Editorial | Coluna Dia a Dia
Diante das tensões mundiais das últimas semanas, afetando bastante - e ameaçando afetar ainda mais - o comércio marítimo internacional e o tráfego de navios pelas principais rotas de longo curso, ousamos propor que sejam retomadas duas rotas clássicas, criadas “só” cinco séculos atrás.
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Com eventual inviabilização do canal de Suez, possibilidade ampliada nestes dias com as tensões (digamos assim) entre Israel e Irã e Iemen e Gaza e Cisjordânia e... etc., existe uma alternativa conhecida desde os tempos do navegador Bartolomeu Dias: a passagem pelo sul do continente africano, via Cabo das Tormentas.
Claro que será uma certa tormenta para o preço das cargas transportadas entre Ásia e Europa, e de fato esse custo já aumentou com o desvio de parte dos navios, mas o que é isso quando é preciso lidar com elevação de taxas de 50, 100 ou mais de 150%? Que são 30 dias extras de viagem, se o navio veloz fica depois parado por greves e problemas burocráticos nos portos? Fichinha, não é?
Principalmente para o Brasil, onde qualquer tarifa pode facilmente dobrar, sem qualquer motivo ou justificativa ou mesmo previsão legal, não é mesmo, dr. Osvaldo Agripino?
Aliás, o abuso recém-denunciado vem se somando a outras cobranças absurdas (algumas provadamente ilegais, como a manipulação do significado de fatos geradores para a imposição de tarifas semelhantes às proibidas). Fatos assim começam a justificar amplo inquérito legislativo e/ou judiciário...
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Os Estados Unidos querem reassumir o controle do canal do Panamá, na América Central, e problemas climáticos prejudicam o fundamental abastecimento desse canal com água doce. Fica então aberta a possibilidade desta travessia ser paralisada por tempo incerto.
Então, há outro caminho, bastante usado na década de 1980, inclusive por armadoras brasileiras (com rotas marítimas regulares entre Brasil, Argentina, Uruguai, Chile, Peru, Equador e Colômbia). Um acordo Brasil-Chile, de 1974, vigorou até 2020.
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Esse caminho foi testado mais de cinco séculos atrás por Fernão de Magalhães e passa por um trecho mais 'desagradável' de atravessar, no extremo sul da América do Sul (os turistas gostam e pagam bem por passeios marítimos na Patagônia, mesmo assim). Detalhe: a expedição também passou pelo Cabo das Tormentas. De quebra, provou que a Terra é redonda, embora alguns hoje contestem que ela assim seja...
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Alguns dirão que estas propostas representariam um retrocesso na civilização mundial. E confessemos que as propostas estão um tanto afinadas com o diapasão da ironia. Mas sabemos todos que, numa guerra, qualquer guerra, é preciso às vezes o general retroceder um pouco as tropas para reagrupá-las, reorganizar posições, proteger linhas de abastecimento e retraçar estratégias.
Nestas contas, precisamos também considerar que estamos em meio a uma guerra climática, com a Natureza revidando poderosamente aos ataques perpetrados pela espécie humana em todo o planeta.
Então, somados todos esses pressupostos, talvez se chegue à conclusão de que, pelo menos, seria de bom alvitre "lubrificar as engrenagens", ou seja, rever as alternativas e deixá-las preparadas para eventual uso. A navegação eólea em bases comerciais já voltou, as modernas caravelas levam café, granéis, conteineres... quem fez Suez e Panamá também deve ter engenho para ajustar o estreito de Magalhães... por que não voltar aos antigos mapas, nos seus modernissimos computadores?
No final - quem sabe? - o Cabo das Tormentas possa também ser chamado -efetivamente - de Cabo da Boa Esperança.
Mapa (circa 1754) com a viagem de Magalhães, pelo sul da América do Sul e da África. As caravelas já voltaram... 📸 Foto: divulgação