Na semana passada, o blog do PortoGente levantou mais uma vez questões sobre a qualificação portuária. Diversos internautas participaram deste debate comentando esta e outra matéria que também toca na questão da qualificação (leia ’’Mão-de-obra avulsa peca na qualificação e vinculação é inevitável’’). Desta forma, é possível observar que a qualificação dos trabalhadores do setor portuário é assunto que ainda precisa de reflexão.
Isto, pois, podemos ver inúmeros pontos de vista sobre o assunto. Entretanto, todos concordam que a qualificação é necessária. Alguns colocam que ela deve ser buscada pelo trabalhador, independente de quem a ministre. Concordo, em partes, com este argumento, afinal, como eu disse na matéria postada no blog, trabalhador qualificado é trabalhador consciente dos limites entre homem e máquina e que, consequentemente, trabalhará com mais segurança e eficácia.
Quando pensamos no sistema portuário, cuja relação de trabalho é diferenciada, devemos refletir a quem cabe a qualificação e como deve ser feita. A Lei nº 8.630/93 foi apenas o estopim das mudanças no padrão produtivo, que já estavam em andamento desde a introdução da carga unitizada. O seu ponto principal foram as mudanças nas relações de trabalho. A ela deve-se o fim do trabalhador vinculado às Companhias Docas, a possibilidade da vinculação as operadoras portuárias, a multifuncionalidade e a criação dos Órgãos Gestores de Mão-de-Obra.
A criação dos OGMOs e a gestão da mão-de-obra por estes órgãos fez com que os avulsos passassem a se reportar a eles, diminuindo os vínculos com suas entidades sindicais. Ao mesmo tempo, os doqueiros que se tornaram avulsos, passaram a ter este órgão por referência, como tomador de serviço.
onsequentemente, o enfraquecimento dos laços gerados anteriormente pelas relações de trabalho levou estes trabalhadores a creditar aos OGMOs toda responsabilidade pelos rumos de suas carreiras profissionais, incluindo a qualificação da mão-de-obra. Entretanto, os portuários não fazem isto sem respaldo, visto que a Lei nº 8.630/93, em seu capítulo V, art. 18º, item III, fala que os OGMOs devem “(...) promover o treinamento e a habilitação profissional do trabalhador portuário ...”. Ou seja, estes órgãos são responsáveis por capacitar os trabalhadores a lidar com as mudanças geradas nos padrões produtivos.
Desta forma, a solicitação de qualificação que os portuários fazem é legítima, pois a lei garante. Entretanto, alguns dirão, conforme apresentado por alguns comentários, que já existem cursos em diversos portos do Brasil e que os trabalhadores, muitas vezes, não os fazem. Mas, voltando a um ponto já explorado por esta colunista em comentários neste site, temos que verificar em que termos são feitas estas qualificações, pois o fato de ser avulso faz com que o trabalhador precise dedicar-se a sua atividade laboral, quando esta existe, para manter o sustento mínimo. Ao sair da linha de frente para se qualificar, ele deixa de compor renda e por tal fato, muitas vezes não se qualifica porque a ajuda de custo dada pelo OGMO e outros órgãos responsáveis pelo treinamento destes trabalhadores é muito baixa, não compensando a saída da atividade laboral. Isto deixa trabalhadores entre “a cruz e a espada”, afinal, precisa se qualificar para trabalhar, mas precisa trabalhar para garantir o sustento.
Em outros setores, quando as empresas fornecem qualificação aos trabalhadores, para que eles possam lidar com as mudanças tecnológicas ou possam aprender algum novo processo de trabalho, os trabalhadores fazem treinamento em seu horário de trabalho e, muitas vezes, no próprio local de trabalho, sem prejuízo ao salário. Isto nos leva a perguntar, porque para os portuários deve ser diferente? Porque o portuário deve se qualificar em detrimento do seu sustento, ao invés de ter os dois garantidos? Além disso, quem deve ser qualificado: todos os cadastrados e registrados nos OGMOs, incluindo os vinculados, ou apenas aqueles que constantemente estão na linha de frente, ou seja, que contabilizam maior número de horas-trabalhadas por mês?
Estas são tantas outras questões importantes sobre qualificação portuária, que devemos pensar, refletir e, principalmente, resolver caso queiramos ter uma mão-de-obra dentro dos padrões do atual processo produtivo. Isto, pois, a qualificação não poderá ser efetivada completamente enquanto ainda existirem estes questionamentos no horizonte dos trabalhadores, pois elas, com certeza, geram incerteza e, conseqüentemente, resistência a qualificação.