Imagem: José Carlos Silvares
Tratando do filme “Santos – cidade passagem”, abordei como a autora, Gabriela Canale, usa a memória pessoal e o reportório de histórias familiares para compor um vídeo-ensaio de pouco mais de 4 minutos sobre Santos, porto de chegada de milhares de imigrantes italianos ao Brasil. Ao ir atrás do próprio sobrenome, a autora condensa uma miríade de trajetórias.
Nas classes em que tive aula durante a pesquisa sobre a literatura do Porto de Santos, foi comum conhecer colegas cujos objetos de investigação provinham da experiência individual, de identidade ou afetiva, assim como o meu caso, que morei dos 11 aos 22 anos tendo como horizonte na janela de casa as luzes amarelas dos armazéns da Avenida Senador Dantas.
Olha só as assinaturas dos textos do dossiê “Brasil – País de imigrantes”, publicado no nº 97 da revista História Viva, edição agora de outubro, sobre a chegada de italianos, portugueses, espanhóis, alemães, “turcos” e japoneses, escritos pelos doutores João Fábio Bertonha (História, Unicamp), Carlos André Silva de Moura (História, Unicamp), Marília Cánovas (História Social, USP), Ana Maria Dietrich (História Social, USP) e Samira Osman (História Social, USP) e pelo mestre (História Social, USP) Rogério Akiti Dezem, professor visitante de língua portuguesa e cultura brasileira na Universidade de Osaka, Japão.
Antes, uma nota: turco está entre aspas porque foi o nome com que no Brasil ficaram conhecidos os emigrados de uma série de povos árabes “ainda sob domínio do Império Turco-Otomano”, que concedia a permissão de partida para o Brasil, onde o turco pegou e, posteriormente, tomou “um sentido cada vez mais pejorativo e, muitas vezes, discriminatório”, conta Samira Osman.
Ligando sobrenomes a nacionalidades, torna-se claro o quão comum a experiência pessoal (inclusive a memória familiar) determina, ou ao menos, favorece, a escolha dos objetos de pesquisa.
Por outro lado, a subjetividade apenas não sustenta uma pesquisa científica: o título e a instituição de ensino de cada um dos pesquisadores estão acima para lembrar que, por mais que a trajetória familiar, ainda que remota, possa favorecer a escolha do tema, os textos da revista são frutos de trabalhos que respondem a metodologias científicas e de criação de conhecimento histórico.
Epílogo
Dos setes textos do dossiê, quatro, inclusive o de abertura, citam Santos como ponto de chegada ao Brasil, o que reafirma o papel de nosso porto como nó fundamental da inserção da economia e da sociedade brasileira no cenário internacional e cenário significante das histórias e trajetórias de vida de milhares de pessoas de todo o mundo que vieram para cá muitas vezes sem nunca ter visto uma foto do país em que morreriam, como diz o filme de Canale.