Quinta, 21 Novembro 2024

A observação é da deputada federal Rosana Valle que salienta que a privatização não é a prática adotada nos melhores e mais relevantes complexos portuários do mundo

Em seu primeiro mandato na Câmara Federal, a deputada Rosana Valle foi eleita, em 2018, com 106.100 votos, depois de 25 anos como repórter da afiliada da Rede Globo de Televisão na Baixada Santista, no litoral paulista, a TV Tribuna. A sua legenda é o Partido Socialista Brasileiro (PSB).

600 Rosana ValleDeputada Rosana Valle no Plenário da Câmara Federal. Crédito: Divulgação.

Nesta entrevista ao Portogente sobre a reforma dos portos nacionais, a parlamentar, nascida em Santos, onde está localizado o maior porto do Hemisfério Sul, faz suas observações sobre o setor a partir, também, das experiências que viveu como repórter ao visitar mais de 30 países e conhecer as administrações de portos da Espanha, França, Alemanha, Holanda, Bélgica e Estados Unidos.

Mostrando-se particularmente conhecedora do assunto, critica a perda de poder deliberativo dos conselhos de autoridade portuária (CAPs), em 2013, situação que a fez apresentar projeto de lei, na Câmara dos Deputados, restituindo o caráter deliberativo dos CAPs. Considera importante que reformas no setor sejam precedidas de um amplo debate envolvendo os diversos segmentos que atuam nas atividades portuárias, assim como qualquer processo de privatização, como os já anunciados em Vitória (ES), Santos e São Sebastião, ambos no litoral paulista.

Queremos agradecer a disponibilidade da deputada em participar do debate democrático e amplo, proposto pelo site, sobre o que os portos brasileiros precisam para se tornarem ainda mais competitivos, modernos e que tenham uma interface apaziguada com as cidades onde estão inseridos. Além disso, o Brasil passou da hora de ter um setor portuário pujante, autônomo com relação a interferências políticas ou que entrem em ações pouco republicanas. Os portos, como bem observa a professora e pesquisadora Flavia Nico Vasconcelos, precisam ser vistos além do caráter de negócios, porque eles estão inseridos dentro de um ecossistema que envolve desde pessoas, meio ambiente e, principalmente, esperanças de um bom desenvolvimento social e econômico.

Confira, a seguir, o posicionamento da deputada Rosana Valle sobre os portos que queremos e precisamos.

Portogente – Apesar de o Ministério da Infraestrutura reconhecer os méritos do modelo Landlord Port como a melhor prática internacional; o modelo, ao mesmo tempo, é visto com cautela pelo Minfra ao dizer que "analisando a fundo a experiência brasileira de aplicação do citado modelo, verifica-se o descumprimento de premissas que foram cruciais para o sucesso dos portos europeus". Considerando a reforma portuária como a adoção de um novo modelo de administração portuária mais produtiva, em portos de operações privatizadas, como a senhora vê o modelo landlord?
Rosana Valle – Ainda que o novo marco regulatório do setor (Lei nº 12.815/2013) tenha de certa forma normatizado a modalidade do Terminal Portuário de Uso Privativo (TUP), instalação não considerada no âmbito do porto público e explorada pela iniciativa privada, tais como o Porto do Açu, no norte fluminense, e o Porto de Pecém, no Ceará, que são exemplos de absoluto sucesso desse modelo, entendo que a parceria público-privada estabelecida pela extinta Lei de Modernização dos Portos (8.630/1993) prevista no modelo, continua sendo um referencial para o sistema portuário nacional.

Ao longo da minha carreira como jornalista visitei alguns dos principais portos do mundo e pude constatar a eficiência do modelo "Landlord" praticado nos complexos de Barcelona e Valência (Espanha); Hamburgo (Alemanha); Antuérpia (Bélgica); Roterdã (Holanda); Le Havre e Marseille (França); Los Angeles e Houston (EUA), cada qual com pequenas diferenciações nesse método de gestão em razão de suas características.

Se considerarmos que em 1993, no ano em que a Lei de Modernização dos Portos foi lançada, ou seja, há 27 anos, o Porto de Santos movimentou cerca de 23 milhões de toneladas, e no ano passado registrou a movimentação recorde de 134 milhões de toneladas, um aumento de 482,61%, não resta dúvida que o modelo Landlord adotado desde então continua sendo o ideal, embora precise de alguns ajustes.

A privatização das operações portuárias é uma realidade desde 1993. O Banco Mundial recomenda o modelo lord e não a administração privada. Qual a sua posição sobre descentralizar a administração pública e regulação dos portos alinhada ao negócio portuário, restaurando o papel deliberativo dos Conselhos de Autoridade Portuária, e com concessão dos serviços de dragagem à iniciativa privada?
Considerando que a privatização não é a prática adotada nos melhores e mais relevantes complexos portuários que interagem na cadeia logística mundial da navegação comercial, entendo que esse aperfeiçoamento na parceria público-privada deva buscar um modelo descentralizado de gestão portuária pública, com processos decisórios, sobretudo os majoritários de interesses comuns, liderada pela sociedade local.

A nova Lei dos Portos trouxe avanços, porém um grande e inexplicável retrocesso, que foi a retirada do poder deliberativ o do Conselho de Autoridade Portuária (CAP). Objetivando reparar esse equívoco, em junho do ano passado apresentei o Projeto de Lei nº 3.564/2019 requerendo o resgate do caráter decisório do importante colegiado que, mesmo diante do histórico de relevantes serviços prestados à questão portuária ao longo de seus 20 anos de efetiva atuação, pautado por absoluta competência sobre estudos, projetos e tomada de decisões, foi transformado pela presidente Dilma Rousseff em órgão meramente consultivo. A propositura está tramitando.

Sobre a dragagem, sempre envolvida em polêmicas e disputas judiciais sem fim, já tivemos casos em que os navios não puderam deixar o Porto de Santos ou até mesmo precisaram rever seus carregamentos inicialmente projetados pela falta de calado. No sentido contrário, pelo mesmo problema, os grandes navios também não adentram ao canal do nosso porto que, com apenas 14 ou 15 metros de calado em média, ainda está longe de receber os chamados navios "New Panamax" que transportam 14 mil contêineres. Até hoje, o máximo que conseguimos aqui foi receber um navio com 9 mil unidades, ou seja, ainda estamos anos-luz atrás dos principais centros portuários do mundo.

Dessa forma, entendo que a profundidade do canal do porto é muito mais importante do que o próprio serviço de dragagem, porém, infelizmente, continuamos a discutir e precificar os contratos do serviço pautados na quantidade do material dragado, e não na profundidade alcançada, objetivando a navegabilidade do canal do porto pelas grandes embarcações. Com a participação de todos os operadores portuários ativos, arrendatários ou não, vejo a criação de um modelo condominial de gestão, pautado em critérios técnicos de utilização do canal, como a melhor saída.

O sucesso da Lei 8.630/93, que privatizou as operações portuárias, foi o amplo debate com as comunidades portuárias – envolvendo de empresários, governos e representações sindicais de trabalhadores. É um caminho que deve ser adotado hoje também sobre a questão, por exemplo, no que se refere ao Porto de Santos?
O Governo Federal anunciou, no ano passado, um pacote com diversas empresas que serão privatizadas, entre elas a Codesp [Companhia Docas do Estado de São Paulo], estatal portuária que administra o Porto de Santos. Na qualidade de presidente da Frente Parlamentar para o Porto de Santos, defendo que a pauta precisa ser amplamente discutida com as classes empresarial e laboral, com o poder público local e com a sociedade em geral.

Embora defenda o modelo de parceria público-privada, não me coloco contra a privatização, desde que ela seja benéfica para o setor e para todos os interlocutores que fazem parte da cadeia logística produtiva portuária. Todavia, a desestatização do Porto precisa ser precedida de um grande debate sobre diversos temas, com destaque os que tratam dos modelos de gestão, descentralização, profissionalização com total despolitização da gestão.

Não podemos nos esquecer de que, nos termos da Constituição, a privatização das empresas estatais precisa ter o aval do Congresso Nacional, cuja obrigatoriedade implicará, naturalmente, em muita discussão no âmbito do parlamento, além das bases locais. O debate à luz das ideias é sempre salutar.

Essencial à competitividade do produto brasileiro no comércio internacional, como a reforma dos portos está sendo tratada no âmbito do Parlamento em que a senhora atua?
O projeto do Governo, anunciado em outubro do ano passado pelo Ministério da Infraestrutura, prevê a privatização dos portos de Vitória, Santos e São Sebastião, além de 14 arrendamentos de terminais, alguns já consolidados, bem como autorizações de investimentos, hidrovias etc..

Considerando que as privatizações ainda se encontram em fase embrionária, haja vista que o próprio Ministério da Infraestrutura acaba de contratar o BNDES [Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social] objetivando viabilizar estudos voltados para a desestatização da Autoridade Portuária de Santos, as discussões sobre a pauta no âmbito da Câmara também se encontram em compasso de espera, até porque precisamos efetivamente saber de que forma o Governo pretende consolidar as privatizações.

Certamente vamos fomentar o debate não apenas no âmbito do Parlamento, bem como com os agentes interlocutores quando os estudos e as propostas do Executivo chegarem ao nosso conhecimento. Embora não exista o que poderíamos chamar, no Senado ou na Câmara, de uma "bancada portuária", certamente as privatizações dos três portos levarão os parlamentares a se familiarizarem com a questão.

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