Nas semanas que se passaram esta coluna deteve-se na discussão sobre a qualificação do trabalhador portuário. O foco foi a necessidade apresentada pelas empresas do setor portuário de trabalhadores que tenham qualificação superior as apresentadas pelos atuais e como o conhecimento adquirido por estes trabalhadores tem sido colocado de lado em detrimento da qualificação advinda do processo de escolarização.
Não entrando no cerne desta discussão, principalmente porque ela já foi bem debatida neste site, as questões levantadas me levaram a pensar em novas indagações. Por exemplo, atualmente as operadoras portuárias exigem um profissional com ensino médio completo, habilidades em informática e conhecimento de idiomas. Ou seja, exige-se um profissional qualificado em termos das necessidades portuárias e que, para tal, teve que adquirir conhecimentos para além do convívio da profissão, o que era natural no processo de aprendizado do trabalho anterior a lei de modernização dos portos.
Desta forma, podemos supor que o trabalhador que chega aos portos hoje possui um histórico de vida, tanto profissional como pessoal, diferente do trabalhador antigo. Isto, pois, sabemos que no Brasil a aquisição de escolaridade e capacitação nos moldes exigidos nos portos atualmente, só é conseguida por integrantes da classe média, seja ela baixa ou alta, ou alta que possuem condições de manter seus filhos na escola, sem a necessidade da renda que eles podem prover, e ainda podem proporcionar conhecimentos extra-curriculares a estas crianças e jovens, como cursos de informática e idiomas.
Sendo assim, podemos dizer, de forma hipotética, que há uma mudança não apenas no perfil do trabalhador portuário, mas também na identidade deste trabalhador. Isto, pois, além de possuir referencias diferentes pela posição social que ocupa, o atual trabalhador possui outro tipo de preparação para o mercado de trabalho. Richard Sennett (2005) diz que os jovens de hoje são preparados para todo e qualquer tipo de trabalho, independente de sua profissão. Ou seja, o trabalhador deve ser polivalente, multifuncional e desta forma, não se reconhece em nenhuma profissão que exerce. No caso dos portuários, tal fato pode ser expresso no conhecimento do manuseio das máquinas, que são utilizadas não somente nos portos e cujo conhecimento pode ser aplicado em diversos setores onde esta tecnologia é exigida. Desta forma, reconhece-se como trabalhador, mas, talvez, não como portuário, visto que a relação direta com a carga e com a natureza do trabalho portuário vai desaparecendo e se igualando a tantas outras profissões cujo fator logístico, como transportes e manuseio de cargas, é central.
Claro, os pontos levantados aqui se constituem como questões e precisam ser investigados. Para isto, coloco tal discussão nesta coluna, de forma que possamos juntos refletir sobre tais pontos e saber se, realmente, o trabalhador portuário de hoje ainda mantém as características e a identificação com o trabalho portuário, tal como tínhamos antes da Lei nº 8.630/93, ou se podemos afirmar que há uma mudança na identidade profissional do trabalhador portuário, que passa não apenas a ter novas qualificações, mas a construir referências sobre o trabalho e a vida diferentes daquelas construídas nos tempos pré-modernização.
Referência bibliográfica
SENNETT, Richard. A corrosão do caráter: consequências pessoais do trabalho no novo capitalismo. 9ª Ed. Rio de Janeiro: Record, 2005