Sábado, 20 Abril 2024

Há algum tempo esta coluna vem apresentando livros, artigos, dissertações de mestrado e teses de doutorado escritos a partir de resultados de pesquisas científicas, realizados nas faculdades e universidades de todo Brasil, tendo por objeto de estudo os trabalhadores e suas entidades representativas. Um desses trabalhos é a tese de doutorado de Euler David de Siqueira sobre os trabalhadores dos portos do Rio de Janeiro e de Sepetiba/RJ.

 

Portos do Rio, Trabalhadores do Mar: Privatização e Racionalização do Trabalho Portuário em Sepetiba e Rio de Janeiro é resultado da pesquisa orientada pela Profa Dra Elina Pessanha, na Universidade Federal do Rio de Janeiro, e desenvolvida por Siqueira durante os quatro últimos anos da década de 1990, já com a vigência da Lei de Modernização dos Portos. Defendido em 2001, esse trabalho é um dos primeiros que busca tratar das conseqüências oriundas do processo de privatização dos portos, que para Siqueira resulta em uma racionalização e mercantilização do trabalho portuário.

 

É interessante ver como através da matriz teórica da sociologia do trabalho Siqueira vai delineando e delimitando o trabalho portuário. Baseado nas linhas desenvolvidas por Claus Offe, sociólogo alemão que se preocupou com a possível crise da sociedade do trabalho e que desenvolve uma análise teórica do trabalho em serviços, que passa a tomar força a partir de 1980, Siqueira separa a mão-de-obra portuária em dois núcleos: o primeiro, denominado por Siqueira de núcleo duro, refere-se a atividade burocrática desenvolvida nos escritórios, conhecida por nós como gerência, supervisão, fiscalização.

 

Para Siqueira, esses trabalhadores estão preocupados com a manutenção da normalidade das atividades desenvolvidas, de forma a assegurar a integridade da mercadoria a ser transportada. Siqueira diz que esses trabalhadores desenvolvem atividades que, em termos marxistas, produzem valor de uso, ou seja, dão a mercadoria a sua utilidade.

 

Já o segundo grupo é o que conhecemos tradicionalmente por trabalhadores portuários, aqueles diretamente envolvidos no processo de movimentação das cargas e, portanto, para Siqueira, produtores de valor de troca, ou seja, do valor pelo qual a mercadoria será vendida no assim chamado processo de circulação. Ao avaliarmos pela lógica marxista, esses trabalhadores ao gerarem valor de troca, que é agregado ao produto, se inserem no processo de produção e passam a fazer parte da cadeia produtiva industrial; pois seu trabalho, ou seja, a quantidade de horas de trabalho gasta na movimentação da carga, afetará o valor final do produto.

 

E é com tal matriz teórica que Siqueira vai analisando o desdobramento da privatização portuária entre os trabalhadores dos Portos do Rio de Janeiro e de Sepetiba. Mas, para isso, Siqueira faz um retrospecto histórico, mostrando o nascimento e desenvolvimento do sistema portuário brasileiro, desde o porto colonial até as mudanças na atual estrutura portuária. Também se preocupa em localizar as mudanças no marco regulatório portuário brasileiro, assim como as conseqüências geradas no processo de trabalho, dentro do cenário mundial, não só portuário, mas do mundo do trabalho e seus processos de reestruturação produtiva.

 

Composto por mais de 500 páginas, esse trabalho é de suma importância, primeiro por tratar-se de uma análise pioneira dos reflexos da modernização portuária, e também para compreendermos as mudanças geradas no sistema portuário brasileiro não como caso isolado, mas como algo oriundo da globalização econômica, que resulta na padronização das ações dos atores econômicos e, conseqüentemente, nas modificações das estruturas e instituições econômicas, políticas e sociais que buscam se adaptar as necessidades e entrar na competição do mercado mundial.

 

Referência bibliográfica

SIQUEIRA, Euler David de. Portos do Rio, Trabalhadores do Mar: Privatização e Racionalização do Trabalho Portuário em Sepetiba e Rio de Janeiro. 2001. Tese (Doutorado em Sociologia e Antropologia). Instituto de Filosofia e Ciências Sociais, Universidade Federal do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro. 

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