João Paulo Vani é Presidente da Academia Brasileira de Escritores, Aluno de doutorado do Programa de Pós-graduação em Letras da Unesp/SJRio Preto e atualmente pesquisador visitante na University of Louisville, nos Estados Unidos
Caso um espectador externo decida analisar os últimos acontecimentos em nosso país, talvez a primeira impressão que tenha é a de que o brasileiro é um julgador: não importam as condicionais ou variáveis que envolvam os assuntos, por mais delicados que sejam, o brasileiro sempre parece ter a resposta pronta, na ponta da língua.
Dias atrás, a menina Maísa foi inserida em uma polêmica com o jovem Dudu Camargo, em um quadro apresentado por ninguém menos que Silvio Santos. Acreditar que o mundo das celebridades gira na mesma velocidade que o nosso mundo, de meros mortais, seria uma ingenuidade. Entretanto, deve-se considerar que os dois mundos, em tese, seguem as mesmas leis. Maísa, de apenas 15 anos, foi exposta ao ridículo nas sucessivas investidas para “dar bola” a Dudu. Se saiu bem, mostrou-se madura e colocou os dois, o jovem e o ‘patrão’, em seus devidos lugares. E foi julgada nas redes sociais.
Para quem não sabe, o Estatuto da Criança e do Adolescente em seu artigo 18o preconiza ser “dever de todos velar pela dignidade da criança e do adolescente, pondo-os a salvo de qualquer tratamento desumano, violento, aterrorizante, vexatório ou constrangedor”, e não abre exceções para casos em que a busca pela audiência ou por uns pontinhos a mais no Ibope se faz necessária.
Guy Debord, em “A Sociedade do Espetáculo” revela que o “espetáculo apresenta-se como algo grandioso, positivo, indiscutível e inacessível. Sua única mensagem é ‘o que aparece é bom, o que é bom aparece’”. E o autor continua, ao descrever o espetáculo como “um sol que não tem poente no império da passividade moderna”. E, assim, passivos e sem capacidade de discutir, temos aceitado que situações vexatórias como a de Maísa entrem em nossas casas e façam parte de nosso cotidiano pequeno, pois o “grandioso” está reservado às celebridades.
A semana avançou e, quando menos se espera, Fábio Assunção aparece em todas as timelines, transtornado, dentro de uma viatura policial. A acusação: desacato. A tragédia humana é triste e, quando a vítima é uma celebridade, a comoção se torna ainda maior. Não que o drama ou a dor da celebridade seja maior que a tragédia pessoal de um anônimo, mas a espetacularização de sua vida e de sua derrocada torna a trama mais chocante. Tão logo as imagens feitas em Arcoverde, no sertão do Pernambuco, alcançaram as redes sociais e os portais de notícias, o brasileiro julgador entrou em ação novamente e já foi logo sentenciando o ator: viciado, baderneiro, etc. Sim, Fábio Assunção foi mais uma celebridade condenada pelo tribunal virtual, e possivelmente pagará por seu crime desdobrando-se em explicações em programas de... celebridades. Eis o vicioso círculo da virtude midiática.
E, para encerrar a semana, mais um brasileiro julgador, agora anônimo, entra em cena, atropelando skatistas em plena luz do dia. Sim, um motorista a bordo de um Ford Eco Sport invadiu um evento que reunia cerca de 500 skatistas para celebrar o Dia Mundial do Skate e atropelou pelo menos cinco participantes, fugindo em seguida. O ato me fez lembrar de um outro atropelamento acontecido em Ribeirão Preto durantes as manifestações políticas de 2013, quando um manifestante morreu.
Será que o motorista da Augusta julgou que aqueles “vagabundos” não tinham o direito de estar ali, no domingo de manhã, celebrando uma paixão ou estilo de vida? Ou será que apenas avaliou que, por viver no país da impunidade, pode dar as cartas sem medo? Não cabe a mim julgar, mas espero, como cidadão, que o Ministério Público se manifeste.
A sociedade real, a do cotidiano ordinário – e não a do espetáculo – está cansada de casos assim, catalogados semanalmente, (des)honrosamente impunes no “país do futuro”.