ex. Mas, nesse caso, decretos são mais facilmente ajustáveis. E talvez seja o caso, mesmo antes da divulgação dos editais do 1º bloco, aproveitando-se a “brecha” do art. 6º que prevê, entre os critérios de julgamento da licitação, “outros estabelecidos no edital, na forma do regulamento”.

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