Terminei o texto da semana passada com a fotografia abaixo de Edu Marin, que faz parte da série Porto, Valongo e Mont-Serrat, publicada originalmente em formato jornal em 2005.
É bem interessante como a fotografia de Marin dialoga com a imagem abaixo, de outra origem, uma gravura do poeta Alberto Martins, da série que fez para ilustrar seu livro Cais, de 2002.
Mas acredito que as imagens de Edu Marin mantenham um diálogo ainda mais forte com a própria poesia de Alberto Martins. É só cotejar as fotos abaixo com o poema Da Ponta da Praia:
Da Ponta da Praia
Tão perto de tocar
o instante quase-já
de toda viagem;
no entanto, rente à praia
é tanto rente ao fundo
que só percebo
o espesso casco negro
brilhando à tona
um segundo. E depois?
Viagem houve de fato?
Ou tudo não passa
de um golpe
do acaso?
Mas –
e os casco?
É úmido. Está coberto
de cracas e a ferrugem
que rói as chapas
rói a carga
é visível
da Ponta da Praia
a olho nu.
Da calçada vejo
a quina de aço
– feito cunha –
na paisagem:
a Pouca Farinha
o forte em ruínas
o Góes... e por aí vai,
devorando a outra margem.
Boa viagem.
Epílogo
Escrevi uma vez sobre como os poemas de chegada ao Porto de Santos escritos por Pablo Neruda, Elizabeth Bishop e Blaise Cendrars mantêm a mesma estrutura narrativa, desde a aproximação ao Porto, passando pela sucessão de paisagens até a chegada ao cais, como se respondessem a um apelo narrativo sugerido pelo espaço portuário. Talvez a proximidade entre a obra de Marin e a de Martins também surja do fato de ambas responderem a este apelo dos cascos e das ferrugens no cais.
Referências
Alberto Martins. Cais. São Paulo: Editora 34, 2002.
Edu Marin. Porto, Valongo e Mont-Serrat, 2005.