Sexta, 27 Dezembro 2024

Criador e editor do site dos Usuários dos Portos do Rio de Janeiro. E-mail: [email protected]

Lamentavelmente, a Antaq deu aos Termos de Responsabilidade produzidos por armadores, NVOCCs e agentes o mesmo grau de importância dos conhecimentos de transporte, ou contratos de transporte e isso é uma ajuda e tanto aos prestadores de serviços e seus intermediários. Os Termos de Responsabilidade não são documentos assinados pelos consignatários e/ou seus procuradores por livres e espontâneas vontades. Na realidade, os usuários são coagidos a assinar tais documentos, pois, caso recusem, os armadores usam a trava do SISCARGA e as mercadorias conteinerizadas ficam impedidas de sair dos terminais e demais recintos alfandegados que têm acordos de retenção com eles. Praticamente todos, principalmente os terminais portuários que recebem e precisam muitos dos navios, possuem tais acordos.

O Termo de Responsabilidade, inicialmente, foi concebido apenas para reafirmar a obrigação dos consignatários/importadores em relação às devoluções dos contêineres aos armadores, nos locais por eles indicados e nas mesmas condições que foram entregues para embarque na origem.

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Sobre-estadias de contêineres na Resolução n°. 4.271-Antaq

Quando os armadores começaram a cobrar as sobre-estadias de contêineres no Brasil, verificaram a necessidade de informar aos usuários, com antecedência, as condições e valores, de forma que tivessem ciência dos riscos que corriam. Nas primeiras ações que os armadores ajuizaram, não obtiveram os êxitos esperados justamente porque os advogados dos usuários alegavam que seus clientes não tinham ciência da cobrança, condições e valores.

Aqui cabe um parêntese, pois as sobre-estadias não constavam (como até hoje não constam) dos conhecimentos de transporte marítimos internacionais (bills of lading – Bs/L) dos armadores sejam eles nacionais ou estrangeiros. Os Bs/L são formulários padrões de cada armador, utilizados mundialmente e não faz sentido ter um documento adaptado apenas para o Brasil. Ademais, verifica-se que condições e valores de sobre-estadias são diferentes em outros países. Quando os valores e condições de sobre-estadias são colocadas nos Bs/L, isso é feito, geralmente, pelos exportador/embarcador que é o responsável pelas informações que farão parte do conhecimento, no momento de preencher o draft (rascunho) do documento.  Talvez a Antaq desconheça, mas quem preenche os drafts dos Bs/L, são os exportadores. Os armadores estrangeiros oferecem até sistema para isso, tal como o INTTRA.  A propósito, se um exportador atrasa o envio do draft do B/L, paga multa ao armador. Isso também não foi regulado.  

Não entendemos que a colocação de free time e valores de sobre-estadias nos Bs/L seja uma questão relevante para o usuário, pois isso alterará os modos operantes internacionais de exportadores. Ademais, como já defendemos no artigo Sobre-estadias de contêineres na Resolução n°. 4.271-Antaq, os usuários devem ter ciência das condições de valores de sobre-estadias antes do embarque, pois, depois que a carga está a bordo com conhecimento emitido, o estrago está feito. Nesse sentido, a Antaq deveria ter colocado em seu normativo submetido à audiência pública que os armadores e NVOCCs nacionais e estrangeiros estão obrigados a dar, antes do embarque, comprovada ciência aos usuários importadores. Não entendemos como a Antaq conclui que os problemas das sobre-estadias estão nos modos operantes de cobranças. Será que os usuários que a Antaq ouviu não reclamaram dos valores das diárias?  

Voltando ao Termo de Responsabilidade, ainda na década de 90, os armadores perceberam que deveriam conseguir um jeito de informar previamente esses valores, pois esse era o ponto de fragilidade das suas cobranças judiciais. Então, um determinado armador decidiu aproveitar o termo de devolução de contêineres já existente no mercado, diretamente relacionado à questão, e acrescentou as condições e valores de sobre-estadias. Com essa nova concepção, o documento passou a ser fundamental nas ações dos armadores e eles começaram a varrer os usuários importadores na justiça. Logo a coisa se espalhou pelo mercado e todos os armadores passaram a adotar a prática de colocar as sobre-estadias nesses documentos. Em um mercado sem regulação, quando um armador faz algo, consegue vantagens e os usuários não reclamam, em pouquíssimo tempo todos os outros adotam a mesmíssima conduta. Um exemplo clássico disso foi com a chamada “taxa de lacre”, que nada mais é do que uma venda casada. Nesse caso, o usuário exportador é obrigado a adquirir o lacre do armador. De certo, se questionados, os armadores afirmarão que estão apenas se ressarcindo do custo dos lacres.

No entanto, entre 2006 e 2007 a coisa começou a piorar. A discussão sobre a Instrução Normativa RFB n°. 800 de 17 de dezembro de 2007 que, trouxe o SISCARGA, mexeu com os nervos dos armadores, pois o CE-Mercante, necessário para o desembaraço aduaneiro, passaria a ser público.  Antes, o número do CE era conhecido apenas pelos armadores, que os forneciam aos usuários importadores mediante pagamento das quantias cobradas e a entrega do Termo de Responsabilidade assinado. Esse medo passou, porque a Receita Federal deu aos armadores o poder de informar no sistema que o usuário não pagou, ou não cumpriu tudo aquilo que eles exigem. De posse dessa informação, os terminais não liberam as saídas das cargas, caso existam pendências.

O problema é que, naquele momento de incerteza, os armadores começaram a buscar soluções junto aos seus jurídicos. Então, foram elaborados os Termos de Responsabilidade anuais ou semestrais em formatos de verdadeiros contratos, com todas as solenidades exigidas, inclusive reconhecimento de firma das assinaturas dos representantes legais das empresas usuárias, juntadas dos documentos das empresas, alguns casos com exigências de autenticação e assinaturas de duas testemunhas.

As justificativas dadas pelos armadores, na época, fazia menção à facilidade que os documentos nesses moldes trariam, pois com os termos anuais e semestrais, os importadores não precisariam mais assinar um termo para cada B/L. Porém, sabemos que o objetivo dos armadores com esses termos/contratos foi o de ter condições de ajuizar ações de execução, ao invés de ajuizarem ações ordinárias de cobrança para discussão do mérito ou ações monitórias. Em outras palavras, a intenção dos armadores foi a de facilitar o seu grande negócio chamado demurrage de contêineres na justiça, retirando do usuário qualquer chance de discutir os valores cobrados. Recentemente um importador de alimentos se recusou a assinar o termo em forma de contrato e, mesmo depois de desembaraçar sua carga, ficou impedido de retire-la do porto do Rio de Janeiro. O Agente, com o mesmo nome do armado estrangeiro, se limitava a dizer que as ordens eram do armador. O Resultado? O importador acabou assinando o documento.

Muitos NVOCCs e agentes de cargas também passaram a adotar seus termos em formatos de contratos. Os usuários ficaram sem opção em relação aos armadores, principalmente os estrangeiros, pois, praticamente todos adotaram a pratica de impedir as saídas das cargas dos terminais e recintos (retenção forçada = carga refém), caso os usuários importadores se recusem a assinar os documentos nos moldes por eles determinados. Na realidade, o documento deveria se chamarTERMO DE COAÇÃO.

A abusividade dos Termos de Responsabilidade não tem limites. Os despachantes passam a ser vitimas dos armadores também. Muitos são obrigados a assumir eventuais dívidas e, caso exista recusa, o próprio cliente acaba pressionando porque não deseja que a sua carga fique nos portos ou nos recintos pagando armazenagem. Um despachante inclusive relatou que teve valores penhorados em sua conta por cobranças de demurrage. Quem ousar questionar os armadores, além de mais armazenagens, pagará também mais demurrages, porque o tempo da discussão não é descontado. Ou seja, é o desespero de um mercado sem regulação que, ao que tudo indica, continuará da mesma forma, pois a agência reguladora não entrou nesse certame.

Enquanto a mentalidade não mudar, teremos esses absurdos. Por isso, é que defendemos que os usuários, antes do embarque, devam ter amplo acesso a todos os valores, condições e documentos aos quais serão submetidos. Com a carga a bordo, ficará complicado discutir com os armadores estrangeiros, os verdadeiros (mas não legítimos) reguladores da navegação de longo curso de um país com mais de 8.000 quilômetros de costas.

A verdade é que os usuários são coagidos e muitas vezes extorquidos por armadores estrangeiros, NVOCCs, agentes de cargas e agentes marítimos. A Antaq deveria ter sido clara e determinar que todas as informações devam ser prestadas aos usuários antes dos embarques no exterior e que os armadores e intermediários não podem praticar retenção ilegal das cargas dos usuários, até porque existem meios legais próprios para tal. A prática da coação também é verificada na exportação. A retenção da carga se dá através da não entrega do B/L ao exportador, que precisa do documento original para receber o dinheiro pela venda das mercadorias.

O artigo Sobre-estadias de contêineres na Resolução n°. 4.271-Antaq gerou grande polêmica, pois tocamos no ponto exato das sobre-estadias de contêineres, ou seja, as contas que fazem os armadores, principalmente os estrangeiros, para chegarem aos valores das diárias impostas a todos os usuários embarcadores, exportadores e importadores. Todos concordaram que, em se tratando de indenização, os números abertos devem ser cobrados pela Antaq e estudados para que seja elaborado um formato justo e equilibrado de cobrança. Se, é obrigação do usuário pagar as sobre-estadias, também é direito dele receber do regulador a garantia de que está apenas ressarcindo os armadores. O que se pede é o fim da indústria das sobre-estadias, a moralização do setor e isso, de longe, foi proposto pela Antaq através do normativo n°. 4.271.

Os valores dos fretes ao longo do tempo foram reduzidos, isso é verdade. Todavia, as sobretaxas, os THCs e as sobre-estadias sem regulação fazem com que esses ganhos não cheguem aos usuários. Os armadores e intermediários passaram a tratar ressarcimentos e indenizações como receitas. Sabemos que os tratamentos dados às indenizações e ressarcimentos são bem diferentes, se comparados ao tratamento dado à prestação do serviços de transporte propriamente dito. Talvez, por isso, assistimos cada vez mais os armadores criando mais e mais sobretaxas, sem controle do regulador, impondo ao mercado suas necessidades. A Antaq adora dizer que tudo que os armadores cobram por fora do frete pode ser colocado no valor do serviço. É claro que pode, ainda mais quando não há acompanhamento por parte dela. Preço regulado para quem?

Por fim, outra questão que é importante abordar é o fato de os contêineres pertencentes às frotas dos armadores estrangeiros (próprios ou alugados), serem bens estrangeiros que entram no país sob o regime de Admissão Temporária Automática, para ser usado única e exclusivamente como unidade de carga, com a finalidade de transporte. Assim, se os armadores, após os serviços de transporte, cobram algo além das indenizações as quais fazem jus e geram receitas com as sobre-estadias, estamos diante de mais um problema. Lamentavelmente, o regulador passou por cima disso, com uma enorme tranquilidade.

 

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