A Pinacoteca de Santos ficou falada nestes dias pelo roubo. Certo, mas coisas legais também foram feitas lá nos últimos dias. Pinacotequice é só o nome que dei para coisas que acontecem na Pinacoteca, só para brincar, afinal, isso é um ensaio, não uma operação.
Pinacotequice 1
No sábado passado (26), o poeta e ensaísta português Luis Serguilha esteve no Café Literário e falou sobre sua produção poética, “cósmica”, em que as palavras fluem, acontecem, sendo mais som que sentido, importando mais sua reverberação do que a narrativa. Para Serguilha, o que aconteceu foi uma “tragédia” quando Descartes escreveu “penso, logo existo” e o pensamento passou ao império do racionalismo. Isso se estende à crítica (e pode incluir aí o colunista): “dizer o que uma poesia quer dizer é a pior coisa que existe”. Se a poesia é feita de algo, lembrou Flávio Viegas Amoreira, que mediava o encontro, lembrando do prefácio de Embarcações (livro de Serguilha), é de “uma matéria instável como o mar”.
Uma pitada desta poética constata-se com a citação dos primeiros versos de Hangar 12, do livro KOA’E, que começa na página 76, aberta aleatoriamente:
O ébano aceso dos veleiros desdobra ironicamente
o bate-boca do gigantesco soporífero
onde o estirador dos jograis cinematográficos crepita
entre os arguiços azulinos
das campainhas eólicas
para decompor a pirâmide do balanço lúbrico
que irrompe no cós diáfano das lagartixas
Serguilha também falou sobre o desconhecimento a respeito das literaturas de um país pelo outro além dos quatro, cinco nomes aclamados de cada um; e assim também das diferenças culturais. Presenciamos todos uma delas, a dificuldade de certas pessoas (eu inclusive) com o sotaque do poeta, da cidade do Porto, muito rápido. Apesar do cuidado que ele demonstrou, tínhamos que redobrar a atenção para captar palavras. Mas o que era dificuldade para acompanhar a exposição tornou-se trunfo. Quando Serguilha passou a ler sua poesia pela “linha vibratória contínua” que é seu estilo, o estranhamento causado, por sua vez, propiciou a todos apreciar nossa língua cantada em outro acento, sotaque, como se fôssemos o outro. E somos o outro.
Clique aqui para ler a continuação deste artigo.