Quinta, 28 Março 2024

Em meus estudos desenvolvidos no curso de doutorado, tenho tido a oportunidade de ler autores clássicos das Ciências Sociais, assim como autores contemporâneos, cujas obras deixaram grande contribuições para a discussão de temas clássicos da sociedade. Um deles, que muito me interessa e cujo debate já foi realizado nesta coluna, é o conceito de classe social. Este é um conceito central para compreendermos a atual estrutura social da maior parte das sociedades em todo mundo.

        

Um autor contemporâneo que trata desta questão é o francês Pierre Bourdieu (1930-2002). Em seu livro A Distinção: crítica social do julgamento, Bourdieu diz as formas possíveis para a construção da classe social. Para ele,

 

A classe social não é definida por uma propriedade (mesmo que se tratasse da mais determinante, tal como o volume e a estrutura do capital), nem por uma soma de propriedades (sexo, idade, origem social ou étnica – por exemplo, parcela de brancos e de negros, de indígenas e de imigrantes, etc - , remunerações, nível de instrução, etc.), tampouco por uma cadeia de propriedades, todas elas ordenadas a partir de uma propriedade fundamental – a posição nas relações de produção -, em uma relação de causa a efeito, de condicionante a condicionado, mas pela estrutura das relações entre todas as propriedades pertinentes que confere seu valor próprio a cada uma delas e aos efeitos que ela exerce sobre as práticas. (BOURDIEU, 2007, p. 101)

 

O que Bourdieu nos diz é que existem inúmeros campos no chamado espaço social ou, para outros teóricos, sociedade. Por exemplo, temos o campo econômico onde o capital em jogo é o financeiro, seja em termos de renda ou em termos de propriedade. Também temos o capital cultural que é perceptível pela titulação dos indivíduos, ou seja, a sua formação escolar e pelo conhecimento cultural advindo dela ou do “berço”. A sua posição no espaço social é o resultado de todos estes capitais e da importância que cada um deles tem nos campos específicos e no espaço social.

 

No caso estudado por Bourdieu, a saber, o caso francês, o capital escolar tem uma importância muito grande, pois ele determina posições no campo econômico e também na estrutura de classes que será composta no espaço social. Ou seja, a formação escolar é primordial para alcançar melhor posição nas forças produtivas e também melhor posição no espaço social.

 

Entretanto, ao ver esta teoria na sociedade brasileira é possível perceber uma inversão de papéis. A formação escolar, apesar de ter sido bastante pregada e requisitada, dá lugar a outros tipos de capital. Por exemplo, o fato de um indivíduo ser um grande jogador, daqueles chamados galácticos, o torna, em nosso país, estrela de primeira grandeza, convidado para todas as festas, detentor de um capital econômico muito superior a doutores laureados e de um capital social que o permite transitar por diversos campos. Ou seja, o coloca em uma posição privilegiada no espaço social. O mesmo pode ser dito para os políticos, que transformam seu capital político em possibilidade de ascensão no espaço social.

 

Desta forma, como podemos fazer com que o capital escolar seja valorizado em nossa estrutura social, onde ser Robinho é quase tão igual a ser Antonio Ermírio de Moraes? Como o capital escolar pode se tornar propriedade com valor maior que o capital social? Ou seja, qual capital privilegiamos em nossa estrutura social?

 

Estas são questões importantes que confluem para o artigo desenvolvido pelo colunista Hermann Marx neste site na semana passada, onde ele discutiu a relação educação-trabalho e apresentou dados que mostram o desinteresse dos jovens pela educação. Isto se explica pelo fato de Neymar, ainda adolescente, receber salários de R$ 80 mil pela sua habilidade com os pés, sem nenhuma formação escolar, enquanto professores de educação básica, alguns mestres formados por grandes universidades, não recebem salários que correspondam a 1% deste montante. Como acreditar que o capital escolar possa constituir-se em capital importante para ascender na hierarquia do espaço social?

 

O que apresento aqui não tem intenção de chegar a conclusão, mas apenas de provocar reflexões sobre quais os valores que a atual sociedade brasileira vem privilegiando. Se quisermos chegar a nação de primeiro mundo, será este o caminho?

 

Referência bibliográfica

BOURDIEU, Pierre. A Distinção: crítica social do julgamento. São Paulo: Edusp; Porto Alegre: Zouk, 2007.

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