Desde a segunda metade do século XIX até a década de 1930, o Brasil experimentou excelentes e pioneiras iniciativas na navegação de cabotagem e na indústria naval que, infelizmente, sucumbiram ante a políticas equivocadas e à conhecida burocracia nacional. Nos referimos a empresas como:
- Estabelecimento de Fundição e Estaleiros Ponta da Areia e companhias de navegação dentre as quais a Cia. de Navegação a Vapor do Amazonas, através da qual o Império Brasileiro conseguiu fortalecer sua presença no Amazonas, que estava ameaçada por interesses estrangeiros, de Irineu Evangelista de Souza, o Barão de Mauá;
- Companhia de Navegação Costeira, de Henrique Lage, armadora dos famosos navios "Ita" construídos em seu próprio estaleiro na Ilha do Viana, na Baía de Guanabara, e que chegou a superar o Lloyd Brasileiro nas operações de cabotagem;
- Sociedade Paulista de Navegação Matarazzo, fundada por Francisco Matarazzo foi a expansão dos negócios da família que, mesmo chegando a ser o maior grupo empresarial da América Latina, sucumbiu nos anos de 1980.
Navio Paulistano em registro de 1977 - Foto: Carlos (Magrão)/site Navios e Portos
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Criadas no mesmo período que empresas pares foram estabelecidas no mundo afora e que, hoje, são verdadeiros ícones do transporte marítimo mundial, aquelas brasileiras não resistiram à equivocada política de apoio às rodovias, à burocracia e, principalmente, aos interesses menos nobres defendidos por governantes em diferentes períodos. Não fosse isso, certamente o Brasil seria o berço, também, de grandes empresas de capital nacional com destaque na navegação mundial.
A cabotagem "moderna" brasileira foi organizada na esteira do desenvolvimento da indústria naval que se deu somente a partir da criação do Grupo Executivo da Indústria de Construção Naval (Geicon) em 1958, contemplada que foi dentro do Plano de Metas do Governo do presidente Juscelino Kubitschek. Competia ao Geicon estudar e aprovar os projetos para a instalação de estaleiros de construção naval no Brasil. Naquele momento, se firmaram as bases para a instalação, em território brasileiro, dos estaleiros Ishikawajima e Verolme, além do desenvolvimento de estaleiros como o Mauá, o Caneco e a EMAQ.
No ano de 1967 e mediante à reorganização da Comissão de Marinha Mercante, começaram a ser lançadas as medidas que possibilitaram o desenvolvimento da cabotagem, ganhando corpo efetivamente, a partir de 1969, com a criação da Superintendência Nacional da Marinha Mercante (Sunamam). A navegação, tanto de cabotagem como de longo curso, foi organizada através da Sunamam, que mantinha uma política de construção naval no País. Não é errado afirmar que a marinha mercante brasileira se desenvolveu baseada no fortalecimento do armador brasileiro sob o binômio "Crédito do FMM – Indústria Naval Nacional".
Ao longo do tempo, a cabotagem passou a ser oferecida por empresas como Casimiro Filho, CBTG, CCN, Chaval, Conan, Frota Amazônica, Frota Oceânica, H. Dantas, Mansur, Mercantil, Metalnave, Narsa, Navego, Netumar, Transnave e Tupinave, entre outras. Nesse período, os estaleiros brasileiros mantinham suas carreiras lotadas com novos navios em construção, fossem para os armadores nacionais, fossem para a exportação, tendo por sustentação os recursos provenientes do Fundo da Marinha Mercante.
Com base em dois programas de construção naval, o PCN I e o PCN II, o Brasil chegou a ser o segundo maior construtor mundial, perdendo apenas para o Japão,. A bandeira brasileira era vista nos portos de todo o mundo.
Com a crise financeira dos anos de 1970/1980, os recursos do Fundo da Marinha Mercante foram contingenciados. Os armadores, principalmente os da cabotagem, passaram a sofrer com a inflação, pois os valores de frete estabelecidos pelo Governo através das conhecidas FRECAB estavam sempre defasados e não eram suficientes para cobrir os custos da operação, que foi se acumulando em crescente prejuízo.
No início da década de 1990, como uma das medidas do novo Governo Collor, o Adicional de Frete para a Renovação da Marinha Mercante (AFRMM) foi substancialmente afetado, o que serviu para decretar a bancarrota de toda a indústria naval, uma vez que os estaleiros deixaram de contar com a fonte primária de recursos.
O mesmo aconteceu com as empresas de navegação, diante da abertura do mercado e desregulamentação da cabotagem. O resultado foi, praticamente, a extinção da marinha mercante brasileira e o sucateamento de toda a frota.
Mais de 30 empresas foram extintas e, as poucas remanescentes, sobreviveram ou porque foram vendidas a grandes grupos internacionais ou porque seu capital já pertencia a sócios com fortes ligações no exterior. Foi nesse cenário que o Congresso Nacional promulgou a Lei 9.432/97, marco legal do setor que, dentre outras finalidades, visa proteger a frota nacional da marinha mercante.
Ocorre que a Lei 9.432/97 entrou em vigor em um Brasil sem empresas de navegação realmente brasileiras, porque quebraram ou porque foram vendidas para grupos estrangeiros, e sem navios brasileiros, porque foram sucateados ou vendidos ao exterior.
Em 2001, foi criada a Agência Nacional de Transportes Aquaviários (Antaq) que, de acordo com o artigo 27, VIII da Lei 10.233/11, tem o dever de "promover estudos referentes à composição da frota mercante brasileira e à prática de afretamento de embarcações, para subsidiar as decisões governamentais quanto à política de apoio à indústria de construção naval e de afretamento de embarcações estrangeiras".
Não obstante, a cabotagem brasileira é explorada em um sistema cartelizado no qual menos de 10% das empresas, todas estrangeiras travestidas de brasileiras, detêm mais de 99% do mercado.
Abrahão J. Salomão é Presidente da Posidonia Shipping e Secretário para Assuntos de Transportes Marítimos da USUPORT-RJ – E-mail: Este endereço de email está sendo protegido de spambots. Você precisa do JavaScript ativado para vê-lo.