O ex-secretário de Transportes Metropolitanos do Estado de São Paulo, na gestão do governador Alckmin, Jurandir Fernandes, faz importantes reflexões sobre a mobilidade urbana no cenário de crise criado pela pandemia do novo coronavírus. Para ele, a velocidade da pandemia nos trouxe incertezas e, com elas, a insegurança de como a mobilidade urbana será impactada. "Estamos em busca de respostas sobre quais caminhos tomar, quais mudanças considerar. Há, no entanto, uma certeza: para que possamos trilhar os caminhos futuros da mobilidade urbana, temos que, em primeiríssimo lugar, preservar sua espinha dorsal: os transportes públicos coletivos e toda a cadeia produtiva do setor."
Fernandes, que hoje é coordenador do Conselho Assessor de Transporte e Mobilidade do Sindicato dos Engenheiros no Estado de São Paulo (Seesp), avalia que é alto p risco de "quebradeira geral das operadoras de transportes públicos". Ele expõe sua preocupação: "De pires na mão, concessionários e permissionários sobem e descem os andares dos três níveis de governo em busca de recursos para sobreviver. Além da brutal queda de passageiros imposta pela pandemia, as regras sanitárias impuseram novos custos de higienização e de fornecimento de EPIs [Equipamentos de Proteção Individual] aos seus funcionários."
Ele chama atenção, ainda, para as consequências nos "andares de baixo, onde reside a responsabilidade pelo transporte público, conforme reza a Constituição, os prefeitos remetem os operadores aos andares de cima. Lá no topo, o governo federal diz que recursos financeiros serão aportados aos municípios que deverão definir como reparti-los entre as atividades essenciais. Com a queda de arrecadação local, sobrará algo para o prefeito distribuir aos concessionários? Jogar os recolhimentos do FGTS e do INSS, bem como o pagamento dos financiamentos para a frente tem sido a única saída. Os que sobreviverem terão milhões em dívidas para negociar, num cenário de crise econômica, na retomada das atividades após a pandemia".
A pandemia, prossegue Fernandes, escancarou também a urgência de mudanças estruturais na sociedade brasileira. "Nossas instituições de Estado (Executivo, Legislativo e Judiciário) regem-se por leis arcaicas que barram reformas ou inovações, além de comprometerem a eficiência dos órgãos gestores. Nada é por acaso. Os que se beneficiam desta situação se fazem representar nas Câmaras Municipais ou Assembleias Legislativas através de parlamentares que, muitas vezes, definem os nomes dos agentes públicos do setor de transportes. Isso ocorre às claras mesmo nas cidades mais importantes do País, e o pior, sob conformismo de grande parte da sociedade."
O ex-secretário e engenheiro formado pelo Instituto Tecnológico de Aeronáutica (ITA), faz algumas perguntas: "Nos transportes públicos as demandas voltarão em que patamares? Como ajustar o número de passageiros nos transportes coletivos se novas normas sanitárias forem fixadas? Continuaremos apenas administrando a oferta sem gerenciar a demanda? Há espaço operacional para um aumento de oferta nas magnitudes preconizadas pelas medidas sanitárias? Como seria financiada essa “super” oferta?"
E as indagações continuam: "Como gerenciar a demanda? Como achatar os volumes de pico através de políticas tarifárias ou de emissão de bilhetes por faixa horária? Como adaptar nossos modais aos novos tempos? Como intensificar o uso de aplicativos no transporte coletivo para aumentarmos a eficiência da oferta?"
Por isso, indica que "tudo e todos foram afetados e terão muito o que repensar, sejam nações ricas ou pobres, organizações sociais, públicas ou privadas, empresas arcaicas ou inovadoras, microempresas ou gigantes multinacionais".
Que existam pares suficientes de sandálias da humildade para todos que estão envolvidos no processo decisório - dos setores público e privado - que afeta a vida de milhões de pessoas.