Desde a década de 1980, tanto no Brasil como em outros lugares do mundo, vem ganhando força a idéia de uma melhor divisão de cargas entre navegação costeira e a de longo curso. O conceito é o de linhas alimentadoras, de cabotagem, ligando pequenos portos a alguns portos principais no país ou na região, onde as cargas são transbordadas para navios de longo curso, que não escalam nos pequenos portos.
Pode parecer ilógico em certos casos (às vezes, é...), fazer uma carga de um porto nordestino descer por mar até Santos para só então ser colocada num navio com destino à Europa ou à América do Norte. Todo esse passeio tem uma justificativa: o navio de longo curso, de grande porte, não teria condições técnicas ou econômicas de escalar em pequenos portos, seja por questões de equipamentos portuários ou pequena profundidade, seja em função de não haver carga suficiente para justificar uma escala de um navio grande.
É bom lembrar que um navio moderno, mesmo parado no porto à espera de carga, tem um custo fixo ao redor de uns mil dólares por hora (tripulação, estadia, combustível, seguros diversos, alimentação dos tripulantes, aluguéis diversificados etc.). Se escalar em poucos portos, tem seu tempo de uso mais otimizado, pode fazer mais viagens num ano, aumentando ainda a freqüência de suas escalas em cada porto. E isso acaba beneficiando também as cargas procedentes dos pequenos portos, que contam com mais alternativas de transporte. No final, o custo extra da viagem costeira e do transbordo pode até ser absorvido pela redução nos custos do transporte de longo curso.
Daí, depois da moda de ampliar os navios em si – num processo chamado de jumborização, em que o navio é cortado ao meio para se inserir uma nova seção de porões - alguns armadores já pensam inclusive em ampliar aquele conceito de transporte, com a instalação de super-portos concentradores e linhas marítimas intercontinentais, com apenas algumas escalas, destinados a navios de altíssima capacidade, que podem levar uns 10 mil contêineres por vez.
Ou seja, é possível que uma carga saída de São Luiz (Maranhão) seja levada por navio de cabotagem até Suape (Pernambuco), onde seria transbordada para um navio de longo curso que a levaria até New York, para ser então embarcada num super-navio com destino a um super-porto japonês, onde por sua vez poderia ser colocada numa linha regional de longo curso até um porto principal do Vietnã, e nele ser transbordada finalmente para um navio de cabotagem, até um pequeno porto desse país (e nem estou falando de multimodalidade, pois não incluí os percursos em terra na origem e no destino...).
O que um século atrás era apenas colocar um saco de alimento numa carroça, levar ao porto e embarcar num navio para a Europa, já se transformou numa complexa operação, montada justamente para fazer com que esse saco de alimento chegue intacto ao cliente europeu, no menor tempo e com o menor custo possível. Para isso, trabalham centenas de pessoas, com modernos sistemas de telecomunicação e computadores, buscando as melhores alternativas de logística, que um século atrás não seriam possíveis, nem estariam à disposição.
Agora, como bem sabe quem desembarcou em Paris e descobriu que suas malas foram parar em Washington, erros de cálculo são cometidos todos os dias, sistemas falham, procedimentos não são seguidos à risca, e já não basta ao produtor esperar uma carta do cliente comunicando ter recebido o saco de alimento. O produtor quer informação em tempo real, de onde a carga está nesse momento e qual a previsão de chegada ao destino, e assim é preciso não apenas transportar a mercadoria, mas prover os sistemas com informações sobre seu estado e localização, a cada instante.
E estar preparado até mesmo para mudanças de percurso no meio do caminho, por razões da Natureza ou mesmo em função de interesses econômicos supervenientes...
Jumborização de navios, em moda na década de 80 Imagem: reprodução
de notícia em "Marinha mercante"/OESP, 29/12/1981.