Fabio Greco, mestre em matemática aplicada a finanças pela USP, é sócio-fundador da Vision Brazil Investments
O cenário cada vez mais desafiador para o mercado nacional testa a capacidade das empresas de transpor os obstáculos econômicos e políticos. O resfriamento da economia brasileira, que tem frustrado as expectativas do empresariado e especialistas financeiros, e a instabilidade do cenário político pré-eleições gerais intimidam grandes movimentações do setor. Tamanha instabilidade na economia, volta e meia abalada por movimentos sociais, expôs de vez a fragilidade das estruturas do país. No primeiro trimestre deste ano, 296 empresas entraram com pedidos de falência em todo o país, segundo dados da Serasa Experian de Falências e Recuperações. Do total, a maioria (160) é de micro e pequenas empresas, e 66 são grandes. O indicador, que registrou seu auge em 2016 e vinha em queda nos últimos anos, representa uma redução de 24,9% no número de requerimentos de recuperação judicial em relação ao mesmo período de 2017.
O Brasil passa por uma das maiores crises das últimas décadas. A descapitalização dos Estados e a perda da capacidade de negociação do governo federal inviabilizaram a aprovação de medidas fundamentais para a retomada da economia no médio prazo, como a aprovação do pacote de reformas. Os revezes que 2018 trouxe com a suspensão das votações de medidas econômicas, pelas quais o empresariado ansiava, o impacto da greve geral dos caminhoneiros e o desenho do cenário político para as próximas eleições enfraqueceram ainda mais o já combalido ritmo de crescimento. Muitos negócios fecharam as portas, e outros se viram obrigados a demitir boa parte de seu corpo de funcionários para garantir o mínimo para subsistência da empresa.
O crescimento de empresas endividadas em um mercado teve como consequência o aumento da demanda por consultorias especializadas em recuperação judicial, o que, para o mercado financeiro, significa oportunidade para fundos de “turnaround”, cujos investimentos buscam o restabelecimento da saúde financeira de empresas com bom potencial, mas afetadas por restrições de curto prazo em função de crises (internas ou externas). Esse modelo de investimento é uma alternativa para capitalizar empresas em setores muito afetados pela crise econômica e funciona como uma solução para escapar da recuperação judicial.
Ainda assim, é imprescindível dominar práticas modernas de gestão, que aumentam dão força e resiliência para uma empresa caminhar nestes terrenos de “areia movediça” e ainda assim alcançar os resultados projetados. Em tempos de crise, é necessário repensar a estrutura na qual se baseia o negócio. O primeiro passo a ser dado é olhar para dentro. Inevitavelmente, todos os segmentos de mercados foram ou serão afetados, em maior ou menor grau, pela desestruturação do cenário econômico e político brasileiro. Mesmo com o aumento de investimentos em uma companhia, o que define a dimensão do impacto dos fatores externos sobre uma empresa é, em última instância, a tomada de decisões estratégicas - um imperativo para a sobrevivência dos negócios.
Após a crise que os Estados Unidos viveram com o estouro da bolha imobiliária em 2008, 3 grandes empresas norte-americanas submeteram seus até então bem-sucedidos modelos de negócios à reestruturação:
* Levi’s: apostou na redução de gastos com corte de mais de 30% do quadro de funcionários;
* US Airways: corte de despesas com demissões e diminuição da frota de aviões;
* Worldcom: abriu ações da empresa para investidores e captou mais de US$ 300 milhões.
A reestruturação empresarial em tempos de crise consiste em entender o que funciona e o que não funciona dentro daquele cenário, promovendo mudanças estruturais e de cultura até que novos resultados sejam alcançados. Não é uma mudança momentânea, é uma mudança efetiva, já que inclui transformações mais profundas no modelo de negócio. Uma reestruturação neste nível precisa questionar tudo que agrega - e também o que não agrega - valor ao negócio, para então levar em conta decisões orientadas por um objetivo. O diagnóstico empresarial é uma análise profunda nas áreas financeira e operacional da companhia, auditando os ativos e os passivos, os meios de precificação dos produtos, os contratos com fornecedores e outros processos absolutamente essenciais para a operação. Por isso é urgente. Deixado passar muito temo, o acúmulo de problemas não identificados e, consequentemente, não remediados, impossibilita a reestruturação eficiente da empresa. Os sinais que alertam para a necessidade de reformulação do desenho de negócio são:
* queda das vendas;
* lucros insuficientes para garantir o fluxo de caixa;
* descapitalização a ponto de prejudicar o pagamento de salários e dívidas com fornecedores;
* falta de controle sobre os resultados financeiros.
É importante ter em mente que a opção pela reestruturação de uma empresa em tempos de crise é um mecanismo que procura recuperar negócios que perderam a saúde financeira e não conseguem se reerguer por conta própria por estarem diante de uma desaceleração econômica. Pode também ser uma medida para blindar a empresa para que não sofra – ou sofra pouco - com fatores externos.
O foco é a sobrevivência do negócio mais do que expansão ou inovação. E diante de uma realidade com baixas perspectivas para crescimento econômico, projeções de aumento das taxas de juros, instabilidade política, elevação de custo, crises energéticas, etc., as empresas devem se firmar com prudência e atenção especial para todos os fatores devem demandar mais esforço e cautela que o usual para garantir a competitividade no mercado. A base da reformulação deve ser o braço financeiro da empresa, uma chance de reorganizar também o fluxo de trabalho e verificar quais são os cargos que precisam ser ocupados, bem como se são necessários novos cargos e funções.
A busca por melhoria contínua e aumento de eficiência interna demanda criatividade e inteligência estratégica dos gestores. É o momento de evitar movimentações mais arriscadas, conter prejuízos e cortar desperdícios de recursos para gerar mais robustez, confiança, assertividade e competitividade no negócio, mesmo em um ambiente considerado pouco favorável. O objetivo da organização é aumentar a eficiência dos processos de forma horizontal, de maneira que os novos processos passem a guiar a estrutura.
Quando a reestruturação organizacional é bem-sucedida, um dos primeiros benefícios sentidos é a melhoria do processo de tomada de decisão como um todo. Essa etapa se dá de maneira mais estruturada, aumentando a assertividade das ações de gestão. Isso acontece porque, com a mudança e/ou atualização dos valores da empresa e a organização de novos processos, a tomada de decisão passa a ganhar mais importância e a informação começa a ser utilizada de maneira mais integrada. Em períodos de crise, reduzir a margem de erro faz toda a diferença. Isto porque não errar tem um peso ainda maior do que acertar. A economia como um todo, mas especialmente investidores e consumidores, tende ao conservadorismo.
O processo de reestruturação empresarial significa necessariamente que todos os processos serão revistos, e os resultados, avaliados. Como consequência, serão identificadas mais facilmente questões que merecem atenção ou precisam ser repensadas dentro daquele modelo de negócio. O resultado é que a empresa é melhorada em pontos que antes eram considerados suas fraquezas, inspirando mais confiança a funcionários, executivos e ao mercado.
Por outro lado, um processo de reestruturação causa incertezas no ambiente corporativo e o clima organizacional é diretamente afetado. Os colaboradores podem se sentir inseguros, afetando diretamente a produtividade. Por isso a reestruturação precisa ser transparente, de forma a oferecer um ambiente colaborativo e de confiança. Os funcionários precisam abraçar a ideia da mudança como algo bom para a empresa e, consequentemente, para manutenção de seus empregos e do ambiente de trabalho. A conscientização muda a postura da equipe frente às necessidades e transformações que envolvem o processo de reestruturação, inclusive sobre a redução de quadro funcional.
É comum as empresas buscarem a estagnação em períodos de crise: cortes de investimentos, suspensão de melhorias e contenção dos danos causados pelo momento de instabilidade financeira. São essas ações que tornam a empresa mais competitiva em um ambiente hostil.
As empresas que enxergam a necessidade de reestruturação devem entender que o processo, para ser bem-sucedido, exige o envolvimento dos agentes internos e desprendimento.