Dois acontecimentos no âmbito portuário desaguam na Odebrecht, como dois rios correndo para o mar. Um foi a excepcionalidade que passou a gozar o terminal da Empresa Brasileira de Terminais Portuários (Embraport), da Odebrechet-Dubai Port, no Porto de Santos (SP), para movimentar carga de terceiros, a partir da Lei 12.815 de 5 de junho de 2013, chamada de Nova Lei dos Portos. O outro, foi o empenho e a contribuição para aprovação dessa lei pelo presidente da Federação das Indústrias do Estado de São Paulo (Fiesp), Paulo Skaf. Agora entendemos tamanho entusiasmo, não foi um pato, mas R$ 6 milhões, conforme consta em delação da Lava Jato.
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O forno de onde saiu essa lei, que também promoveu outros favorecimentos, como o da Libra Terminais, foi uma açodada seção da Câmara de Deputados, no limite da última badalada da meia noite, sob a presidência de Eduardo Cunha, hoje preso.
Por coincidência ou não, em 3 de julho de 2013, quase um mês após a aprovação da lei, o terminal da Odebrecht-Dubai Port iniciou suas operações com a chegada do primeiro navio, o Mercosul Manaus. Já vigorando o conceito de área de porto organizado alterado, colocando o terminal fora dela e das suas obrigações inerentes, como de contratar mão de obra pelo Órgão Gestor de Mão de Obra (Ogmo), porém permitindo a livre movimentação de contêineres, que é a energia da competitividade nos portos organizados.
Simples assim: foi facilitada uma concorrência predatória, que desequilibra e prejudica a necessária produtividade do negócio portuário que deveria ser garantida pela agência reguladora do setor, a Antaq. Sob a ótica da segurança nacional, a Dubai Port é uma empresa estrangeira e, por isso, não poderia estar em uma situação de privilégio tão sem crivo, como foi estabelecida ao terminal da Embraport em um processo de muitas incertezas, como é o caso da poligonal do porto, transferida à la carte e prejudicando o negócio portuário, ao colocar os demais terminais investidores do porto organizado em desvantagem operacional.
Dimensões geográficas vêm demonstrando ao longo do tempo, com lógica e clareza, que quanto mais proativas são as autoridades portuárias, mais elas ampliam seus limites de atuação e aumentam a eficiência sistêmica. Diferente do laissez-faire, como bem caracterizou o espírito de libera geral da seção da Câmara, para satisfazer o apetite daqueles que querem capturar os (nossos) portos.
Assim, a Lei 12.815/2013, anunciada como grande abertura dos portos e ainda com idade de incubação na visão de “lei boa é lei velha”, hoje já se mostra inadequada para esses clientelistas organizados que, ao influenciar a regulação concorrencial do acesso aos ativos de infraestrutura, embaraçam a exploração economicamente viável da atividade portuária e geram injustiças.
Mas ainda que persistam as tautologias ardilosas e visões oportunistas a taxar os portos como mazelas e gargalos - geralmente causados pelos interesses que defendem -, portos são importantes instituições econômicas, por si só. Do ponto de vista da navegação, os portos são facilidades ubíquas e os navios são livres para escolher um ou outro, dentro do jogo competitivo. E do ponto de vista dos portos, eles são fortes quando têm uma posição exclusiva e, mais ou menos, quando são portos de escala, como ocorre no Porto de Santos.
Ao se aviltar o papel de uma logística integrada, também se prejudica o sucesso do porto organizado em ser ativo globalmente e capaz de atender às demandas de sua comunidade. E prejudica a sociedade.
Indubitável que, diante de um complexo processo político de tomada de decisão favorecendo a Embraport, concluído de modo expedito e sem um debate amplo com a comunidade portuária prejudicada , convém esclarecer, para que não paire dúvida, que os R$ 6 milhões da Odebrecht para Paulo Skaf, defensor empolgado da Nova Lei dos Portos, passaram longe do Porto de Santos.