Quarta, 27 Novembro 2024

João Badari é especialista em Direito Previdenciário e sócio do escritório Aith, Badari e Luchin Advogados

Aconteceu na última quinta-feira (30) uma importante votação no plenário da Câmara dos Deputados. Trata-se da aprovação da Medida Provisória (MP) 871/19, que agora seguirá para o Senado, onde também deve ser aprovada até a próxima segunda-feira (03) para que não perca a validade. A medida traz pontos positivos e negativos entre as suas mudanças e a que mais se destaca consiste na criação de um programa de revisão de benefícios do Instituto Nacional do Seguro Social (INSS), previsto para durar até 2020 e que pode ser prorrogado por mais dois anos.

A realização de um pente-fino entre os benefícios é necessária. O governo estima que devem ser economizados em torno R$ 9,8 bilhões com o programa e é fato que a Previdência Social necessita de uma reestruturação para se adequar aos novos tempos.

Contudo, na configuração que foi aprovada a criação do programa, a Câmara dos Deputados manteve formato que passa a impressão de que o governo “torce” para que muitos benefícios sejam cancelados e que reconhece que peritos médicos e servidores públicos do INSS não realizam o seu trabalho da melhor forma possível, além de incentivar possíveis injustiças. Isso porque será concedido aos peritos e servidores um bônus para cada processo concluído acima da média de revisão de benefícios. O valor deve ficar entre R$ 57 e R$ 62 para cada benefício cancelado.

É evidente que não é possível presumir de forma automática a má-fé dos responsáveis por verificar se os benefícios devem ser mantidos. Entretanto, não são poucos os casos de pessoas que não tem condições de trabalhar, por exemplo, e conseguem o auxílio-doença apenas com o auxílio do Judiciário, já que tem seus pedidos indeferidos após passar pela perícia médica. É importante que também não haja uma “caça às bruxas” aos benefícios dos segurados.

Além de tudo, é ilógico pagar um bônus para que peritos e servidores executem o trabalho para o qual já são incumbidos. O pagamento extra sairá dos cofres da Previdência Social e o governo presume que a economia com os cancelamentos de benefícios deve compensar estes gastos. Caso haja algum indício de irregularidade, o beneficiário será notificado para apresentar defesa em 30 dias, por meio eletrônico ou pessoalmente nas agências do INSS.

Entre outras mudanças, a aprovação da MP foi positiva também ao inserir na legislação questão que, até então, era solucionada apenas no Judiciário. De agora em diante, será realizada a soma das atividades concomitantes. O segurado que trabalha em duas ou mais atividades, tal como médicos e professores, poderá somar todas as suas contribuições. O governo foi correto ao tratar de tal ponto, que não deve trazer economia aos cofres públicos.

Já em relação ao trabalho rural, caso a MP seja aprovada também no Senado, deve-se colher daqui alguns anos nada menos que um número grande de trabalhadores rurais que não conseguirão se aposentar e que serão dependentes do bolsa-família e do Benefício de Prestação Continuada (BPC) para sobreviver. A medida provisória acabou com a possibilidade de comprovação da atividade rural por meio de declaração emitida por entidade sindical.

O trabalhador do campo poderá, até 2023, efetuar uma autodeclaração, que deverá ser comprovada de forma posterior pelo Programa Nacional de Assistência Técnica e Extensão Rural (Pronater). Já após esse período, será necessária inscrição no Cadastro Nacional de Informações Sociais (CNIS) para a comprovação do tempo de serviço no campo. Profissionais jurídicos que auxiliam trabalhadores do campo conhecem a realidade da falta de instrução de parte dos trabalhadores do meio rural e tal mudança deve dificultar e muito o recebimento desses benefícios.

Outro ponto importante é a restrição para o auxílio-reclusão. A MP determina que o benefício será pago aos dependentes de presos em regime fechado, proibindo o pagamento aos presos em regime semi-aberto. Segundo o governo, os que estão detidos sob este regime podem trabalhar, o que não justificaria o benefício. O benefício também não poderá ser pago se a pessoa já tiver direito a qualquer outro pago pelo INSS, como pensão por morte ou salário-maternidade. Já o auxílio-doença, não será pago àqueles reclusos em regime fechado, sendo suspenso por 60 dias se estava sendo pago no momento em que a pessoa foi recolhida à prisão e cancelado após esse prazo.

O governo, com a aprovação da MP, tenta dar um gás para a aprovação da reforma na Previdência Social que é necessária. Contudo, são diversos os pontos em que são prejudicados os segurados e as camadas mais vulneráveis da população quando o debate se isola na questão econômica e são desconsideradas todas as disparidades sociais existentes no país. É papel do Congresso Nacional corrigir tais equívocos presentes nas propostas do governo.

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