Quarta, 27 Novembro 2024

Gaudêncio Torquato, jornalista, é professor titular da USP, consultor político e de comunicação

Mais uma vez, o Senhor Imponderável dos Anjos faz uma visita ao nosso roçado político-institucional. Desta feita, para dar um susto no aclamado ministro da Justiça do Governo Bolsonaro, Sérgio Moro, e puxar o tapete onde desfila, impávido, um dos mais estridentes acusadores da Operação Lava Jato, o procurador do Ministério Público, Deltan Dallagnol. As duas midiáticas figuras tiveram conversas publicadas no site The Intercept Brasil, criado pelo jornalista investigativo norte-americano Glenn Greenwald, também conhecido por ter ajudado o ex-analista de sistemas Edward Snowden a revelar informações secretas da Agência de Segurança Nacional dos EUA.

O vazamento puxa para baixo do alto pedestal o ex-juiz Moro, cuja interlocução com Dallagnol aponta para certa combinação de comportamentos. Ora, nem o julgador nem o acusador podem ajustar posicionamentos sobre casos em investigação, muito menos anunciar eventuais caminhos a seguir. Foi o que aconteceu no caso da investigação do ex-presidente Lula, quando Dallagnol tinha dúvidas sobre a solidez de provas contra ele na primeira denúncia em 2016. Houve uma espécie de consulta ao juiz, que teria sugerido ao procurador seguir em frente.

Estrela mais brilhante da constelação Lava Jato, Moro ganhou aplausos da sociedade. Tornou-se ícone da Moral, a ponto de ser elevado ao patamar de presidenciável, posição que deve sustentar seja qual for o desfecho do caso do vazamento. Conseguirá o ex-juiz se livrar da enroscada em que foi jogado por hackers que teriam invadido a rede Telegram de membros do MP? Há grande expectativa sobre o resultado das investigações que começam a ser feitas pela PF (sob o comando de Moro). A depender de novas mensagens prometidas pelos “invasores”, o imbróglio tem potencial para ir longe.

A frente política faz barreiras contra o ex-juiz. Parlamentares tentam formar uma CPI para apurar ilicitude em sua conduta, mas os presidentes da Câmara e do Senado se opõem. Moro era uma pedra no sapato de políticos envolvidos em embaraços. Portanto, há interesse em fechar a torneira da Lava Jato.

O que pode acontecer? Vejamos: a) comprovação de atitudes antiéticas e reprimenda ao ministro, sem maiores consequências; b) anulação das decisões do juiz pelo STF, com os votos da maioria do plenário (mas como ficariam as condenações nas instâncias superiores?); c) saída de Moro do ministério. Qual seja o desfecho, a imagem do ministro da Justiça está arranhada. A chance de chegar ao STF perde força. Outro lado da historia: seu exército de admiradores fará contundente defesa nas redes sociais, enfrentando as linhas de opositores lideradas pelo PT, com sua trombeta denunciando sua parcialidade. Fora ou dentro do governo, Moro não perderá a condição de “guerreiro da moral”, permanecendo no ranking presidencial de 2022.

Quanto a Dallagnol, as alternativas são: a) apuração da conduta pelo CMP, com afastamento do cargo na Lava Jato; b) ligeira reprimenda, sem maiores consequências. O juiz e o procurador levantam a tese do crime de “invasão de privacidade”, a par do fato de que a interlocução, com frases apartadas do contexto, não aponta para combinações.

O maior ganho será de Lula, cuja posição de vítima de perseguição por parte de Moro e dos procuradores será esbravejada pelo PT. Lula tende a reocupar o centro do oposicionismo, enquanto a galera das ruas fará eco à sua condição de injustiçado. Se continuar preso, terá reforçada a pressão por liberdade. Se não for condenado em 2ª instância no caso do sítio de Atibaia até setembro, adquire o direito de prisão em regime semiaberto ou domiciliar. O PT, glorioso, antecipa o discurso eleitoral de 2022.

Quanto ao presidente Bolsonaro, a inferência é a de que o tiroteio sobre o ministro da Justiça, um dos dois maiores pilares da administração - o outro é o ministro Paulo Guedes -, abre fissura no costado governamental, mas não compromete sua imagem. E o futuro? Há duas visões: a) com a imagem arranhada, Moro perderia a nomeação ao Supremo em novembro de 2020, quando Celso de Melo se aposentar; b) Bolsonaro bancará a promessa, tirando-o do páreo presidencial. O fato é que o ministro continuará a ter o apoio social, podendo até arriscar-se a um voo solo na direção do Palácio do Planalto. Difícil adivinhar para onde a biruta apontará.

Resumo: seja qual for a trajetória de Moro e Dallagnol, a Lava Jato levou um tiro.

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