Na coluna anterior, comentei que a infraestrutura de transportes – rodovias, ferrovias, portos... – representam para um país o mesmo que os músculos para um atleta. E afirmei que, além de não ter músculos para competir no mercado internacional – continua patinando no rodapé das estatísticas internacionais -, o Brasil também não tem cérebro, para repensar seu posicionamento no mercado internacional.
É fato: o que o Brasil tem feito, efetivamente, para se ajustar às mudanças ocorridas na economia mundial, com a ascensão da China, por exemplo? E que tem feito para se adaptar à nova geografia – esta mesma, também mudando -, que já permite navios mercantes circularem pelo degelado mar Ártico? E para se adaptar aos novos temas ambientais que vão se impondo no comércio e nos transportes?
Estes são apenas alguns assuntos imediatamente identificáveis e passíveis de inclusão relativamente simples nos cenários futuros das empresas. Penso entretanto em mudanças mais profundas, de efeitos imprevisíveis, mas que precisam ser incluídos de alguma forma nos cálculos.
Imagem: ExactEarth
A rota de 2.800 milhas náuticas do Young Sheng, de Dalian a Rotterdam
Um exemplo: um navio que transporte 18 mil contêineres numa viagem pode levar a bordo carga suficiente para abastecer vários países de um determinado produto, por meses. Como fica a economia interna desses países, ante tal possibilidade? Como sobrevivem os mercados locais, ante a concorrência estrangeira, predatória em função das naturais economias de escala? E, se por qualquer motivo, esse navio não chega, como fica o desabastecimento?
Também não basta que os portos sejam eficientíssimos para operar com tais navios. Imagine 18 mil caminhões deixando o porto de Santos de uma só vez com a carga de um desses navios, mesmo que o porto conseguisse operá-lo. Imagine 18 mil caminhões esperando na Via Anchieta para entrar no porto, só para esse navio. E todos os impactos ambientais, mesmo que a logística seja viável (caminhão emite poluentes, farão rodízio por placas como na capital paulista)?
Outro exemplo: décadas atrás, era moda dizer-se que o Brasil estava fora das rotas marítimas internacionais, bastando isso para explicar a péssima performance de nosso comércio exterior, o Custo Brasil, a falta de navios e até a goleada contra a Seleção, se fosse necessário. Eu criticava a desculpa "geográfica", pois é a performance comercial que faz o Brasil atrair as rotas marítimas para seus portos, e a realidade apenas confirmou isso. A China fez isso, um país comunista ensinando aos brasileiros como fazer capitalismo...
Agora, o degelo no Ártico abre uma nova rota América do Norte/Ásia, "por cima" da Europa. Será a próxima desculpa do Brasil? Bem, o navio mercante chinês Yong Sheng já completou, dias atrás, sua histórica viagem de Dalian (China) para Rotterdam (Holanda), em 2.800 milhas náuticas via Ártico...?