Quinta, 21 Novembro 2024

Milton Lourenço é presidente da Fiorde Logística Internacional

Embora por força das circunstâncias Santos tenha sido erigido informalmente a hub port (porto concentrador de cargas), sabe-se que, em razão de suas características geofísicas, nunca haverá de atingir esse patamar, exceto se, algum dia, vier a dispor de uma plataforma offshore (afastada da costa), que permita a entrada de megacargueiros.

Hoje, a profundidade média do estuário é estimada em 15 metros, o que permitiria a entrada, sob alguns riscos, de porta-contêineres com capacidade de apenas 10 mil TEUs (unidade equivalente a um contêiner de 20 pés) e graneleiros de 80 mil toneladas. Mas, a rigor, o calado operacional (fundura máxima que as embarcações podem atingir quando totalmente carregadas) do porto é 13,2 metros, o que tem obrigado as autoridades portuária e marítima a restringir a navegação para navios com até 12,3 metros de calado.

Desde quando foi instituído como porto organizado, Santos sempre dependeu de regular trabalho de dragagem, que tem por objetivo recolher os materiais sedimentares que se acumulam no fundo do canal e reduzem a sua profundidade, o que acaba por comprometer a navegação de navios de maior porte. A princípio, esse trabalho era executado pela antiga concessionária Companhia Docas de Santos (CDS) com seus batelões e cisternas, mas, já ao tempo de sua sucessora, a Companhia Docas do Estado de São Paulo (Codesp), o serviço passou a ser transferido para o setor privado por meio de licitação.

Como o serviço de dragagem equivale, a grosso modo, a encher um saco sem fundo, ou seja, em pouco tempo, seus efeitos desapareceram porque a própria natureza favorece o depósito contínuo de sedimentos no leito do canal do estuário, praticamente, não há como mensurar os seus benefícios. E, provavelmente, não passaria de um sonho de verão imaginar que seria possível aprofundar o canal de acesso para 16 metros, o que permitiria a entrada de navios da nova geração, como apontou recente estudo preparado por técnicos da Universidade de São Paulo (USP), a pedido da Codesp.

Sabe-se que os custos para a realização desse trabalho de dragagem ficariam ao redor de R$ 1,6 bilhão, mas permitiriam até 2030 ganhos equivalentes a R$ 5,6 bilhões. Obviamente, nada garante que essa previsão virá a ser confirmada. Até porque o que se tem visto até aqui é muita indefinição por parte do poder público, o que inclui as complicações jurídicas.

Como se sabe, no início de fevereiro, o Tribunal Regional Federal da 1ª Região (TRF-1ª) determinou a revogação do pedido da empresa EEL Infraestruturas para reiniciar o trabalho de dragagem. O Ministério dos Transportes já anunciou que o consórcio formado pelas empresas Boskalis do Brasil e Van Oord Operações Marítimas, segundo colocado na licitação feita em julho de 2015 pela extinta Secretaria de Portos (SEP), deve iniciar as obras de dragagem no início do próximo semestre. Mas a pendenga deve continuar porque a EEL Infraestruturas promete recorrer mais uma vez à Justiça.

Não bastasse isso, há ainda a proposta de formação de um consórcio de usuários do porto de Santos para assumir a execução do serviço de dragagem. Esse consórcio, que contaria com o apoio do Ministério dos Transportes, seria formado por arrendatários, operadores portuários, terminais privados, pela Associação Comercial de Santos e pela própria Codesp. De antemão, porém, conclui-se que a um consórcio formado por tantas associações faltaria experiência e competência técnica. E que, portanto, o consórcio, fatalmente, acabaria por transferir para o setor privado a responsabilidade pelos serviços. Quer dizer: aparentemente, vem por aí mais indefinição.

Melhor seria que a uma empresa estrangeira fosse concedida a construção e futura operação da plataforma offshore e o canal do estuário continuasse a receber os navios adequados a sua profundidade natural. E que a Codesp continuasse a fazer o serviço de dragagem por conta própria, como antigamente.

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