Domingo, 24 Novembro 2024

 

PERISCÓPIO Nº 211

 

Pontos-chave:

1) Contrariando “verdades” estabelecidas, a cabotagem vem exibindo taxas “chinesas” de crescimento no Brasil.

2) O Governo Federal anuncia plano para incentivar o setor.

3) Há estudo em marcha (JUL/2015) visando identificar gargalos e oportunidades. Também indicar caminhos.

4) Nos USA, coincidentemente, retomou-se acalorado debate sobre o “Jones Act”, de 1920 (que exige “conteúdo norte-americano” na sua cabotagem).


 

“Há qualquer coisa no ar
além dos aviões
da Panair...”.
[Guimarães Rosa]

 

Seria só desconhecimento? Falta de informação? Interesses sub-reptícios? Talvez um pouco de cada! O certo é que há “verdades” que se consolidam, que se tornam senso comum, que se convertem em bordões ainda que sem aderência aos dados/fatos; sem condições de resistir à mais superficial análise.

O abandono da cabotagem no Brasil (“de 8.000 km de costas”!) é uma dessas!

Granéis, líquidos e sólidos; petróleos & derivados e minérios, nunca deixaram de ser fregueses da cabotagem.

Na carga geral sim. Mas essa é uma realidade que, de há muito (mais de uma década!) experimentou importante inflexão; incluindo-se, aí, o transporte de contêineres:

Nos últimos anos, malgrado o patinar da economia, esse setor vem exibindo taxas “chinesas” de crescimento; da ordem de 20% ao ano -  17,1% para contêineres (01, 02, 03). Destaque para eletroeletrônicos, produtos de higiene e limpeza, e produtos químicos. As 3 empresas que atuam no setor (Aliança, Mercosul Line e Log-In), atendem cerca de 1.500 empresas; das quais 800 com embarques regulares.

Agora, “o Governo desenha um plano nacional de cabotagem para incentivar o setor” (02, 03).

Em tentativas anteriores, a implementação de planos congêneres esbarrou na baixa frequência dos navios (cotejado com o principal concorrente: o transporte rodoviário), falta de instalações adequadas nos portos e, principalmente, dificuldade para segregação das cargas nacionais (cabotagem) das nacionalizáveis (comércio exterior). Do conjunto, implicações sobre o tempo de liberação, limitação para a intermodalidade e sobre-custos (competitividade).

Aliás, fatores que foram ratificados em recente pesquisa realizada pelo Instituto ILOS (01, 02) e que, certamente, está sendo esmiuçado no diagnóstico coordenado pela SEP, com a participação de 5 outros Ministérios (Transportes, Planejamento, Fazenda, Desenvolvimento e Defesa); contando, também, com o apoio do Banco Mundial. Ele tem conclusão prevista para julho próximo.

Tema delicado nessa discussão é a natureza/condição societária para propriedade e/ou atuação nesse setor/mercado: Restrito a empresas nacionais? Ou possível de ser explorado por armadores internacionais (ou empresas de seus grupos econômicos)? Esse debate sempre volta à baila. Aliás, já voltou ... ainda que, por ora, restrito a rebocadores (autorizações concedidas pela ANTAQ para afretamento de 4 rebocadores de bandeira estrangeira -02).

Coincidente e curiosamente, esse debate foi retomado lá; nos USA – referência da livre iniciativa, do livre mercado e do capitalismo (01, 02, 03, 04, 05, 06): O Senador e ex-candidato presidencial John McCain vem de apresentar uma emenda para revogar o “Jones Act”; nome pelo qual tornou-se conhecido o “Merchant Marine Act”, em vigor desde 1920. Trata-se de longeva e rígida legislação que exige que todas as mercadorias transportadas entre portos norte-americanos sejam transportadas por navios construídos, pertencentes e operados por cidadãos norte-americanos.

Na fundamentação de sua proposta o Senador acusa aquele ato de ser “... uma lei antiquada, que tem impedido o livre comércio por muito tempo; fazendo a indústria norte-americana menos competitiva e aumentando os preços para seus consumidores". Citando uma pesquisa feita pelo Serviço de Pesquisas do Congresso, ele compara o custo do transporte de um barril de óleo cru, da Costa do Golfo para o Nordeste dos USA, feita por um navio-tanque norte-americano (US$ 6,00) com operação congênere para uma refinaria no Canadá (vizinha), feita por um de bandeira estrangeira (US$ 2,00 – um terço). E conclui, com ácida acusação, que isso é “tomar dinheiro diretamente dos bolsos dos consumidores norte-americanos”.

Na sua empreitada McCain é apoiado por refinarias de petróleo, indústria energética, diversos setores industriais, governos estaduais e uma tenaz bancada no parlamento.

Em contraposição, estaleiros, armadores, sindicatos, como a “American Maritime Partnership” e a poderosa AFL-CIO se opõe à emenda e, inclusive, fazem campanha pública contra (também pelas redes sociais e coletando assinaturas). Alegam que ela irá “...reduzir a capacidade de construção naval do País, terceirizá-la para construtores estrangeiros, e eliminar centenas de milhares de postos de trabalho de chefes de família em todo o país”; perdas quantificadas pelas entidades: 400.000 postos de trabalho, ao longo da cadeira produtiva; US$ 36 bilhões de PIB e R$ 24 bilhões de salários e benefícios.

Segurança nacional e defesa do território são argumentos também invocados pelas entidades; nesse caso com o apoio da Marinha dos USA.

No Congresso o debate tem sido intenso; tudo indicando que McCain terá que postergar seu objetivo.

Lá (USA) como aqui o debate é inconcluso. Transcende o ambiente portuário e de navegação; como também envolve variáveis que vão muito além do tecnológico e econômico.

Promete!

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