Na última semana, PortoGente lançou a bem-vinda coluna Trabalho e Bem Estar. O primeiro artigo fala da relação entre um bom ambiente de trabalho, no caso relacionado à infra-estrutura disponível para o exercício de determinadas atividades, e a motivação e produtividade no trabalho. Com certeza, um ambiente de trabalho saudável é primordial para que as pessoas possam se sentir bem na prática de suas atividades e motivadas para trabalharem naquele local. Entretanto, não podemos esquecer que as relações entre as pessoas também são essenciais para que o ambiente de trabalho seja saudável.
Falo isto pensando nos portos brasileiros, em especial, no Porto de Santos. Sabemos das condições insalubres existentes nos portos brasileiros. Em Santos, como bem ressaltou o coronel Jorge Pimentel no seminário de constituição do Cenep, não há lugar para os trabalhadores trocarem de roupa ou guardarem seus equipamentos de proteção individual (Epis). A Rádio PortoGente também tocou neste tema há três semanas (Escalação no porto santista é feita em local inadequado), quando se referiu aos péssimos locais de escalação no Porto de Santos, onde o barulho é ensurdecedor e é quase impossível falar com o colega ao lado. É este ponto que quero abordar.
O trabalho nos portos brasileiros é por natureza, perigoso e insalubre. Descer aos porões dos navios e passar 6, 8, 12 horas sob forte calor e manuseando materiais que podem causar doenças ou mesmo lingar cargas e contêineres com o risco da carga estourar, faz com que este trabalho não seja saudável. Entretanto, para que não se torne insuportável a realização da atividade laboral, a equipe de trabalhadores deve encontrar a sua harmonia. Por isso, as relações sociais tornam-se primordiais para a manutenção de um bom ambiente de trabalho. Estabelecer relações de amizade entre os colegas é essencial para a própria realização do trabalho nos portos.
Vamos lembrar que entre os trabalhadores portuários avulsos, a principal unidade de trabalho é o terno. É nesta unidade que a harmonia deve ser buscada, para que o exercício da atividade não comprometa a produtividade e mais, a vida dos trabalhadores. Cruz (1998, p. 59), ao falar dos estivadores do Rio de Janeiro, mostra como a coesão dessa unidade de trabalho é importante para a realização da atividade de forma segura:
A responsabilidade pela estivagem fica em grande parte nos ombros de um grupo de homens que interagem de modo direto e personalizado, mantêm relações de interdependência e complementaridade e vivem eles mesmos todo o ciclo de operações envolvido no processo de trabalho. Cada membro do grupo tende a vir a ser um estivador completo, capaz de substituir o seu colega (...). A segurança de todos depende de cada um (...). O ’’terno’’ é, portanto, um grupo não especializado, não hierarquizado (embora possa haver relações informais assimétricas), auto-integrador e que tende a mostrar qualidades de autonomia responsável.
Ou seja, se estes trabalhadores, diante de condições péssimas de trabalho, não encontram sua harmonia, é impossível garantir que a atividade se realizará assegurando produtividade e, principalmente, segurança aos trabalhadores. Neste ambiente, se não houver uma relação harmônica entre os trabalhadores, não há a possibilidade de realização da atividade. Torna-se essencial o estabelecimento de relações sociais coesas, baseadas em laços de amizade e solidariedade, capazes de unir os trabalhadores em torno do bom andamento das atividades de trabalho.
Claro, não quero dizer que não é preciso olharmos para as condições estruturais dos ambientes de trabalho. Termos bons locais de escalação, banheiros bem limpos, locais para guardar Epis e realizar refeições é de extrema importância para a motivação do trabalhador e um direito assegurado a ele. Entretanto, não podemos esquecer que os ambientes de trabalho são feitos por homens e mulheres, dotados de sensibilidade e reflexividade, e se estas pessoas não encontrarem harmonia em suas relações, nenhum ambiente de trabalho trará a motivação necessária para o bom andamento das atividades. Por isso, a constituição e preservação das redes de sociabilidade dos trabalhadores portuários, historicamente tornaram-se parte da cultura do trabalho, essencial para a manutenção das categorias trabalhistas e, principalmente, do próprio trabalho portuário.
Referência bibliográfica
CRUZ, Maria Cecilia Velasco e. Virando o Jogo: Estivadores e Carregadores no Rio de Janeiro da Primeira República. Tese (doutorado em Sociologia) Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas, Universidade de São Paulo, São Paulo. 1998.