Sábado, 20 Abril 2024

Tenho um grande prazer na vida: a leitura. Desde pequena, aprendi a importância da leitura para aquisição de conhecimento e também para momentos de lazer, nos quais nos transportamos do mundo real para o mundo da imaginação e nos tornamos princesas, cavaleiros, detetives, etc. Penso que a leitura tem o poder de nos tornar pessoas melhores.

 

Por tal fato, escolhi uma profissão na qual a leitura é necessidade constante, a sociologia. Nessa profissão, aprendemos a ler as teorias produzidas por velhos e novos sociólogos, assim como conhecemos o processo de construção das teorias, realizado a partir das pesquisas empíricas que envolvem, além da leitura, a coleta de dados quantitativos e qualitativos, de forma a validar as hipóteses de pesquisa. A leitura imposta por essa rotina é a leitura científica, onde os termos técnicos são constantes e a narração pouco lembra a dos livros de ficção. Porém, alguns textos tentam unir o útil ao agradável e trazem excelentes narrativas sociológicas, não apenas para os profissionais, mas para todos aqueles que quiserem conhecer um pouco mais sobre o tema tratado.

 

Esse é o caso de A Cultura no Novo Capitalismo, livro do professor Richard Sennett (Rio de Janeiro: Record, 2006). Sennett é norte-americano, doutor em sociologia desde a década de 1960 e professor na New York University e na London School of Economics and Political Sciences. Seus principais temas de pesquisa são a cidade e sua cultura, o que insere as questões do mundo do trabalho, sobre as quais Sennett tem se debruçado nas duas últimas décadas.

 

Em A Cultura do Novo Capitalismo, o prof. Sennet reuniu algumas conferências proferidas na Universidade de Yale sobre a cultura do que ele chama novo capitalismo, que reúne questões como o consumo e as habilidades exigidas para a inserção no atual mercado de trabalho. O capítulo dois, “O talento e o fantasma da inutilidade”, traz algumas discussões acerca dos resultados de pesquisa obtidos pelo professor sobre o tema do trabalho e apresentados em seu primeiro livro sobre o assunto, A Corrosão do Caráter: conseqüências pessoais do trabalho no novo capitalismo (Rio de Janeiro: Record, 1999).

 

Em “O talento e o fantasma da inutilidade”, Sennett recorre às pesquisas com profissionais dos setores de alta tecnologia e mostra como os padrões estabelecidos antigamente, a idéia da necessidade de aprofundamento numa profissão e a demonstração de habilidades específicas para exercício de um cargo, desaparecem no novo capitalismo. Isso, pois, a “bola da vez” são os profissionais multifuncionais ou, fazendo analogia à esponja de aço, os mil e uma utilidades. Esses profissionais são dotados de flexibilidade, porém, segundo Sennett, são superficiais, incapazes de analisar problemas com profundidade.

 

Para ele, estamos na sociedade da capacitação, onde o talento pode ser medido por meio dos sistemas de avaliação meritocráticos e nada pode ser aprendido através da experiência, adquirida pelo exercício da profissão e pela atividade de aprendiz. O profissional deve nascer pronto, deve possuir características inatas, que são afloradas nos cursos superiores, que transformam o indivíduo em um ser apto, ou melhor, em um indivíduo com potencial para o exercício da profissão. Profissão que não se restringe apenas sua área, mas convoca o indivíduo a ter conhecimento de tudo, mesmo que superficialmente, mas que demonstre que ele está preparado ou tem “potencial” para o cargo.

 

Essa é a sociedade em que vivemos. Quando comparamos essa análise ao caso dos portuários brasileiros, podemos perceber que, apesar de Sennett ter realizado suas pesquisas nos Estados Unidos, ela se aproxima da nossa realidade. A sobreposição da capacitação sobre talento, o fim da experiência e a exigência de profissionais multifuncionais é uma realidade nos portos brasileiros. Tal como nos setores de alta tecnologia, os portos brasileiros estão entrando na era do novo capitalismo.

 

Os trabalhadores moldados pela experiência estão se tornando obsoletos, ou como diz Sennet, estão sendo carregados pelo “fantasma da inutilidade”; afinal, se a experiência, a habilidade e o talento não fazem mais parte das capacidades exigidas para ingresso e permanência no mercado de trabalho, o que farão esses trabalhadores? Conseguirão novas oportunidades ou estão fadados à aposentadoria forçada ou mesmo ao desemprego? Sennett, nesse ponto, é pessimista, pois diz que se não mudarmos a perspectiva do mercado e voltarmos a valorizar capacidades adquiridas no exercício da profissão e a necessidade de especialização e aprofundamento, o fim desses homens é a inutilidade.

 

Esse é apenas um dos motivos pelos quais vale a pena ler A Cultura do Novo Capitalismo. Uma análise contundente do mundo do trabalho e das demais questões que envolvem a atual sociedade, apresentadas em uma narrativa sociológica que traz uma linguagem formal que beira a coloquial e que demonstra que a sociologia pode ser uma ciência palatável e capaz de auxiliar os indivíduos na compreensão do mundo em que vivemos.

 

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