“Debaixo do angu tem carne!”
[Dito popular]
Numa semana a Administração do Porto (Itajaí) suspende, temporariamente, os serviços de dragagem “para equilibrar contas”. Na outra o arrendatário (há apenas um; a experiente e global APM Terminals) demite uma leva de empregados pela perda de 4 linhas para um concorrente (a Portonave – Navegantes) – que representavam 50% de sua movimentação. Mais adiante, o arrendatáriodevolve uma área de 80.000 m2 e demite outra leva de empregados, pela perda de mais linhas. Em outro movimento a Administração do Porto eleva as tarifas (em 21%) para compensar as perdas de receita, decorrentes da redução da movimentação do (seu) arrendatário (um círculo vicioso ... para baixo!).
O que estará ocorrendo com o porto que foi um ícone das reformas portuárias dos anos 90? O que se passa com o TECONVI (hoje APT Terminals), arrendamento que se tornou um case em termos de eficiência operacional e gerencial, convivência capital-trabalho, relação ambiental e porto-cidade?
Métodos de investigação, na busca de explicações; de causas (por exemplo, o de “Detecção Analítica de Falhas – DAF”) recomendam que se procure identificar, em paralelo, o que é semelhante e o que é diferente entre elementos congêneres com comportamentos/desempenhos distintos: Dessa comparação é possível formular hipóteses explicativas... para os desvios; os problemas:
Itajaí e Navegantes são municípios contíguos, divididos, apenas, pelo canal portuário; como Santos e Guarujá em São Paulo (semelhança regional e cultural... entre outras!). Integram o que, na cultura da concorrência, se denomina “mercado relevante” (semelhança comercial). APT Terminals e Portonave estão um de frente para o outro; aquele um terminal arrendado, este um terminal de uso privado – TUP (diferença institucional e de enquadramento legal/normativo). Aquele trabalha com TPAs, compulsoriamente e com ternos pré-definidos (requisitando no OGMO); este por opção e segundo dimensionamento por ele especificado (diferença de gestão).
Aquele, após 4 anos, segue aguardando por uma autorização para investir e ampliar suas instalações (sem ainda ter conseguido); este, após um ano e meio, percorre todo o processo e inaugura sua expansão; aumentando a capacidade em 50% (diferença processual). Na verdade, não é apenas a APM Terminals que espera: Desde 2012 a Administração do Porto também aguarda autorização para arrendar uma outra área, contígua; ambos os arrendamentos submetidos, conjuntamente, a um processo de Manifestação de Interesse, público e formal.
Os dois projetos (Portonave e APM Terminals), importante registrar, visam adequar-se para atender a uma nova geração de navios, maior e de maior calado; e, com isso, poder concorrer com novos terminais vizinhos, particularmente Itapoá (próximo a São Francisco do Sul) – distante menos de 100 km (semelhança estratégica). O Porto de Itajaí e o TECONVI foi um case de sucesso dos anos 90; a Portonave está entre as “estrelas” desta década (semelhança de desempenho – defasada, porém, no tempo): Congratulações a ambos!
A proximidade e a afinidade possibilitam expurgar um vasto rol de causas exógenas; e focar-se a análise em questões objetivas. Assim, facilitar a identificação de causas e explicações:
Seriam os gestores da Portonave mais competentes que os da APM Terminals? Difícil imaginar! De qualquer forma, o ônus da prova é de quem acha que sim! Os sistemas e a tecnologia de gestão de igual forma!
Na média, a competência, individual, dos trabalhadores de um é maior que do outro? A ser provado! (Os contingentes; os quantitativos certamente o são!).
Seriam os dirigentes e técnicos da Administração Portuária de hoje menos competentes que os dos anos 90? A ser provado! Meu testemunho pessoal, tendo convivido e trabalhado com uns e outros, é que, tanto aqueles como estes, são igualmente competentes. Aliás, uma (boa) referência nacional!
Difícil descartar-se, então, a hipótese de que tamanha diferença de desempenho se explique pela diferença de balizas; de referencial; de modelo: Arrendamento X TUP.
Sub-hipóteses: Uso ou não de TPAs? Celeridade (desburocratização?) de processos. Diferenças dos padrões de fiscalização (quantidade de agentes e rigor)? Diferenças de autonomias?
Um caso particular ou, simplesmente, um modelo reduzido de uma questão nacional? Uma questão crucial a ser analisada e esclarecida!
O noticiário tem reportado esse quadro como uma disputa APM Terminals X Portonave; Itajaí X Navegantes.
Muito mais que isso!
“... cada contêiner que deixa de atracar significa uma perda de cerca de R$ 1,6 mil para toda a cadeia logística, desde o motorista do caminhão, passando pela armazenagem, até o próprio terminal”.
"Se não houver uma forma de dar mais rapidez às decisões dentro do porto público ele perderá competitividade e vai acabar morrendo, diz Antônio Ayres, superintendente do porto de Itajaí, autarquia municipal. O governo federal discorda da visão fatalista”.
E poder-se-ia acrescentar: Caso a APM Terminal desista/entregue o arrendamento, mantidas as atuais assimetrias, é garantido que, licitado, haverá empresa interessada no arrendamento? Se sim; em que condições? Iguais ou inferiores às atuais?
O que está em jogo em Itajaí, muito mais que uma disputa Itajaí X Navegantes, Portonave X APM Terminal, como um modelo reduzido do quadro e das dificuldades nacionais do setor, é a própria sustentabilidade do atual modelo portuário brasileiro – um modelo com traços esquizofrênicos importantes.
Ou essa redução (compulsória!) da competitividade dos portos públicos não terá consequências sobre o valor dos seus ativos (particularmente relevante quando se cogita alterar o modelo para “maior valor de outorga”)? Sobre o mercado de trabalho (particularmente relevante na atual conjuntura)?
Para o Brasil, ótimo que os TUPs estejam fazendo a sua parte!
Mas que seus desempenhos não precisem ser realçados por limitações impostas aos portos públicos e aos seus arrendamentos? O Brasil precisa também deles.