Os mecanismos de gestão ambiental e os princípios de sustentabilidade são, finalmente, cada vez mais são valorizados na administração dos portos brasileiros. Para contribuir com a propagação de conhecimento no setor, o WebSummit Porto Sustentável convidou a geógrafa, gestora em projetos ambientais e doutora pelo Programa de Saúde Global e Sustentabilidade da Universidade de São Paulo (USP), Vivian Fernanda Mendes Merola, para falar sobre os complexos desafios que o universo portuário enfrenta. "A questão do planejamento no Brasil é deficitária em todas as áreas. Nosso País não tem a cultura do planejamento estratégico e quando se trata das questões de sustentabilidade isso fica ainda mais evidente. Permanecemos na fase de privatizar os lucros e de socializar os impactos".
Portogente - Você acabou de defender um doutorado na Faculdade de Saúde Pública da USP que aborda uma proposta de gestão ambiental estratégica para a promoção de sustentabilidade e da saúde em cidades portuárias. Diante disso, na sua experiência, quais as questões que devem prioritariamente fazer parte de uma agenda diretriz para o desenvolvimento desses municípios, promovendo a sustentabilidade dos portos, da vida e da saúde dos cidadãos?
Vivian Fernanda Mendes Merola - O doutorado, cujo o título é "Os portos na nova economia global: uma proposta de gestão ambiental estratégica para a promoção da sustentabilidade e da saúde em cidades portuárias" tinha como primeiro desafio entender quais os aspectos ambientais que interferem na qualidade de vida da população que vive na área de influência direta das instalações portuárias. A seguir, o foco foi entender o que já existe em termos de gestão ambiental nos portos públicos, com especial destaque ao Porto de Santos, que foi o estudo de caso definido para a pesquisa. Por fim, buscou-se sugerir o uso da proposta de gestão ambiental estratégica utilizando o conceito de gestão adaptativa e a metodologia dos Padrões Abertos para a Prática da Conservação, que se caracterizam como um método de gestão de projetos proposto pela Aliança para as Medidas de Conservação (Conservation Measures Partnership - CMP), tendo como pergunta chave e norteadora: “Nossas ações estão sendo suficientemente efetivas para alcançar nossos objetivos de conservação?".
Assim, com base na identificação dos aspectos e impactos ambientais da atividade portuária em Santos, se definiu aqueles fatores que geravam agravos à saúde e qualidade de vida, chegando-se à proposição de cinco estratégias prioritárias para a promoção da sustentabilidade de ambientes portuários, em especial no Porto de Santos. Dentre elas citam-se ações efetivas que promovam o gerenciamento dos efluentes oriundos do transporte marítimo e de operações portuárias, o gerenciamento da água de lastro e sedimentos, o gerenciamento das emissões atmosféricas, tanto aquelas oriundas das máquinas e equipamentos portuários quanto as originadas pelos navios e caminhões, terrestre e operação portuária, o gerenciamento dos resíduos do transporte marítimo, terrestre, operação portuária e manutenções e o gerenciamento dos riscos operacionais referentes ao transporte marítimo, terrestre, operação portuária e manutenções. Essas estratégias se desdobraram em 35 atividades de fácil e rápida execução e, segundo a metodologia de gestão adaptativa, uma vez contempladas todas as atividades, existirá condições para a busca de novos procedimentos, em um processo cíclico de melhoria contínua.
Algumas são as dificuldades na gestão ambiental nos portos públicos brasileiros, dentre elas a falta de recursos humanos, técnicos e financeiros e o desconhecimento de metodologias que permitam a gestão eficiente e monitorada, com atendimento de metas e apresentação de indicadores. Pensando nisso, a metodologia proposta na tese se apresentou muito eficiente e poderá ser amplamente replicada em todas as instalações portuárias que necessitem de uma metodologia para promover uma gestão estratégica dos aspectos socioambientais. Obviamente, alguns portos já iniciaram os debates sobre a gestão ambiental portuária, sobretudo pela pressão dos dispositivos legais e da própria sociedade, mas a grande maioria não deu andamento a ações efetivas para reduzir os impactos ao meio ambiente e à saúde da população.
Portogente - Ainda nesse sentido, muitos dos principais portos brasileiros estão localizados em cidades densamente povoadas e com grande complexidade urbana. Como superar a ausência de planejamento e tornar a atividade portuária e a qualidade de vida nessas regiões compatíveis?
Vivian Fernanda Mendes Merola - Já existem inúmeras experiências exitosas ao redor do mundo, sobretudo na Europa e nos Estados Unidos, requalificando a relação porto-cidade. A questão do planejamento no Brasil é deficitária em todas as áreas. Nosso País não tem a cultura do planejamento estratégico e quando se trata das questões de sustentabilidade isso fica ainda mais evidente. Permanecemos na fase de privatizar os lucros e de socializar os impactos. Lentamente, isso tem se alterado, sobretudo, pelo arcabouço legal e normativo. Algumas empresas também começam a perceber que investir em ações de sustentabilidade socioambiental é a garantia de perpetuação de suas atividades no futuro. As próprias certificações e sistemas de gestão ambiental podem ser consideradas como fortes indutores de mudanças que promovam a sustentabilidade. Entretanto, a chave para a promoção da qualidade de vida das cidades portuárias depende da ampla participação dos atores envolvidos em processos de planejamento participativo, a exemplo do que ocorreu com a elaboração da Agenda Ambiental do Porto de Santos, desenvolvida pela Universidade Católica de Santos, Codesp e Cetesb.
Outro ponto fundamental para melhoria da relação porto-cidade reside na efetiva articulação da União, estados e municípios e dos poderes Executivo, Legislativo e Judiciário, pois muitas deliberações em ambientes portuários partem do Governo Federal, que tem a prerrogativa de ordenar o uso dos portos públicos no Brasil, por meio do Ministério dos Transportes e da Agência Nacional de Transportes Aquaviários (Antaq). Situações recentes demonstram cabalmente essa desarticulação dos entes da Federação, pois muito do ordenamento de áreas portuárias vai na contramão das legislações de uso e ocupação do solo em municípios que abrigam esses portos. Fato que exemplifica essa desarticulação foi visto recentemente entre o município de Santos e a União em relação aos terminais de granéis sólidos na Ponta da Praia, atividade que interfere na qualidade do ar da região e que foi objeto de litígio judicial entre a União e o Município que, a partir de uma alteração na legislação municipal, proibia esse tipo de atividade naquela área. A mediação e a negociação são ferramentas eficazes para o planejamento ambiental sustentável e alongo prazo.
Portogente - Você faz parte de alguns espaços de trabalho, gestão, avaliação e manejo de situações de emergências ambientais. Nesse sentido, quais os principais desafios que você observa na construção e efetivação de políticas de proteção e manejo ambiental?
Vivian Fernanda Mendes Merola - Atualmente represento a Universidade Católica de Santos em muitos espaços de trabalho e, em muitos desses ambientes, discutimos sobre prevenção e planejamento dos temas ambientais que terão como resultado significativos ganhos ambientais para a Região Metropolitana da Baixada Santista. Em especial, destaco a atuação do P2R2 que vem trabalhando na identificação de ações prioritárias para o gerenciamento e redução dos riscos intrínsecos ao transporte e armazenagem de produtos químicos perigosos. É importante destacar que esse grupo é formado por profissionais das empresas da região e também do Porto de Santos, de órgãos como Corpo de Bombeiros, Defesa Civil, Secretaria Municipal de Meio Ambiente, de especialistas e técnicos da área de meio ambiente e segurança. O Grupo Técnico da Vertente Litorânea do Comitê de Bacia Hidrográfica da Baixada Santista desenvolve um importante trabalho focado na gestão e planejamento dos recursos hídricos e dedica-se a buscar mecanismos para garantir a disponibilidade hídrica de qualidade à população. Todos esses esforços convergem para a melhoria da qualidade de vida das pessoas, entendendo que tal melhoria só acontecerá com a promoção plena da sustentabilidade, que harmoniza e melhora os aspectos ambientais, sociais e econômicos.