A partir da próxima segunda-feira, dia 8 de abril, Portogente levará ao ar o espaço "Radar Usuport-RJ", criado com o objetivo de publicar textos e artigos relacionados às necessidades e desafios encontrados pelos usuários dos portos brasileiros. A administração das postagens ficará por conta de André de Seixas, diretor-presidente da Usuport-RJ e um grande entusiasta das causas de importadores e exportadores no País. "Estamos diante de mais de uma dezena de demandas que vão desde a modicidade de preços e tarifas nos portos e no transporte marítimo e questões de acessos aos portos do estado do Rio, passando pelas concessões de rodovias e ferrovias, incentivos à iniciativa privada e benefícios fiscais".
Segundo ele, é necessário adotar medidas para aumentar a competitividade dos produtos brasileiros que vão para o exterior e também daqueles que entram no País, sejam para serem reexportados, seja para o mercado interno.
Como forma de promover o espaço, André lembra que o Portogente é o site sobre o universo logístico-portuário mais acessado no Brasil e na América Latina. "Trata-se de oportunidade única de levarmos a voz da carga para o nosso mercado e para a sociedade. "Este espaço é um resgate das nossas raízes, pois a Associação nasceu a partir do site UPRJ (site dos Usuários dos Portos do Rio de Janeiro), um ambiente de protesto contra a falta de regulação do setor. Ou seja, o mundo digital está em nosso DNA e, certamente, pelas frentes de trabalho que temos hoje, poderemos levar aos leitores as melhores informações, sempre com foco no interesse público, que é a grande característica do nosso trabalho. A carga pede a vez e a voz!", complementa. Confira a seguir a entrevista completa com o diretor-presidente da entidade.
Portogente - Como a Associação, representando os usuários dos portos, avalia a regulação da navegação de longo curso no Brasil e a verticalização detectada no setor?
André de Seixas - Desde 2013, ainda em formato de comitê provisório, lutamos muito para que a Resolução Normativa nº 18/2017 da Antaq virasse realidade. Contribuímos muito para a norma, mas achamos que a Antaq ainda precisa evoluir na regulação dos armadores estrangeiros que exploram a nossa navegação de longo curso e isso inclui os agentes intermediários. A norma é muito para quem nada tinha, porém é pouco para que possamos dizer que estamos em um mercado realmente equilibrado. A questão é que a Agência regula o setor com foco nos prestadores de serviços e não nos usuários donos de cargas, que são os que realmente bancam e dão sentido a tudo. Temos a sensação que as agendas que a Antaq têm com os usuários são meramente protocolares, para "cumprir tabelas". Tememos que o jeito Antaq de cuidar dos usuários, com foco nos prestadores de serviços, contamine o Ministério da Infraestrutura, porque órgão está querendo fazer políticas para a navegação de cabotagem ouvindo entidades que representam interesses de empresas estrangeiras, travestidas de nacionais, investigadas pelas autoridades justamente por cartelizarem a cabotagem.
Temos que desenvolver a cabotagem com foco no usuário, atentos ao crescimento da nossa Marinha Mercante, da nossa construção naval, ou seja, do nosso País. De que adianta atender aos anseios dos armadores estrangeiros da cabotagem se os preços dos fretes não forem módicos? Quais as garantias que temos que os fretes vão cair para se encaixarem nas realidades das empresas embarcadoras do País, se os pleitos deles forem atendidos? Veja o caso da Resolução Normativa nº 01/2015 da Antaq, que colocou 80% da cabotagem para navios estrangeiros e 20% para os de bandeira nacional. Nesses moldes, será que o frete será definido no Brasil ou no exterior? E tem gente na Agência que chama isso de norma refinada.
Usamos sempre o exemplo da Praticagem: os armadores estrangeiros, incluindo os travestidos de nacionais, vivem reclamando que se trata de um serviço caro. Porém, quando perguntados quanto seria reduzido no frete se o preço da Praticagem fosse diminuído eles não sabem dizer e afirmam que o frete depende do mercado internacional. A Antaq, que se diz preparada para regular estes serviços, também não sabe nos dar esta resposta. Precisamos ter um norte nisso, porque é necessário pensar em reduções de custos e não em aumento de lucros e domínio da cadeia pelos armadores. Temos estudos nossos que nos mostram que o THC (terminal handling charge) cobrado pelos armadores estrangeiros impactam dez vezes mais os custos dos usuários do que a praticagem. E olha que não estamos tratando aqui de sobretaxas e sobre-estadias de contêineres, duas vergonhas que estão aí com a chancela da Antaq e que oneram ainda mais as empresas. Quanto à verticalização dos terminais de contêineres, entendemos que enfrentaremos muitas dificuldades pela frente, porque ainda não temos uma agência reguladora que regule de fato o setor, ao ponto proteger minimamente os usuários donos de cargas.
Atualmente, segundo o relatório do International Transport Forum (ITF), 60% do volume de contêineres transportados no mundo está nas mãos de quatro empresas, sendo considerado um oligopólio. E são justamente três destas empresas que vão verticalizar os serviços portuários no Brasil. Isso impactará sobremaneira nos custos dos usuários e, nos poucos lugares que temos concorrência, veremos tudo se derreter. Não vai se tratar de o usuário escolher o terminal portuário que se deseja, pois atualmente esta é uma escolha do armador. Será uma questão de o armador escolher o estado da Federação em que as cargas serão embarcadas e desembarcadas. É claro que escolhas serão por seus próprios terminais portuários. Aliás, isso já está acontecendo com um determinado serviço da Ásia, operado por um armador dinamarquês que possui parte de um terminal portuário em Santos. Há usuários deste serviço que, por conta da mudança de porto/estado, para cumprir seus contratos viram os custos logísticos aumentarem em mais de 50% e, neste bolo, está o aumento do frete internacional. Não há regulação alguma sobre as rotas de linhas regulares e sobre os consórcios entre armadores. Qual a segurança jurídica que uma empresa dona de carga tem em celebrar contratos se, do nada, o serviço de transporte que ela usava some do mapa?
Portogente - Qual o balanço que você faz dos 15 primeiros meses após a publicação da Resolução Normativa 18/2017 pela Antaq?
André de Seixas - A norma protegeu os usuários e alguns aspectos operacionais, mas foi omissa na questão dos custos, deixando os bolsos dos embarcadores totalmente desprotegidos. Não identificamos na norma metodologias para o acompanhamento dos preços dos fretes, de forma a garantir que não haja combinação de preços entre armadores estrangeiros. Não identificamos na norma controle sobre sobretaxas (valores extrafrete) que os armadores cobram livremente. Da mesma forma, a Agência se omitiu na regulação das sobreestadias de contêineres (demurrages e detentions), negando-se a enfrentar a natureza jurídica da cobrança. Os armadores cobram o que bem entendem, da forma que bem entendem e o quanto bem entendem, em um mercado extremamente concentrado. E ainda há os intermediários que colocam sobrepreços em dezenas de sobretaxas dos armadores, além de criarem as suas. Os intermediários também cobram sobrepreços nas sobreestadias de contêineres fazendo da cobrança uma verdadeira indústria que alimenta margens de lucros cada vez mais altas. A norma apenas será positiva, para os os usuários dos portos, quando tudo estiver dentro da regulação, respeitando as atividades das empresas prestadoras de serviços e usuárias donas de cargas. Nós não desejamos prejuízos a quem quer que seja. Desejamos equilíbrio, que é o que estamos longe de ter no mercado. O "Custo Antaq" ainda é o mais pesado para os usuários.
Navios atracados na margem esquerda do Porto de Santos - Foto: Bruno Merlin
Portogente - A Usuport-RJ mencionou que os armadores estrangeiros ajuizaram ação, na Justiça Federal de Brasilia, em face da Antaq, contra a Resolução Normativa 18/2017-Antaq. Como a Associação avalia esta medida?
André de Seixas - Um desrespeito total aos usuários donos de cargas do Brasil. Um desrespeito ao País e seus cidadãos, à nossa soberania comercial e às nossas autoridades, incluindo a Antaq. Estão interessados em ganhar dinheiro apenas, sem que exista contrapartida alguma. Honestamente, não dá para dizer que estas empresas, autoras desta ação, sejam parceiras de alguém. Temos muita fé de que eles não sairão vitoriosos deste processo vergonhoso. Por isso, a Usuport-RJ foi admitida como Amicus Curiae nesta ação. Fizemos questão de atuar, pois acreditamos muito no nosso trabalho e no trabalho do nosso advogado, dr. Osvaldo Agripino, cujo currículo e o nível de conhecimento sobre regulação dispensam comentários. Aqui é importante voltarmos à questão da navegação de cabotagem, que hoje é dominada por armadores estrangeiros travestidos de nacionais. Simplesmente, não há interesse no Brasil. A única coisa que importa a eles é lucro e, para isso, são capazes de atropelar todo mundo. Eles acham que o Brasil é terra de ninguém, um país de terceiro mundo que tem que seguir as regras deles. Infelizmente, constatamos que nossas autoridades contribuem muito para isso.
Portogente - De forma geral, além dos temas aqui já abordados, quais os principais pleitos da Usuport-RJ junto à esfera governamental? E o que precisa ser aperfeiçoado nos procedimentos dos exportadores e importadores que atuam no Brasil para aumentar a competitividade da nação no comércio internacional?
André de Seixas - A Usuport-RJ trabalha sobre diversos pleitos. Onde verificamos problemas e interesse público sendo agredido, a Associação atua. Atualmente, estamos diante de mais de uma dezena de demandas que vão desde a modicidade de preços e tarifas nos portos e no transporte marítimo e questões de acessos aos portos do estado do Rio, passando pelas concessões de rodovias e ferrovias, incentivos à iniciativa privada e benefícios fiscais. Estamos inseridos nas principais agendas locais e nacionais e nos principais fóruns de discussão. Temos que reduzir nossos custos logísticos e incentivar o multimodalismo por meio de políticas eficientes e isso passa, além das questões fiscais, de infraestrutura e de acessos terrestres e aquaviários aos nossos portos, por e regulação setorial eficiente, para que os usuários tenham serviços adequados. Ainda temos gargalos burocráticos nas aduanas, principalmente nos órgãos anuentes, não só os relacionados às normas, mas também em relação à estrutura de trabalho precária e quantitativo de pessoal para atender às demandas. Todas as frentes de trabalho em que a Associação está inserida apontam para gargalos que precisam ser quebrados para que os usuários donos de cargas possam realizar seus negócios com eficiência.
O Governo Federal precisa entender que todas as políticas que envolvem logística e comércio exterior devem ser direcionadas para a carga, para atenderem às necessidades de quem faz comércio. Tudo tem que girar em função da carga. É a carga que tem que apontar os problemas e receber soluções. Sem carga, não há nada. A carga é que alimenta toda a cadeia. Enfim, temos diversos diagnósticos, realizados por diversas entidades. Ficar repetindo seria chover no molhado. Agora é hora de partir para ação, tomando muito cuidado para que não sejamos contaminados por externalidades negativas que partem de grupos que não têm interesse no desenvolvimento do Brasil.