Aristides Inácio da Silva trabalhou no Porto de Santos durante mais de duas décadas. De origem pernambucana, ele seria somente mais um esquecido trabalhador que carregou sacas de café pelos armazéns do Cais caso um dos seus filhos – calcula-se que Aristides deixou mais de 25 espalhados pelo país – não se tornasse uma figura ilustre no meio sindical e político do Brasil. Aristides morreu em 1978 e foi enterrado como indigente, em Vicente de Carvalho.
O presidente Luiz Inácio Lula da Silva já afirmou por diversas vezes que seu pai era um trabalhador honesto, mas o alcoolismo jamais permitiu que dedicasse aos filhos e às mulheres o carinho e respeito que mereciam. Por isso, Aristides sobrevive como figura incômoda, um progenitor de poucas boas lembranças na memória de Lula e de seus irmãos.
Embora fosse sindicalizado e atuante, Aristides raramente é lembrado pelos estivadores que trabalharam na mesma época no porto santista, pois naqueles tempos não tinha o status de ‘pai do Presidente’. Mas seus trejeitos e características peculiares estão presentes na mente dos moradores mais antigos da Rua Minas Gerais, no bairro de Itapema, no Distrito de Vicente de Carvalho, em Guarujá (SP). Lá, no número 275, Aristides morou por muitos anos. A casa chegou a abrigar, também, o atual presidente, sua mãe e alguns de seus irmãos, antes de seguirem rumo ao ABC Paulista e a história da família Inácio da Silva se mesclar à história das lutas sindicais e do Partido dos Trabalhadores.
Captura da imagem: julho de 2017 - Fonte: Google Street View
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Aristides chegou à Baixada Santista em setembro de 1945, buscando uma vida financeira mais estável e deixando em Caetés, no sertão de Pernambuco, seus primeiros filhos e a esposa, Dona Eurídice, que estava grávida. Um mês depois ela deu a luz à Lula, que só chegaria no litoral paulista em 1952.
O pai de Lula era ensacador de café no Porto e exercia a profissão como avulso. No local de trabalho, fez amizade com o vizinho de rua e estivador Ari da Silva Souza. Ari trabalhou nas Docas, foi mestre-caldereiro e inventor de ferramentas de utilidade portuária, além de abrigar Aristides no porão de sua residência por quatro dias quando o amigo necessitou. Quem conta a história com nítida clareza é o filho de Ari, Pojucã da Silva Souza, 61 anos, que também trabalhou diretamente com o Porto e conviveu intimamente com Aristides.
Pojucã conta que o amigo de seu pai também foi seu colega. “Ele era um homem forte, alto e cumpria seu trabalho com eficácia, carregando várias sacas de café nos ombros. Como na época se ganhava por produção, Aristides trabalhava muito para sustentar os vários filhos e mulheres que tinha”, diz. Somente na Rua Minas Gerais, moravam duas famílias de Aristides. Em uma casa habitavam Dona Eurídice, Lula e seus demais irmãos, todos vindo de surpresa para a Baixada Santista, sem o pedido de Aristides. Outra residência abrigava Dona Mocinha, sua prima e ‘mulher’, que veio do Nordeste ainda na primeira ‘leva’, em 1945.
Aristides não era atencioso com os filhos. Embora faturasse respeitável salário exercendo a função de ensacador – “mais até do que a maioria dos estivadores”, ressalta Pojucã - tinha muitas despesas a pagar devido à quantidade exorbitante de filhos e mulheres que mantinha. Conta-se, na região, que ele era conhecido como “o homem das sete mulheres”. As crianças de Aristides andavam nuas pelo quintal, pois não havia condição de comprar roupas para todas. “Para ir ao mercado, os meninos colocavam uma camisa do pai para cobrir as partes íntimas”, lembra Pojucã. O ex-estivador, que continua residindo na Rua Minas Gerais, viajou por 63 países quando trabalhou pela empresa Loyd Brasileiro. Ele afirma que conseguiu seu primeiro emprego junto com Lula, na extinta Lavanderia e Tinturaria Iporanga, com sede no Itapema. Além disso, os dois vendiam água para complementar a renda.
Nas horas de folga, Pojucã tinha o hábito de caçar com o pai de Lula. Aristides era famoso na região como “O Caçador”, pela sua perspicácia na atividade e pela vontade que tinha de adentrar nas matas atrás de animais como antas, veados, tatus, cotias e porcos-do-mato. No fim de semana Aristides não trabalhava para poder caçar e se divertir. Além de lazer, a caça garantia alimentação para suas famílias, economia nas despesas domésticas, lucro com a venda para conhecidos e prestígio no Sindicato. “O Aristides sempre dava o produto de suas caças para os diretores do Sindicato. Dessa forma, ele nunca ficava sem trabalho, já que o próprio Sindicato era encarregado de escolher os trabalhadores que as empresas requisitavam”, destaca Pojucã.
Ele conta, ainda, que além de filhos, Aristides tinha muitos cães – mais de 20. O pai do atual presidente também se envolveu em algumas confusões em Vicente de Carvalho. Certa vez, recebeu 14 facadas após uma discussão e foi para o hospital em condições precárias. Sobreviveu, provavelmente, pelo seu preparo físico e força invejáveis. Ainda assim, Pojucã lembra que todos se conheciam na região e que a maioria mantinha relação de amizade uns com os outros, como seu pai Ari e o ensacador Aristides. Era comum a troca de produtos e a ajuda solidária quando havia necessidade em alguma família. “O salário de quem trabalhava no Porto não era tão alto assim. O que garantia boa condição financeira era a troca de comida, de produtos, além do fato de não se pagar água, luz e diversas taxas, como ocorre hoje”, afirma.
Desde que chegou à Baixada, Aristides sempre trabalhou no Porto, se aposentando na década de 70. Mudou-se da Rua Minas Gerais e perdeu o contato com os colegas, como Pojucã. Aristides bebia demais e com a inatividade começou a se embriagar mais constantemente. Morreu em 1978, devido ao alcoolismo, e foi sepultado como indigente no cemitério de Vicente de Carvalho. Nenhuma mulher ou ex-mulher que ficou sabendo do fato quis assumir a responsabilidade do corpo. Nenhum filho tentou tirá-lo da vala comum e conceder-lhe um túmulo. Tudo pelos maltratos aplicados por Aristides, sempre influenciado pelo álcool. Ainda assim, ele foi mais do que o pai do atual presidente da República. Ele construiu sua história na região, como lembra Pojucã: “Ele foi um ensacador competente, um dos melhores, mais fortes e mais conscientes da categoria na época”.