Está claro que os R$ 0,20 foram só a gota d’água e/ou a ponta do iceberg ... como passou a ser bordão das primeiras análises, após a surpresa inicial com as pulverizadas e massivas manifestações dos últimos dias.
É também evidente que só pela política (a velha e boa política... à qual já estávamos meio desacostumados!) será possível construir soluções de compromisso para o multifacetado quadro que os “gritos das ruas” trouxeram à tona... o que não significa que elas não devam se assentar sobre fundamentos objetivos, técnicos, se se quer que elas sejam consequentes e sustentáveis também no médio e longo prazo. Inclusive para que possam emergir e ser arroladas novas hipóteses/alternativas de solução, não vislumbradas inicialmente, a olho nu: isso sabem os governantes!
Foto: Lucas Lacaz/AgoraVale
Movimento começou na capital e se estendeu por cidades do interior
Os pleitos iniciais começam a ser atendidos. Inúmeras cidades já anunciaram a redução de suas tarifas em função de algumas desonerações tributárias. No início da noite de ontem, São Paulo e Rio, principais centros das manifestações, se incluíram nesse rol - indo além daquilo que previamente anunciaram como resultado daquelas desonerações. Os primeiros anúncios não deixaram claro mas, para tanto, muito provavelmente tais decisões passaram a contar com algum mecanismo adicional para financiamento do setor. O tema é complexo e merece algum detalhamento.
Nas milhares de cidades e regiões metropolitanas brasileiras há casos de tarifas quilométricas, zonais e únicas (por linha/trecho ou por tempo). Sistemas de arrecadação tarifaria privada (como numa típica e clássica concessão) e outros públicos. Algumas em que os poderes públicos aportam algum tipo de subsídios e outras não (fiel ao primado do “por-conta-e-risco” das concessões). Algumas com algum tipo de “câmara de compensação” (entre linhas e/ou áreas) e outras não. Algumas com sistemas de bilhetagem por papel, outros magnéticos, outros com “cartões inteligentes” (que possibilitaram integrações sem a necessidade, obrigatória, da existência de terminais físicos). Ou seja, múltiplas combinações são possíveis.
Quando a tarifa é definida por linha/trecho, a arrecadação é privada e inexiste subsídio (o que acontece na maioria – quantitativa - das cidades), independentemente do tipo de bilhetagem, as tarifas são definidas por planilhas derivadas das tradicionais introduzidas pelo GEIPOT (1, 2, 3).
São Paulo, o berço dos recentes movimentos, tem tarifa temporal, sistema de arrecadação pública, subsídios (pesados!), uma “câmara de compensação” implícita (a denominada “conta sistema”), “cartões inteligentes” (meio material/contratual do “bilhete único” - desde 2004) e alguns valores tarifários diferenciados (com desconto). Esse sistema, para aumentar a complexidade, abrange ônibus, metrô e trens metropolitanos (desde 2006). Daí porque muitas análises da “evolução tarifárias” (1, 2) induzem a erros, pois comparam “produtos” diferentes: Antes de 2004, valor de tarifa “por trecho”; atualmente até 4 viagens, dentro de 3 horas (incluindo metrô e trem)!
A melhor forma de expressar a “conta sistema”, é uma caixas d’água. Esta tem entradas (receitas tarifárias + receitas extra-tarifárias + compensações) e saídas (remunerações de concessionários + remunerações de permissionários + despesas de operações de terminais + de comercialização de bilhetes + de fiscalização).
A diferença entre entradas e saídas, normalmente deficitária, requer subsídios (bilionários!). E, estes, certamente, transparência (uma das mensagens subliminares das ruas) e novas fontes de financiamento (sendo a CIDE, aparentemente, a mais à mão) - temas do próximo artigo.