Para começar, deixamos para os usuários uma informação importante: na Nigéria, os armadores estrangeiros são regulados, pois lá são exigidas outorgas de autorizações e registros, ao contrário do Brasil, onde o Estado, através da ANTAQ, entende que não, contrariando o marco regulatório, inclusive Constituição Federal. O governo da Nigéria sabe quem são e onde estão essas empresas. Vejam que quando o tema é regulação econômica, já que muitos gostam de comparar o Brasil com Estados Unidos e Europa para nivelar o país por baixo, vale agora um comparativo com a nação africana, um dos países mais corruptos do mundo. Senhoras e Senhores, estamos muito bem! Quanto avanço! Ou retrocesso?
Para os que desejarem se aprofundar nos motivos que levaram a Nigéria a proteger os seus usuários, sugerimos um livro, que abrange também os países da Costa Oeste da África (Costa do Marfim, Nigéria e Gana) e Sudeste Asiático (Coreia do Sul, Singapura, Tailândia e Indonésia): IHEDURU, Okechukwu C. The political economy of International Shipping in Developing Countries. Delaware: University of Delaware Press, 1984, 300 p.
Foto: www.marsecreview.com
Usuários dos Portos do Rio se queixam da cobrança de THC, demurrage e fretes altos
Apertem os cintos e respirem fundo: escrita há mais de 30 anos, essa obra é relevante para o momento atual no Brasil, pois mostra como uma companhia de navegação estrangeira europeia, que opera no Brasil (também sem regulação), investigada pela Divisão Antitruste da UE, dizimou várias empresas de navegação africanas, e depois impôs fretes e demurrages abusivos. Por isso, existe um Conselho Nacional de Usuários Nigerianos, criado por lei em 1978, uma agência do governo federal, cujo objetivo é proteger o interesse dos usuários nigerianos - www.shipperscouncil.com. E aqui? O que fazem o nosso Congresso, SEP e ANTAQ para defender os interesses dos usuários?
Voltando ao Brasil, paraíso para a armação estrangeira, que quer dominar a nossa soberania. Para tal contam com uma Mãezona chamada ANTAQ e com a mansidão bovina dos usuários, que pouco reclamam e nada fazem, e demais que se dizem “interessados” na soberania nacional. Operam aqui sem outorgas de autorização, ganharam a cobrança do THC de presente do órgão regulador (sem o menor controle do ressarcimento exigido pela norma), não são regulados e fiscalizados pela ANTAQ, cobram aquilo que bem entendem em termos de serviços e valores. Além disso, operam da forma que bem entendem omitindo portos mais de 270 vezes em apenas nove meses de 2013 e, mesmo sem estarem legalizados, conseguem movimentar o governo para criar uma Comissão Nacional de Assuntos de Praticagem (CNAP) para defender seus interesses. Melhor seria o governo criar um Conselho Nacional dos Usuários tal como a Nigéria. Esses armadores estão ilegais aqui e ainda possuem associação para defender seus interesses em âmbito nacional! Já conseguiram tudo do governo, inclusive a verticalização (porto x navio), e agora querem quebrar o único elo da cadeia que não dominam: a praticagem. E os usuários?
Ironicamente, esse grupo de desregulados está exigindo mais regulação, pois, recentemente, foi veiculado na mídia que os armadores desejam esmiuçar as planilhas de custos dos práticos para entender como eles chegam aos valores finais e que desejam a fixação de um teto para a categoria. Exigem transparência, mas não querem transparência nas suas receitas e despesas. Contudo, muito bom seria se, em primeiro lugar, a nossa Agência Reguladora exigisse as outorgas de autorizações desses armadores de forma a legalizá-los no Brasil.
Depois de saber quem é quem, pois a ANTAQ sequer conhece essas empresas, seus acionistas e garantias, e como organizam as suas frotas em bandeiras de (in)conveniência, através de empresas abertas em paraísos fiscais como Barbados, Vanuatu, Bahamas, Liberia e o querido Panamá, deveria esmiuçar as planilhas dos armadores para entender melhor como chegam ao valor do THC de importação (um transporte de metros do costado do navio até a pilha de containers e um handling para colocação da unidade na pilha), serviço que não passa de R$100,00 de custo no porto e que eles chegam a cobrar R$1.100,00 dos usuários, ainda diferenciando container container dry de reefer, mesmo com as despesas de energia elétrica correndo por conta dos usuários desde a descarga.
Depois do THC, a ANTAQ deveria esmiuçar as sobre-estadias de containers. Nossa Agência Reguladora deveria exigir dos armadores uma planilha que demonstre ao órgão regulador e aos usuários quais os fatores que são levados em conta para se chegar aos valores das diárias dos seus containers. Inacreditavelmente, na semana passada tivemos conhecimento de que um desses armadores desregulados conseguiu na Justiça de Santos R$ 4.700.000 de demurrage de 38 ctn reefers. Isso mesmo, cerca de R$ 5 milhões de reais, ou seja R$ 135 mil por ctn que custa R$ 15 mil. Negócio da China? Não, negócio no Brasil, ou melhor de demurrage do Brasil. Esse é o Custo ANTAQ.
Vejam que não somos contra a cobrança de demurrage, mas, assim como eles querem ver os números da praticagem para entender o valor cobrado, os usuários também querem ver os números deles. O mesmo deveria ser feito com os fretes, pois os usuários precisam entender, por exemplo, a forma com a qual os armadores conseguiram dobrá-los de preço no final do ano no trade da China.
Sem entrar no mérito dos valores, é importante traçarmos um comparativo entre o trabalho que tem um prático para atracar um navio e o trabalho que tem o armador com o THC, pois esse serviço é prestado por terceiro e "contratado" por meio de posição dominante. O prático investe na sua profissão, corre riscos de vida, pois precisa subir a bordo do navio escalando metros de costado por uma escada de cordas, sem segurança, independente do dia, da hora e das condições de clima de mar. Além disso, é submetido a um processo seletivo rigoroso e presta serviço de interesse público. Já os armadores, com o THC, não fazem absolutamente nada, pois cobram por serviços executados pelos terminais, principalmente os arrendatários, que estão sob um regime de concessão pública e praticam tarifas. Portanto, o THC deveria ser homologado pelo CAP (antes da MP 595/2012, de 6.12.2012) e após essa data, ter a autorização da ANTAQ. Imaginem!!! Há quem sustente que todas as THC's na vigência da Res. 2.389/2011 são ilegais.
Essa história de que diminuindo o valor da praticagem os custos dos usuários irão cair, é historinha para boi dormir. Precisamos acordar para os fatos. Infelizmente, somos induzidos a acreditar em números os quais não temos acesso e, muitas vezes, por questões pontuais de operação. Antes de sairmos por aí julgando uma das melhores praticagens do mundo, um orgulho nacional, assim como a nossa Marinha Mercante, que os governos fizeram questão de destruir, vez que não puniram os gestores corruptos e não combateram as bandeiras de conveniência que, aos poucos, dizima (como na Nigeria), o pouco que resta de tpb em bandeira nacional, precisamos conhecer o tema com mais profundidade. Muitos falam que desejam ser práticos, mas só olham para o bônus e, com certeza, não aguentariam o ônus.
Enfim, no Brasil, vida fácil e moleza é coisa para armadores estrangeiros. Nem os armadores genuinamente brasileiros, os que não são controlados por empresas transnacionais, possuem tantos privilégios. Pelo contrário, precisam lutar para sobreviver, pois deles tudo é sugado e exigido pelo governo e pela ANTAQ, por meio de tributação e burocracia. Recentemente, assistimos o fim das operações da empresa MAESTRA, uma das notícias mais tristes dos últimos anos na nossa navegação, engolida pelas empresas de cabotagem de capital estrangeiro que aqui operam. Na regulação desse setor, a teoria e a prática comprovam que a empresa que está dentro (os armadores estrangeiros) não quer sair, mas não deixa o outro entrar (as EBNs), e trabalha por dentro para não deixar os novos entrantes entrarem no grupo. Afinal, o que querem mais os armadores estrangeiros que aqui operam sem regulação? Não temos dúvida que estão conseguindo o que, pelo menos, é proibido na Nigéria: sugar os seus usuários.