Quinta, 25 Abril 2024

Na última terça-feira, dia 04 de novembro, fomos agraciados com um programa no maior canal de TV da rede aberta que versou sobre a vida no maior porto do hemisfério Sul: o Porto de Santos. Caco Barcellos e sua turma de repórteres passearam por entre navios, armazéns, guindastes e portêineres, mostrando como por ali passam diariamente milhares de pessoas. Entretanto, estas milhares de pessoas estão divididas em diversas categorias trabalhistas, que no programa ficaram restritas a duas categorias de trabalhadores: a estiva e os operadores de guindastes. Talvez pela natureza do programa, que é rápido, ágil e pretende mostrar diversos aspectos de um tema, não foi possível apresentar tal diversidade, porém isto ratifica o que vemos para além dos portos e, principalmente, das cidades portuárias.

 

Falo isso diante da realidade empírica, que vivi e vivo nestes 14 anos longe da minha terra natal. Aos 18 anos, saí de Santos para cursar faculdade de ciências sociais em Araraquara, cidade distante mais de 400 km do litoral. Com uma veia militante, mudei de cidade com a crença de que a ciência poderia (e pode) auxiliar na transformação da realidade social. Sendo assim, segui para o interior de São Paulo com a esperança de mudar o mundo. Logo que cheguei, me deparei com estudantes vindos de diversas cidades, não apenas do Estado de São Paulo, mas do Brasil e até do mundo. Inevitavelmente todos queriam se conhecer e saber das origens uns dos outros. Eu contava minha “longa” jornada até ali, falava de Santos, das praias e da profissão de meu pai: trabalhador portuário avulso. E a primeira questão que faziam era: “seu pai é estivador, então?”. E lá ia eu explicar que nem só de estivadores se faz um porto.

 

Quando me graduei, busquei o curso de mestrado e tive por objeto de estudo os trabalhadores portuários avulsos. Uma das minhas preocupações era a de desmistificar que apenas estivadores trabalham nos portos, queria mostrar que consertadores, conferentes, vigias, bloco e tantos outros são partes deste caleidoscópio que são os portos. Na primeira disciplina que cursei, seminários de pesquisa, tive que expor o meu projeto de pesquisa, ou seja, a pesquisa que pretendia fazer, o meu objeto de estudo, o que sabia sobre ele teórica e empiricamente, a metodologia adotada, entre outros pontos. E qual não foi o espanto ao ver que assim como meus colegas de Araraquara, os do mestrado também não imaginavam a miríade existente nos portos. Naquele momento vi que o trabalho que propus, ali mesmo, em um primeiro debate, já cumpria a sua função, a de mostrar com quantas categorias trabalhistas se faz um terno.

 

Porém, ao ver o programa desta terça, mais uma vez apenas estivadores tiveram a sua vez. Os operadores de guindastes apareceram também, pois com a automatização torna-se obrigatório mostrar os homens que operam as máquinas gigantescas que fazem o “milagre” de transportar o container do cais para dentro dos navios. Mas, penso que, assim como no programa, pouco ou quase nada se fala das demais categorias portuárias.

 

Os estivadores talvez tenham se tornado símbolos da profissão de portuário por ser a maior categoria trabalhista portuária ou por terem a maior entidade sindical. Afinal, a imagem clássica de estivadores carregando sacas de café sobre as cabeças no início do século XX ainda permeia o imaginário das pessoas. Entretanto, no momento em que a multifuncionalidade vem sendo discutida, onde debate-se a união das categorias ou a continuidade da divisão, devemos lembrar esta divisão, visto que cada uma das categorias, incluindo estivadores e guindasteiros, possui sua história, tem suas peculiaridades, habilidades, aptidões que lhe torna única e que contribui para a construção da identidade da categoria. Além disso, o trabalho no porto é resultado da distribuição das categorias ao longo do processo de trabalho, cada qual com a sua importância, permitindo, então, aos trabalhadores desenvolverem as suas referências da vida social, que os permitem a socialização perante o trabalho, a família, os amigos e todos os elementos da sociedade. Ser portuário é ser trabalhador de um grande porto, é ter a referência local a sua profissão; mas, ser trabalhador portuário avulso significa ter a referência de uma profissão, de uma habilidade, de um ofício, é ter todas as categorias em uma e carregar dentro de si o orgulho que cada uma delas traz aqueles que a vivem.

 

Referência bibliográfica

DIÉGUEZ, Carla Regina Mota Alonso. De OGMO (Operário Gestor de Mão-de-Obra) para OGMO (Órgão Gestor de Mão-de-Obra): modernização e cultura do trabalho no Porto de Santos. 2007. Dissertação (Mestrado em Sociologia). Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas, Universidade de São Paulo, São Paulo.

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