Quinta, 25 Abril 2024

Uma ao lado da outra, duas noticias, chamaram minha atenção pela distância cronológica nelas envolvida. Foram publicadas no jornal santista A Tribuna, em 18 de janeiro. A primeira se refere ao batelão Japuí, construído no ano 1900, e que apesar de 113 anos de existência continua em condições de uso – ao contrário de muita coisa de alta tecnologia que não dura três anos, como o pente de memória do meu computador

Imagem: Reprodução A Tribuna de Santos

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Leiloado, o batelão - contemporâneo ainda dos navios a vela - teve lances dados pela Internet (talvez usando um "telefone inteligente", videocâmeras e algum sistema de computação em nuvem) e registrados em computador, tecnologias que só surgiram poucos anos atrás. E, sinal dos tempos, o batelão - de uma era em que o fio do bigode valia como palavra de honra -, não foi vendido: o telecomprador não pagou...

Do lado dessa nota, o registro eufórico: "Termina a retirada do Ais Giorgis". Lembremos: ele se incendiou em 8 de janeiro de 1974, há 39 anos, durante operação de descarga de produtos químicos no porto de Santos. Para evitar que as chamas se propagassem a outros navios e aos armazéns do cais, o navio grego foi rebocado para o meio do estuário, onde ficou até 8 de julho de 1979, quando um vendaval o arrastou para nova posição. Semi-submerso perto do canal de navegação, quase causou outra tragédia dez anos depois, quando o navio-tanque Ipanema raspou em seus destroços.

Quando um navio é sinistrado em área de porto, compete aos donos (armadores ou seguradora) providenciarem sua remoção e conserto ou desmonte. Vencidos os prazos, o assunto passa à Marinha de Guerra, que pode leiloar os destroços. Se ainda assim o material não for retirado, passa à responsabilidade do porto.

Ilustração: Betto Cordeiro

Nesses 39 anos, o navio sinistrado até virou referência em cartas náuticas, passou por inúmeros leilões, retirou-se dele a parte lucrativa, ficaram os restos para que nós brasileiros paguemos a conta da remoção. De fato, afora tudo o que já pagamos e nem contando os prejuízos indiretos do sinistro, a etapa mais recente da remoção (iniciada em outubro de 2011) foi bancada por R$ 21,1 milhões do Programa de Aceleração do Crescimento (PAC), do governo federal. Nosso.

Em janeiro de 1993, eu comentava que "é mais fácil acabar com uma ditadura, mudar a Constituição, derrubar um presidente da República, alterar o sistema de governo, implantar planos econômicos, trocar várias vezes de moeda nacional", que remover esses destroços do porto santista. De Ernesto Geisel a Dilma Roussef, são nove presidentes da República vencidos pela burocracia que conseguiu empurrar um problema de armador e seguradoras para o bolso de todos nós.

Eu disse vencidos, não por acaso. A notícia que citei acima começa com uma informação limitadora do eufórico título: "Foi concluída ontem a retirada DA MAIORIA dos restos do navio...". Tudo o que estava além dos 15 metros de profundidade ficou para algum dia no futuro.

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