Saúde e bem estar é um dos 17 Objetivos de Desenvolvimento Sustentável elencados pela Organização das Nações Unidas (ONU) com o intuito de "transformar nosso mundo". No universo do trabalho, esses fatores juntam-se à segurança como pilares fundamentais para uma sociedade equilibrada e próspera. Afinal, acidentes e doenças do trabalho causam sofrimento, interrompem carreiras produtivas e consomem importantes recursos em tratamentos e assistência médica.
Para falar sobre o tema, o WebSummit Porto Sustentável convidou o doutor em engenharia pela Escola Politécnica da USP, Aureo Emanuel Pasqualeto Figueiredo, cuja tese de doutorado "Automação Portuária e Segurança do Trabalho", um estudo de caso realizado no Porto de Santos, no litoral paulista. A experiência de Aureo, que ainda é professor na Universidade Santa Cecília (Unisanta), no universo portuário é extensa, com início em abril de 1970, quando realizou trabalho de apoio à atividade de centenas de trabalhadores da conservação das linhas férreas do porto santista.
Na entrevista, ele ressalta um conceito destacado pela International Harbour Masters Association (IHMA), entidade que reúne gestores de indústrias e terminais portuários em todo o planeta: "o renome de um porto ou terminal está intrinsecamente ligado tanto à sua eficiência quanto aos seus registros de segurança, conceito geral afetado diretamente caso ocorram alterações significativas em recordes de segurança e, por extensão, em suas atividades”.
WebSummit Porto Sustentável - Como o senhor avalia a segurança do trabalho nos portos brasileiros?
Aureo Emanuel Pasqualeto Figueiredo - Se considerarmos a ocorrência de acidentes, a situação do Porto de Santos, por exemplo, melhorou muito. Basta lembrar que registros de 1974 indicavam que para 16 mil homens em trabalho no Porto ocorreram mais de sete mil acidentes. É uma situação absurda. Naquele ano se movimentou 20 milhões de toneladas no Porto. Se fizermos um exercício de simulação comparando produção e acidentes em 1974 e a movimentação atual, hoje teríamos mais de 40 mil acidentes. É um número impreciso, serve apenas para ilustrar. Mas indica que os acidentes foram reduzidos, seja pela alteração dos processos produtivos com grande automatização mas, principalmente, pela conscientização de trabalhadores, terminais e empresas, Ogmos, e Autoridade Portuárias. Ressalta o International Harbours Masters Association (IHMA) que “o renome de um porto ou terminal está intrinsecamente ligado tanto à sua eficiência quanto aos seus registros de segurança, conceito geral afetado diretamente caso ocorram alterações significativas em recordes de segurança, e, por extensão, em suas atividades”. E continua o IHMA, que “são importantes as características geográficas, climáticas, infraestrutura, mas o reconhecimento do porto como seguro é largamente dependente de seu registro e eficiência em segurança. A perda de eficiência e de segurança impacta a reputação do porto e, por extensão, seus negócios.
WebSummit Porto Sustentável - E quais são as perspectivas de futuro para o aperfeiçoamento da segurança do trabalho?
Aureo Figueiredo - Sempre temos muito a avançar. A busca por sistemas ultrasseguros como meio e visão de acidente zero como meta sugeria pela Organização Internacional do Trabalho (OIT). É um aprendizado, um caminho e nos inspira a mensagem de Guimarães Rosa de que: “viver é muito perigoso, porque ainda não se sabe. Porque o aprender a viver é que é o viver, mesmo (trecho do livro “Grandes Sertões, Veredas”).
WebSummit Porto Sustentável - Saindo do panorama portuário, como o senhor analisa o universo do trabalho como um todo?
Aureo Figueiredo - “Os dados da OIT indicam que morrem cerca de 6.300 pessoas por dia como resultado de lesões ou enfermidades relacionadas com o trabalho, que correspondem a mais de 2,3 milhões de mortes ao ano. A cada ano ocorrem cerca de 337 milhões de acidentes em locais de trabalho com afastamento prolongado das atividades.” Para refletir: morte de 6.300 pessoas por dia, 337 milhões de acidentes e doenças por ano. Os números da OIT em relação às ocorrências de acidentes de trabalho e doenças ocupacionais no mundo são expressivos e clamam por uma atenção mundial. São milhões de ocorrências com perdas de vidas e prejuízos econômicos que alcançam percentuais significativos do PIB mundial. No Brasil, os acidentes e doenças declarados rondam 700 mil ocorrências anuais, com perdas de milhares de vidas.
WebSummit Porto Sustentável - Como a sociedade percebe e reage aos acidentes?
Aureo Figueiredo - Prejuízos morais e sociais potencializam-se pela relação entre as fatalidades e sua percepção, tal como apresentada em IMO-FSA, que demonstra a aversão pública a acidentes quando afirma: “a sociedade em geral tem uma forte aversão a acidentes com múltiplas vítimas. Existe uma clara percepção que um único acidente com 1000 vítimas é pior que 1000 acidentes em que morre uma única pessoa”. Se, por um lado verifica-se a espetacularização de ocorrências mais graves, por outro se constata a vulgarização das menores, influindo no equilíbrio de sua análise e correção. Cada acidente tem uma importância única e deve ser evitado. É comum ouvir a frase “tal pessoa morreu num acidente”. Dizer que morreu é uma forma corrente de aproximar o assunto a uma fatalidade ou algo relativo a um destino inexorável. Se mais de 70 pessoas perdem a vida em um avião que caiu sem combustível, isso não foi nem será um acidente. Em inglês, a pessoa “is killed in a plane crash”, algo como “foi matada num acidente de avião”. Remete à sabedoria de João Cabral de Melo Neto, em sua obra “Morte e Vida Severina”, onde no enterro de uma “incelença” se questiona se foi uma morte morrida ou matada. Vernáculo, língua do povo, mas carregada de simbolismos e precisão.