Em um dos depoimentos da parte central de “Os detetives selvagens” (Roberto Bolaño, 1998), o leitor acompanha desde Port Vendres (costa mediterrânea da França, junto à fronteira com a Espanha) Alain Lebert contar como conheceu Arturo Belano e Ulisses Lima, os protagonistas do livro, dois latino-americanos na diáspora pela Europa, “sudacas”, como escreve o autor, ele mesmo um chileno nascido em 1953 que passou o final da adolescência no México e perto dos 30 anos parte para a Europa e acaba residindo na Catalunha, Espanha, onde morre aos 50 anos.
No final dos anos 70, após o verão, Lebert passa a morar no barco de pesca em que trabalhava. Certa manhã, recebe a visita de Belano (alter ego do autor), que já conhecia por terem trabalhado juntos em algum emprego temporário. Quando começam a conversar, Belano percebe Ulisses Lima no quebra-mar. Amigos desde o México, os dois já não se viam há algum tempo pois Lima estendeu sua diáspora a Viena e Tel-Aviv. Lebert contou assim o reencontro:
Belano sorriu. Cacete, disse, é Ulisses Lima. Ficamos parados, esperando, até que ele chegou onde estávamos. Ulisses Lima era mais baixo do que Belano, porém mais corpulento. Assim como Belano, usava uma mochilinha pendurada nos ombros. Mal se viram, começaram a falar em espanhol, se bem que o cumprimento, a forma como se cumprimentaram, foi mais para o casual, sem ênfase. Disse a eles que iria ao bar do Raoul. Belano disse está bem, já, já vamos para lá, e eu os deixei ali, conversando.
Essa diáspora latino-americana entremeia a obra de Bolaño. Seus personagens (Belano aparece em dezenas de histórias) são latino-americanos errando pelo mundo: exilados das ditaduras, poetas de movimentos de vanguarda sem leitores, pequenos criminosos ou simplesmente jovens sem expectativa na terra natal, enfim, “detetives selvagens” em um busca infrutífera por uma geografia da diáspora que inclui também os Estados Unidos, Inglaterra, Itália e Alemanha, sem contar nosso Brasil e algumas incursões pela África.
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