Sexta, 27 Dezembro 2024

Todas as segundas pela manhã leio a coluna de Matthew Shirts no jornal O Estado de São Paulo. Como não poderia deixar de ser, nesse dia 23 de junho cumpri meu “ritual” e me deparei com um texto interessante [1], no qual o colunista comenta o livro Veneno Remédio lançado por José Miguel Wisnik. O livro é sobre o futebol, não apenas para os “entendidos”, mas para aqueles que também procuram entender. Fala, principalmente, sobre como o futebol nos permite compreender a cultura brasileira.

 

Mas, o que me chamou a atenção foi o ponto ressaltado pro Shirts sobre a relação cultural que temos com os apelidos, no caso os dos jogadores de futebol. Para Wisnik, assim como para Shirts, isso corresponde a idéia do homem cordial, bem colocada por Sérgio Buarque de Hollanda em seu clássico livro Raízes do Brasil, no qual o brasileiro é movido pelo coração, o cordis, e não pela razão; ou seja, nossas relações são estabelecidas na esfera do íntimo, do privado, do personalismo, e não da vida pública, onde a razão é central.

 

Na mesma hora lembrei dos inúmeros apelidos possuídos pelos trabalhadores portuários. Podemos dizer, que nesse caso, o homem cordial também aparece com toda força nos ambientes de trabalho, mostrando como as relações de cordialidade são importantes para sustentar bons ambientes de trabalho (em contraponto insalubridade dos mesmos).

 

Um caso clássico é de um dos mais famosos estivadores santistas, Antonio André Carrijo, ou melhor, Antoninho Navalhada, que ganhou seu apelido por sua “qualificação”. “Começou a trabalhar no porto em 1915, aos 16 anos deu início às suas proezas e, em 1930, apresentava 16 passagens pela polícia, sendo 10 por agressão corporal”. (SILVA, 2004, p. 212). Outros ganharam por sua aparência, como o “Bonito só de longe”, conferente de carga e descarga. Outros pelo seu espírito, como a dupla “Hecatombe e Baixo Astral”, também conferentes, que como relata o “Boletim dos Conferentes” [2], eram conhecidos pelo seu “constante otimismo”. Nessa edição do boletim, uma matéria chama a atenção para esta prática e diz que alguns preferem serem chamados pelo apelido em lugar do nome. 

 

Entre os conferentes de carga e descarga de Santos até as turmas possuem apelidos, dados conforme o ano de sua entrada. Os apelidos são relacionados a acontecimentos que envolvem diretamente os portuários ou ao contexto político da época. (ALEXANDRINO & MATOS, 1995) Na comunidade do Orkut [3], Estivadores de Santos, existe um tópico só sobre qual é o apelido pelo qual o estivador é conhecido.

 

Outras profissões também possuem a prática de apelidar os colegas de trabalho. O livro de Kimi Tomizaki, Ser Metalúrgico no ABC, apresenta um pouco desta prática entre os trabalhadores da Mercedes-Benz do Brasil.

 

Posso dizer que o ato de apelidar ode ser considerado uma prática mais do que institucionalizada, não apenas entre os trabalhadores, mas em quase todos os segmentos sociais. Sérgio Buarque de Hollanda tinha razão e Wisnik, também; afinal, a polidez de chamar pelos sobrenomes, tão comum nos países europeus, é substituída pela familiaridade dos apelidos brasileiros. Afinal, todos nós temos ao menos um apelido. O meu pai, por exemplo, chama-se “Jararaca”, por conta de uma picada da mesma cobra. Meu irmão é o “Maradona”, pela sua capacidade de ser um “excelente” jogador de futebol. Eu mesma tenho alguns. E você, qual o seu apelido?

 

Referências bibliográficas

ALEXANDRINO, Carlos Mauri & MATOS, Paulo. Caixeiro, conferente, tally clerk: uma odisséia num porto do Atlântico. Santos: Prefeitura Municipal de Santos, 1995.

 

SILVA, Fernando Teixeira da . Valentia e Cultura do Trabalho na Estiva de Santos. In BATALHA, Cláudio H.M.; FORTES, Alexandre e SILVA, Fernando Teixeira da. Cultura de Classes. Campinas, SP: Editora da UNICAMP, 2004.

 

TOMIZAKI, Kimi. Ser metalúrgico no ABC: transmissão e herança da cultura operária entre duas gerações de trabalhadores. Campinas: Centro de Memória da Unicamp/ Arte Escrita Editora/ FAPESP, 2007.

 

WISNIK, José Miguel. Veneno remédio: o futebol e o Brasil. São Paulo: Companhia das Letras, 2008.



[1] Cf. SHIRTS, Matthew. O Brasil está nos apelidos. In O Estado de São Paulo. 23 jun. 2008. p. D10

[2] Boletim dos Conferentes, abril/1998.

[3] http:://www.orkut.com 

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