Já escrevi aqui no Portogente que o Brasil já teve a Portobrás, uma empresa pública federal portuária, que tinha uma subsidiária que possuía dragas que acabaram sucateadas, da mesma forma que tivemos uma empresa de navegação de longo curso: o Lloyd Brasileiro, que hoje nos faz muita falta. Mas vamos falar de dragagem dos portos e a falta de um modelo completo.
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Alguns anos atrás, visitei os portos australianos de Sydney e Newcastle. Lá, eles têm sua draga própria para manutenção permanente de seus canais e áreas de operação portuária. Quando fazem grandes obras marítimas, contratam empresas privadas de dragagem por tempo e serviço determinado. Mas o dia a dia é com sua draga. Se quiserem saber, eles têm serviço próprio até de praticagem, que são levados aos navios de helicóptero (próprio, inclusive).
Operação da draga: visão interna do operador.
Draga Volvox Delta (Canal da Galheta Paranaguá,2009)
Em Newcastle vi até um simpático heliponto da autoridade portuária. Peguemos o caso de certo país que é simplesmente a maior economia e potência militar do planeta: Estados Unidos da América. Sabem quem faz a dragagem dos portos do país que é a “Meca” do capitalismo e da iniciativa privada? É o Corpo de Engenheiros dos Estados Unidos (US Army Corps of Engineers). Para os incrédulos, passo até o site para uma boa navegada: http://www.usace.army.mil/.
Para os americanos, dragagem de suas hidrovias e portos é questão de segurança nacional, e suas dragas próprias garantem 30% da demanda normal de dragagem do país. Os 70% são cobertos por dragas privadas. Países como Japão, China, Rússia, Holanda e qualquer país de primeiro mundo fazem esse mix público-privado.
Aí o leitor privatista vai dizer: “Ah! Eu sabia, são as empresas que fazem dragagem por lá!”. Só que existe um pequeno detalhe: quem planeja, licita e contrata as dragagens por lá é o Exército americano sempre coordenados com as autoridades portuárias do país.
Mas, no Brasil, estamos formando “especialistas genéricos”. Gente que acha que tudo tem que ser privado e depois reclamam das corrupções em obras públicas. Entenda! Voltemos a um estudo de caso que participei nos anos 2009 e 2010 junto à Administração dos Portos de Paranaguá e Antonina (Appa), e sua luta para ter draga própria, vontade compartilhada com o então governador do Paraná Roberto Requião.
A experiência já era antiga, pois já fomos “dragueiros” da empresa pública. Companhia Brasileira de Dragagem (CBD), extinta com a Portobrás pelo presidente Collor de Mello no início da onda neoliberal privatizante que assolou o Brasil. E o que foi colocado no lugar? Nada. Foi um crime de lesa pátria.
Foi aí que decidimos comprar a draga. Ela seria propriedade da Appa, mas operada, tripulada e mantida por empresa de apoio marítimo privada, tal como a Portobrás, CBD e outros órgãos federais faziam há mais de 50 anos com sucesso.
Ela seria tripulada por marítimos brasileiros e baseada num dos portos do Paraná. O custo com tripulação seria menor em relação às caras estrangeiras que hoje dragam nossos portos. Não esqueçamos: o Brasil não mais possui dragas de grande porte, se alguém me desmentir me avisem.
Vamos falar de custo por metro cúbico dragado? Nos estudos de viabilidade econômica de 2009, para a compra da draga própria, os preços chegavam ao máximo de R$ 5,30 por metro cúbico.
Nas licitações com dragas estrangeiras, embora as empresas concorrentes fossem de parceiros brasileiros, os preços em contratos assinados em 2013 em Paranaguá e Rio Grande em 2013, variavam de R$ 11,00 a 15,00/metro cúbico!
Ora, que não me venham falar de eficiência privada ou coisas do tipo. Não é admissível um país com mais de 8 mil quilômetros de costa, mais de 30 portos marítimos, com expertise tanto nas forças armadas quanto na inteligência da engenharia portuária pública, não possuir uma draga pública de grande porte para atender até mesmo emergências naturais, como foi a destruição e paralização dos portos de Itajaí e Navegantes no final de 2008 e o quase colapso do Canal da Galheta em Paranaguá, que salvamos há muito custo com dragagem emergencial.
O projeto de draga própria da Appa se frustrou por questões judiciais mal compreendidas e decisões sem nenhum fundamento técnico, fruto de razões que ainda não sabemos.
Finalizando: os modelos de países da livre iniciativa, como os Estados Unidos e Austrália sejam exemplos, pelo menos para uma boa reflexão sobre a inexistência de um modelo nacional de dragagem. E que pelo menos, sejamos sinceros ao chamar de “modelo”, tudo esteja ao sabor e humores do mercado, o que acho inaceitável.
É a minha opinião.