A Posidonia Shipping, empresa de navegação genuinamente nacional, passou a fazer parte da Associação dos Usuários dos Portos do Rio de Janeiro (Usuport-RJ). A entidade aposta que a nova associada trará mais conhecimento e elevará ainda mais o nível técnico das discussões acerca da defesa dos interesses dos usuários frente aos armadores transnacionais e na defesa da bandeira brasileira de navegação. Entre os desafios dos usuários está a regulação dos armadores estrangeiros de forma a obter mais equilíbrio de mercado, transparência e permitir condições leais de concorrência com as empresas brasileiras de navegação.
Abrahão Salomão, sócio da Posidonia, vê com preocupação a baixa quantidade de navios efetivamente brasileiros. Ele destaca que a empresa, que opera na cabotagem, é totalmente brasileira. Salomão lamenta que os grandes armadores anunciem investimentos vultosos, mas deixem de aportar recursos na indústria nacional. A atividade fez com que o Brasil na década de 1970 fosse um dos maiores construtores de navios de marinha mercante do mundo. “O Brasil perdeu o bonde para disputa no comércio internacional de contêineres, mas ainda dá tempo de entrar no páreo na movimentação de carga geral e a granel”, projeta.
Ele acrescenta que a Lei 10.233/2001, que criou a Agência Nacional de Transportes Aquaviários (Antaq), determina que a política de navegação seja voltada para o incremento da indústria naval. Salomão conta que a Posidonia acompanha o trabalho da Usuport-RJ desde o início e ressalta que a missão é importante porque toda sociedade sofre efeitos do trânsito de mercadorias. Ele compara o desafio assumido pela associação como uma “luta diária de Davi contra Golias”.
Salomão cita o caso da Maestra Navegação, que não sobreviveu no mercado devido à falta de apoio do governo para protegê-la. Ele diz que sem economia de escala é difícil competir com outras empresas. “Passamos a sofrer represália muito grande de nossos concorrentes. Não nos pautamos pelos custos do modal rodoviário. Construímos o preço a partir do nosso custo”, revela. Além disso, ele destaca a experiência dos sócios da Posidonia, que são filhos e netos de armadores.
O diretor-presidente da associação, André de Seixas, lamenta que a cabotagem seja dominada por navios estrangeiros, “travestidos com bandeira brasileira”. Ele observa que alunos da Escola de Formação de Oficiais da Marinha Mercante (EFOMM) não estão conseguindo embarcar em navios de bandeira brasileira. “Verdadeiramente empresas brasileiras de navegação estão sendo dizimadas e, junto com elas, nossa Marinha Mercante, que é umas das melhores do mundo”, diz.
Para a Usuport, um país sem Marinha Mercante não é um país soberano. “As empresas estrangeiras se aproveitam das vantagens que a falta de regulação da Antaq propiciam e entram pesado na cabotagem, arrasando as nacionais”, aponta. Seixas cita o parecer à Usuport do Joaquim Barbosa, ex-ministro do Supremo Tribunal Federal (STF), que destaca a falta de regulação das empresas estrangeiras trazendo prejuízos incomensuráveis às empresas nacionais.
Seixas destaca que os diálogos que vinham acontecendo com a Posidonia revelaram grande sinergia com a associação na tentativa de solucionar problemas junto à agência reguladora. A empresa de navegação será uma associada da categoria “Prestadores de Serviços Acessórios ao Comércio Exterior”, nos termos do artigo 7º do estatuto social da Usuport.
Essa denominação, apesar de não dar direito a exercer cargos dentro da associação e de votar na assembleia geral, permite a participação nas atividades, através do pagamento de contribuição fixa para manutenção da entidade. O fato de não votar e não assumir cargos não impede a Posidonia de levar demandas para a associação. A divisão dos associados mantenedores em categorias é utilizada para definir a contribuição financeira regular e mensal, e de influência decisória na entidade. Clique aqui para ler o estatuto.
A associação continua empenhada no resgate da bandeira genuinamente brasileira de navegação. A associação também aponta necessidade de reduzir a burocracia e dar aos novos players o direito de começar com investimentos de menor monta num mercado com grandes armadores. Segundo o diretor-presidente da USUPORT-RJ, a ANTAQ se intromete muito nos negócios das empresas genuinamente brasileiras de navegação, principalmente as que querem entrar no mercado, ao ponto de inviabilizá-las. “Se a ANTAQ estivesse realmente interessada em defender minimamente a cabotagem para os nacionais, já teria tomado medidas em relação às empresas estrangeiras travestidas de nacionais que ali atuam. A Agência se destaca pela baixíssima produção de estudos técnicos e isso inclusive foi reconhecido pelo TCU”, afirma Seixas.
O parecer de Joaquim Barbosa à associação também indica existência de concorrência desleal e mão de obra escrava em navios de armadores estrangeiros. A prática fere acordos e convenções internacionais dos quais o Brasil é signatário. “A Antaq, em parecer técnico, chega ao ponto de afirmar que sabe da existência de trabalho quase escravo a bordo de navios estrangeiros e nada faz. E os direitos humanos?”, questiona Seixas.
O sócio da Posidonia esclarece que regulação não é intervenção estatal e que o efeito direto pretendido é atingir equilíbrio e transparência. “A partir do momento que vai contra transparência é porque se quer esconder algo. O Estado brasileiro deve ter acesso às informações fidedignas, não pode haver achismos”, avalia Salomão. Ele observa tentativa de combater com sofismas e dados inconsistentes o trabalho feito pela Usuport. “O desafio é grande. Interesses contrários são muito bem protegidos em meandros do setor. Não podemos deixar que isso aconteça”, diz.
Salomão diz que a norma da Antaq que trata do afretamento contribuiu para fomentar um cartel, alimentando velhas práticas e ampliando o market share dos grandes armadores estrangeiros. “Temos que ter direito de ter serviço adequado e atividade segura”, defende. Ele destaca que, desde o início da operação em 2013, a Posidonia nunca colocou contêineres de cabotagem em navio estrangeiro. Apesar das dificuldades, a Posidonia fechou 2015 com R$ 50 milhões de faturamento.
Como as empresas brasileiras de navegação não gozam de benefícios, novos projetos esbarram na economia de escala. Salomão defende a adoção de medidas para que os armadores nacionais tenham força para definir o preço dos fretes. Segundo o sócio da Posidonia, hoje essa decisão é tomada na Europa. “Temos que ter força para decidir nosso frete no Brasil. É preciso criar mecanismos para os custos serem equivalentes e gerarem incentivo aos armadores. Existem medidas que não são de difícil aplicação para conseguir esse tipo de resultado. É necessário ter força de política de comércio exterior e o governo defender nossos interesses”, resume.
Para a Usuport, a falta de comando no setor reflete na insatisfação dos usuários, que pagam demurrages milionárias, sobretaxas e THC (Terminal Handling Charge), sem a mínima proteção da agência reguladora que, na navegação de longo curso, é “mera coadjuvante”. De acordo com a associação, as empresas brasileiras são desprestigiadas e prejudicadas, enquanto as estrangeiras travestidas de nacionais exploram a cabotagem e operam sem supervisão, fiscalização e normas regulatórias.
O diretor-presidente da associação entende que a regulação setorial começou pela praticagem, com vistas à sua dizimação, e pela benesse de dar aos armadores as cobranças, sem fiscalização, de serviços portuários por meio do THC, quando deveria ter iniciado pelos armadores, principalmente os estrangeiros, diante do panorama já deteriorado quando da criação da Antaq. “Além de estrategicamente errado, tudo isso é muito estranho. Parece que as marés estão sempre a favor da armação estrangeira. Às vezes penso que o setor é customizado para eles. Isso precisa mudar. O setor precisa ser moralizado”, afirma Seixas.