Semana passada, na coluna Porto Literário, que abordou a passagem do escritor amazonense Milton Hatoum por Santos e de sua ligação com o porto, no caso, o de Manaus, Alessandro Atanes lembrou, a partir das falas de Hatoum, da vida pujante das cidades portuárias.
Recordei-me, então, dos relatos que li em um livro de 2005 que fala sobre os bairros portuários do Rio de Janeiro. Vozes do Porto: memória e história oral, livro organizado por Icléia Thiesen, Luitgarde Barros e Marco Aurélio Santana, não fala apenas do Porto do Rio de Janeiro e de seus trabalhadores, fala também de muita gente que mora bem perto do porto, mas pouco ou nada sabe sobre ele.
Vozes do Porto fala da pujança e da riqueza que os portos trazem para as cidades, mas também mostra como os bairros portuários são locais onde se encontram os excluídos da sociedade, aqueles que, muitas vezes, não sabem nem o que ela é.
Os diversos artigos que compõem o livro estão centrados nos relatos coletados por seus organizadores e outros pesquisadores das universidades cariocas com moradores dos bairros da Gamboa, Santo Cristo e Saúde e buscam apreender não apenas o universo do trabalho, mas o da cultura, do lazer, da moradia, da educação. Os pesquisadores procuraram reconstruir estes universos a partir da memória dos sujeitos que fazem a história destes bairros.
Interessante notar que boa parte dos entrevistados não possui vínculo com o porto, sendo trabalhadores de outras categorias. Os bairros são portuários por situarem-se na zona portuária e isto pouco reflete na vida dos entrevistados. Este é um dado que também pode ser observado em outros portos, como Santos. Em tempos antigos, se precisava morar perto do trabalho para chegar antes para pegar as melhores oportunidades. Desta forma os bairros portuários eram também o local de moradia dos trabalhadores portuários, como bem retrata Ranulpho Prata em Navios Iluminados. Com a implantação do sistema de rodízios, chega-se na hora da escala, sabendo se está na vez ou não. Isto permitiu que muitos trabalhadores fossem morar em outras regiões da cidade.
No Rio de Janeiro não foi diferente. O artigo de Marco Aurélio Santana e Carolna Penafiel de Queiroz, “Trabalho e sociabilidade no Rio de Janeiro: história e memórias de um porto em movimento”, fala sobre esta questão quando cita o envolvimento dos portuários na Escola de Samba Império Serrano.
Outra participação importante em que figuram os sindicatos do porto tem sido tradicionalmente sua vinculação com o samba, não só na localidade, mas em outras regiões da cidade, principalmente porque, a partir de meados do século passado (sec. XX n.a.), muitos trabalhadores deixaram de morar nas cercanias do porto e foram para o subúrbio e para a Baixada Fluminense. (SANTANA, QUEIROZ, 2005,p. 33)
Hoje, como mostra o livro, os bairros portuários guardam as memórias de pessoas que não vivem diretamente do porto e de suas atividades, mas, que de alguma forma, vivem em uma cidade portuária e nela significam e re-significam suas vidas, colocam seus problemas, vivem a riqueza das relações sociais, da cultura portuária, mas também vivenciam a pobreza destas cidades, que está expressa nestas vozes que ecoam do Porto do Rio de Janeiro.
Referência bibliográfica
THIESEN, Icléia; BARROS, Luitgarde Oliveira Cavalcanti; SANTANA, Marco Aurelio (orgs.). Vozes do Porto: memória e história oral. Rio de Janeiro: DP&A Editora, 2005