Sexta, 27 Dezembro 2024

Na última semana, o jornal Valor Econômico publicou matéria sobre a relação escolaridade–qualificação no Porto de Santos (Escolaridade baixa ameaça emprego de portuários, de José Rodrigues). Interessante, visto que semana passada esta coluna preocupou-se com tal questão, mostrando que as duas podem andar juntas, mas que nem tudo a alta escolaridade pode resolver.

 

Neste sentido, venho discutir um pouco as questões levantadas pela matéria. O foco está no fato de a maior parte do contingente de portuários, cerca de 50%, possuir ensino fundamental incompleto ou completo. Tal fato acarretaria na perda de emprego, pois o número cada vez maior de máquinas que utilizam da tecnologia faz com que trabalhadores “menos letrados” tenham dificuldades em compreender o funcionamento do maquinário.

 

Esta é a tese corroborada pelos empresários, que passam a exigir trabalhadores com ensino médio completo. Concordo que quanto maior a escolaridade, maior a capacidade de compreensão e, principalmente, de crítica, visto que o indivíduo possui maior conhecimento para poder refletir sobre suas ações. Entretanto, o conhecimento não advém apenas da escolaridade, ele também é construído nas práticas dos indivíduos. E este ponto é fundamental nesta discussão.

 

Isto, pois, todo conhecimento prévio do indivíduo está sendo descartado neste processo. Quer dizer que por um trabalhador ter ensino fundamental completo, o que pode ser que ele tenha concluído até a 7ª série do ensino fundamental, o que lhe dá conhecimentos de química, física, biologia e o principal, matemática e português, este trabalhador não conseguirá manipular uma máquina? Ah, diriam os empresários, mas ele não teve aulas de informática. A maioria dos indivíduos não aprende informática nos bancos das escolas ou em cursos especializados. Aprendem mexendo, sendo colocados em frente a um computador e “fuçando” em seus sistemas operacionais. Foi assim que eu aprendi e que muitas crianças, que em muitos casos ainda não sabem ler, aprendem todos os dias. Desta forma, estamos desprezando um conhecimento que é adquirido independente da escolaridade.

 

Foto: Novo Milênio

Trabalho portuário mudou muito ao longo dos anos e a maior parte das operações deixou de ser simples e envolve máquinas bastante modernas

 

Entretanto, os maquinários exigem conhecimentos de softwares específicos. Mas, neste caso, nenhum curso de informática resolverá, apenas cursos específicos oferecidos pelos órgãos competentes. E neste sentido, o que foi feito até o momento? Quais cursos de capacitação ou requalificação foram oferecidos aos trabalhadores portuários? Como bem ressalta a matéria, o Centro de Excelência Portuária até o momento apenas ofereceu cursos na área de segurança do trabalho, o que não é ruim, mas que não trabalha a necessidade de capacitação do TPA (leia Cenep: uma ficção).

 

Agora, diriam os empresários, para mexer no maquinário, os trabalhadores devem saber inglês, visto que os equipamentos são importados e seus comandos estão em língua inglesa. Mas, será que um trabalhador com ensino fundamental incompleto ou completo não tem competência para aprender inglês? Será que algo ele já não sabe, visto que sua vida no cais o faz conviver com pessoas de diversas nacionalidades, entrar em navios com bandeiras de países distintos e, desta forma, aprender, mesmo que basicamente, a língua inglesa? E neste sentido, oferecer cursos de inglês voltados diretamente aos TPAs não seria uma forma de qualificar esta mão-de-obra?

 

Ao falar sobre a falta de qualificação dos TPAs esquecem que estes trabalhadores possuem um aprendizado inerente ao exercício de sua profissão, que não pode ser descartado. Falam-se das exigências, mas pouco se vê o que realmente estes TPAs sabem. Uma pesquisa efetiva sobre o conhecimento escolar e prático destes trabalhadores merece ser realizada, para que não fiquemos reproduzindo o senso-comum que nos indica que escolaridade e qualificação andam de mãos dadas.

 

Claro que existem deficiências na formação dos trabalhadores, mas o que está sendo feito neste sentido? Como sindicatos, empresários, Ogmo e Cenep têm resolvido esta questão? Espera-se que o trabalhador adquira qualificação por si só, mas diz a lei e a matéria confirma, que parte da folha de pagamento dos TPAs é direcionada a qualificação destes. Então, paremos de reclamar e vamos “meter a mão na massa”, efetivamente fazer valer a lei e qualificar estes trabalhadores, que, com certeza, surpreenderão muitos instrutores com o seu imenso conhecimento prático, pouco ou nada valorizado.

Leia também

* Para além da realidade do mercado de trabalho

* A cultura do trabalho no Porto de Santos (1)

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