Nessa parte da entrevista, o professor e pesquisador Carlos Andrés Hernández fala sobre a importância da microeconomia e as comunidades locais para o desenvolvimento do País e da América Latina, salientando o Corredor Bioceânico, engavetado pelos governantes do Brasil desde 2012.
Porto Valparaíso, no Chile. Crédito: Arquivo pessoal.
Agradecemos muito essa troca de experiência, que trouxe muitos elementos importantes para a reflexão e a prática das/os leitoras/es do Portogente, que cumpre seu compromisso com um jornalismo de qualidade, de modo a levar informação e conhecimento para a comunidade portuária, operadores, gestores/as públicas, acadêmicos/as e munícipes.
As entrevistas
* Hinterlândia: elemento importante à sustentabilidade das atividades portuárias
* Mesas de diálogo como instrumento de gestão pública dos portos
Sobre o momento desafiador em relação à saúde do planeta Terra, o risco em que vive a humanidade diante da pandemia, que desafios sanitários você vê para o setor portuário e dos fazedores de políticas públicas? Qual é o papel da universidade nesse processo?
Está evidenciado que precisamos, de maneira efetiva, de controle e ações de combate epidemiológico. Em que sentido? Existe uma preocupação no Brasil de como a Covid está impactando alguns territórios. E a discussão está sendo número de mortos, a carência da rede pública hospitalar, a falta de política pública local. Mas no Brasil temos uma vantagem em relação à América Latina: não temos terremotos, tsunami, nem terremotos silenciosos como ocorre no Equador e Bolívia, ou tufões. Isso é um impacto geográfico.
O porto se vê na necessidade de reinventar a situação sanitária dele. Por exemplo, em março último, tinha o programa de limpeza e controle que acontecia no Porto de Valparaíso [no Chile], com os números menores da Covid; enquanto que nos portos brasileiros não tinham nenhuma medida, visto o que aconteceu em Santos e na região Nordeste, com o não recebimento de um transatlântico. Nossas áreas de quarentena de uma embarcação precisam estar mapeadas e dar suporte efetivo às embarcações.
A segunda coisa é o modelo de embarcação, e não apenas o modelo turístico, precisa ser reinventado, precisa pensar áreas de quarentena, áreas de isolamento dentro de uma embarcação para o caso de uma outra pandemia. Repensar o desenho de como ocupar uma embarcação turística. Por outro lado, uma embarcação de contêineres, pequena, com capacidade para cinco mil, se nas suas origens não tiver um controle efetivo de rastreamento, como acontece nos grandes portos internacionais, se não tiver manutenção, limpeza, sanitariedade, não será possível conter uma pandemia dentro de um porto. Significa que é preciso ter um outro tipo de agente presente no porto, não prevenindo, mas para prevenir a prevenção. Sistemas de manutenção e fiscalização, de olhar para o ambiente e saber onde está propício para um contaminante. Se tiver isso como base, consigo prever uma política nacional efetiva para isso, como as áreas de fundeio, frente-mar, que são as áreas de paragem das grandes embarcações, naquele momento é importante a devida a fiscalização, que precisa ser mais efetiva do que simplesmente a paragem.
Hoje em dia a embarcação atraca simplesmente, não tem uma área ou uma zona de quarentena. Exemplo de que nós não aprendemos é que em 1918 a gripe espanhola chegou ao Brasil pelos portos, e não aprendemos a lição naquele momento de que precisamos de zonas de quarentena, que não é simplesmente eu ter uma zona portuária e deixar isolado. É preciso equipamentos, processo médico, agentes de saúde atuando, preparados para isso. Há uma oportunidade de reinventar o que são essas áreas de ocupação do porto é uma das maneiras futuras de pensar como serão 10-15 mais, essas novas zonas. Analisemos uma embarcação de turismo – 5 mil pessoas – chegando numa zona portuária como Santos. Em duas horas saem mais 5 mil pessoas. Um contaminante naquela região, sem o controla devido, em questões de horas causará várias situações nos territórios contaminados. O que espero para o futuro desses portos é que nessas mesas de diálogos, necessárias entre agentes públicos, portos e cidades, sejam mais atuantes e que sejam orientadas e fomentadas por núcleos de pesquisas. Em determinado momento a sociedade civil tinha a academia para dar suporte, mas essa se perdeu em produzir números, ao invés de efetivamente soluções para o cidadão, e acho que ai está nossa responsabilidade social.
Na sua perspectiva, quais são os desenhos para o futuro, e outras possibilidades para o Brasil, o teu trabalho na Costa do Pacífico. Qual a potencialidade para o Brasil de utilização dos portos da costa oeste latino-americana? O projeto do Corredor Bioceânico atenderia essa demanda?
O projeto do Corredor Bioceânico tem um tratado assinado desde 2007 entre Brasil, Chile e Peru, depois ele é reformulado para o Mercosul (Peru, Bolívia, um trecho da Argentina e Brasil). Por conta nas mudanças na política brasileira em 2012-14 é novamente reformulado, e o Brasil tira um pouco o pé disso, entrando assim o Porto de Baia Blanca, ao sul da Argentina, que é um porto efetivo de produção, que se coloca em atravessar o pampa argentino e se conectar com o Porto de Iquique, ao norte do Chile, que é uma das três zonas francas.
O que vejo nesse processo é que todo investimento deve ocorrer em duas frentes: a conscientização da sociedade local (seja ela onde for) de que a ferrovia é uma possibilidade de geração de emprego, pois tudo passa pela geração de emprego. Também é preciso superar as controvérsias sobre os setores aonde ela venha a passar: há entraves em todas, seja a zona agrícola, o oeste paulista, o sul pelas regiões históricas. O que falta é um acordo social do quanto a ferrovia é importantíssima para o desenvolvimento nacional. Os nossos números em ferrovias são pequenos e muitas das nossas falências mercantis passam pela carência de ferrovias. Nos números na América do Norte, na Ásia, na Europa, revelam uma estrutura ferroviária interconectada entre países que tem uma dinâmica de transição de pessoas muito importante.
Interconectar esses dois pontos [Brasil-Pacífico] é uma possibilidade ímpar de uma troca de conhecimentos no sentido não só de grandes projetos urbanos. Mas apesar de uma ferrovia cortar o país, irá gerar entrepostos para criar pequenas zonas de desenvolvimento nacional com características próprias, com valores e produtos próprios e isso é de grande interesse. Mas ele só funciona se eu tiver pessoas qualificadas e preparadas num horizonte de 15, 20, 30 anos para que esse setor e essa estrutura nova possa funcionar muito bem. Que possa integrar não só os mercados com grande poder, mas com todas as escalas sociais possíveis de usufruírem desse processo.
O segundo ponto tem a vez com permitirmos - apesar de que o Brasil não anda tratando bem os chineses - mas quando a China em 2012 se coloca para promover e pagar toda a ferrovia, isso é importante, pois os chineses deixam de legado a infraestrutura por onde eles passam. E o aprendizado que temos e humildemente perceber que precisamos avançar tecnologicamente ouvindo e aprendendo com outras nações. Isso nos traz tecnologia, que para ser aplicada precisa de profissionais com altas qualificações para atender essa demanda.
E os portos do Pacífico, sem dúvida, olham para o Brasil como um potencial parceiro, mas o grande problema é que a rede comercial do Pacífico está estabelecida desde os anos 1990 com os “Tigres Asiáticos”, com o Nafta [Acordo de Livre Comércio da América do Norte], o livre comércio americano. O Chile não pertence ao Mercosul por causa do tipo de política. Então primeiro precisamos sanar as relações de vizinhança política para pensar nas interconexões de fato, que precisam ocorrer. Essas são as oportunidades de criar novos horizontes de desenvolvimento nacional, mas com o pequeno. Volto a insistir: é a soma dos pequenos, com estruturas fundiárias novas que irão gerar inovação, emprego, tecnologia e novas cadeias produtivas.