Quinta, 21 Novembro 2024

O trabalho portuário foi incluído no rol das atividades essenciais pelo governo federal. Mas como esses trabalhadores estão se protegendo para continuar a movimentação das cargas ao mesmo tempo evitar a contaminação pelo novo coronavírus (Covid-19). Para entender como está a prevenção da pandemia nos portos brasileiros, Portogente entrevistou o presidente da Federação Nacional dos Portuários (FNP), o capixaba Eduardo Guterra. Ele é taxativo: “Se somos atividade essencial, merecemos ser tratados como tal também.”

Santos PortoGarantir condições seguras para os trabalhadores portuários. Foto do Porto de Santos, em 23/03/2020.

O dirigente, que também é vice-presidente da Confederação Nacional dos Trabalhadores em Transporte (CNTTL), quer que a legalidade – do respeito à Constituição à lei 12.815/2013 à Convenção 137, da Organização Internacional do Trabalho, OIT – seja respeitada. Ele rejeita qualquer situação que corte direitos ou que libere a contratação do trabalhador avulso fora do sistema do Ogmo – Órgão Gestor de Mão de Obra.

Leia o nosso editorial
Porto de Santos carece de um freio de arrumação

Guterra, que integrou a Comissão Nacional Tripartite do Trabalho Portuário Junto ao Ministério do Trabalho e representou os trabalhadores na Comissão Nacional Permanente Portuária de acompanhamento a NR 29, Saúde e Segurança no Trabalho Portuário, fala sobre a precariedade da segurança para o trabalhador portuário, como falta de equipamentos de proteção individual (EPIs), de banheiro etc.

A pandemia, segundo o presidente da FNP, também serve de alerta à importância estratégica dos portos na economia e no desenvolvimento do País, mas também para a situação dos portos e seus trabalhadores: “Querem implementar um modelo de privatização no Brasil que vai em choque aos modelos de portos mais desenvolvidos do mundo.”

O senhor pode nos passar um panorama de como está a situação dos trabalhadores nos portos brasileiros?
Eduardo Guterra – O panorama nos portos brasileiros, dos trabalhadores e todos que estão na atividade portuária é igual ao que está acontecendo no mundo e no Brasil. Ninguém estava preparado para uma situação dessas. Ninguém tem resposta para enfrentar essa pandemia. Está todo mundo tateando no escuro e no porto não é diferente.

Sem querer entrar em antagonismos, quem é o titular das operações portuárias? São os operadores portuários os responsáveis por cumprir a legislação, as normas regulamentadoras (NRs). Os terminais também têm que cumprir regras.

Dentro de um porto a autoridade portuária tem que cumprir o papel de Estado, de uns tempos para cá há uma desarticulação dos atores públicos que atuam nos portos. De todos aqueles intervenientes, como a Anvisa [Agência Nacional de Vigilância Sanitária], a Capitania dos Portos, a Polícia Federal, foi dada uma afrouxada e houve uma falta de zelo, sem querer criar polêmica. E a gente relevando no cotidiano, vamos evitar acidente, dá um jeito aqui e ali, mas aí veio essa pandemia. O novo coronavírus que pegou o mundo todo desprevenido, inclusive o Brasil e o setor portuário, assim como todos os setores.

A situação é complicada e estamos correndo atrás, eu diria que estamos tentando trocar o pneu do carro com o carro em movimento. Obviamente que os trabalhadores, empregados e avulsos, estão, segundo a Organização Mundial da Saúde (OMS) e os especialistas, numa área de maior risco, mais expostos e podem ser mais afetados. Temos procurado as autoridades portuárias, a Federação Nacional dos Operadores Portuários [Fenop] e dialogado com parlamentares. É complicado por que é um setor que é uma atividade para o comércio exterior, que tem o contato com pessoas de outros países, além disso, o porto também recebe navios turísticos. A nossa situação é complicadíssima também.

Quais as medidas e EPIs necessários para que os portuários desenvolvam suas atividades com segurança contra a Covid-19?
Sempre tivemos carência de instalações adequadas, como banheiros, EPI, como máscaras. E, agora, precisamos mais ainda de máscaras adequadas, de locais para lavar as mãos, álcool gel, não só em terra, mas a bordo também. Abre uma nova frente de discussão.

Guterra 2Eduardo Guterra quer que qualquer questão dos portuários seja discutida de forma tripartite:
governo, trabalhadores e empresários. Imagem de vídeo.

Qual tem sido a ação da FNP junto aos trabalhadores e autoridades portuárias no sentido de garantir a proteção dos portuários?
Temos procurado as autoridades e o Ministério Público, inclusive tínhamos uma plenária em Brasília para março, justamente para discutir propostas de alterações da Norma Regulamentadora 29, que justamente trata da saúde e segurança do trabalho portuário. A proposta é mudar a NR-29, priorizar alguns pontos importantes, que temos conversado com o governo sobre eles. Outra questão é cobrar das autoridades portuárias a importância do seu papel e atribuição de zelar pela saúde e segurança do trabalho e meio ambiente, que é abrangente. Também nosso diálogo com a patronal. Agora, por exemplo, o governo resolveu priorizar a vacinação dos caminhoneiros e dos portuários e nós pedimos um levantamento de quem pode e precisa ser vacinado em função da idade.

Qual o risco de que situações de exceção na contratação da mão de obra venham a precarizar e desregulamentar ainda mais o trabalho portuário?
Temos informações de que o governo vem sendo pressionado pelas confederações patronais porque, neste momento, são obrigados a cumprir as normas da OMS e do Ministério da Saúde, dos técnicos e médicos do antigo Ministério do Trabalho, da Anvisa e da própria Capitania dos Portos, cuja orientação principal é afastar do trabalho o pessoal acima de 60 anos.

A parte patronal quer aproveitar esse momento para, através de uma medida provisória do governo, contratar trabalhador fora do sistema do Ogmo [Órgão Gestor de Mão de Obra] para fazer as operações portuárias. Sinceramente, isso é inaceitável, precisamos achar uma forma de resolver isso.

As operações portuárias estão reduzidas e serão ainda mais em função de navios que saem daqui com carga e que não voltam. A movimentação de carga no mundo todo está caindo e não podemos achar que vai ter uma demanda maior nesse momento. É preciso colocar o pé no chão, pois não podemos quebrar um direito que está consagrado na Constituição, na Lei 12.815/2013 e na Convenção 137 da Organização Internacional do Trabalho. Estamos abertos a fazer um acordo nacional para regulamentar isso, de forma que o trabalhador não fique prejudicado, respeitando o que está no artigo 40 da lei, que é a exclusividade para o trabalhador portuário. Não há o que se falar em mudar uma lei que conquistamos recentemente, pois querem se aproveitar desse momento, como em outros setores, para cortar direitos, como a MP que reduz 70% do salário do trabalhador, redução do FGTS. Qualquer mudança exige negociação entre governo, trabalhadores e empresários.

Segundo as orientações oficiais do governo, a atividade portuária é decretada como essencial para a logística do comércio exterior e o transporte. Também fundamental para a manutenção do abastecimento.
Nunca tivemos dúvida disso. Se analisarmos o tripé das atividades que dão sustentação econômica a qualquer país do mundo, está o comércio exterior, a logística e a atividade portuária. Pelos portos são movimentados mais de 90% das mercadorias para o comércio exterior no mundo. Não tenho dúvida, portanto, que é uma atividade essencial, que deve ser tratada como tal!

Tem várias questões que deixam a desejar, é o caso da privatização das administrações portuária. O governo sabe que somos contra, assim como o ministro da Infraestrutura e o secretário nacional de Portos e Transportes Aquaviários [Diogo] Piloni.

Querem implementar um modelo de privatização no Brasil que se choca com os modelos de portos mais desenvolvidos do mundo. A outra questão que temos receio é que pelo tamanho do Brasil e a quantidade de portos que vamos perder o controle em cima da atividade portuária. Outro ponto importante é o que entra e sai pelo porto. Do porto a exportação para o mundo todo, como produtos da agricultura, e entra remédios, alimentos, produtos de alta tecnologia, então a estratégia é essa. Como vamos fazer se entrarmos num processo de falta de controle de produtos essenciais para a população. Vimos isso na greve dos caminhoneiros. Estamos tratando esse assunto de forma estratégica, com a visão de Brasil, do povo brasileiro, para não prejudicar mais ainda do que essa pandemia já está trazendo pra o País. Mas se é essencial, tem que ter um tratamento especial, diferenciado. Ter um olhar mais estratégico, e é justamente o que está faltando no porto.

O governo ficou de editar uma medida provisória para ajudar os trabalhadores avulsos, caminhoneiros e autônomos. Qual a expectativa da FNP em relação a essa medida?
As três federações [portuários, estivadores e conferentes] enviaram um documento ao ministro da Infraestrutura, cobrando medidas e cumprindo nosso papel de proteção ao trabalhador portuário. Medidas de proteção significa identificar as carências e as necessidades, mitigar em alguma operação ou porto que estão operando em desconformidade com as normas estabelecidas, liberar o FGTS para esses trabalhadores que devem ser afastados pela pandemia, é para situações onde houve redução de movimentação de carga.

A operadora portuária quer reduzir custos e nós queremos melhorar o salário, então a negociação coletiva entre as partes faz parte todo ano, e é isso que a gente prega. Nossa expectativa é que o governo não cometa um erro de mudar qualquer coisa que estremeça a relação capital e trabalho, por que daí vai fica complicado para todos nós.

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