Quinta, 25 Dezembro 2025

Editorial | Coluna Dia a Dia

Certamente os leitores conhecem a expressão: “gastar vela com mau defunto”. Pois este defunto há mais de 30 anos vai e volta, sobe e desce, mas não sai do limbo em que se encontra. É o (des)Acordo de Associação Mercosul-União Europeia. Que, só para lembrar, começou a ser negociado em 28/6/1999, numa reunião de chefes de Estado e de Governo dos dois blocos econômicos, no Rio de Janeiro. E seria uma melhoria do Acordo de Cooperação Mercosul-União Europeia, assinado em 15/12/1995, com vigência prevista para começar... em 1999!

Veja mais: Acordo de Associação Mercosul-União Europeia - Wikipédia

Tudo certo, nada resolvido: nos anos seguintes, era lembrado como prioridade, uma que outra liderança anunciava avanços nos debates, em 4/5/2010 a Comissão Europeia decidiu retomar as negociações, mas os altamente subsidiados agricultores franceses – sempre eles – impuseram obstáculos e tudo parou por mais seis anos.

Novos governos voltaram a negociar e (maravilha!), em 28/6/2019, enfim um acordo de livre comércio foi firmado, durante reunião de cúpula do G20 em Osaka. Mas a França tinha muita pressa em (não) ratificar o acordo. Outra vez, ele começou a ser demolido: a Europa desmatada resolveu criticar a gestão ambiental no Brasil e usar isso como desculpa para sua imobilidade.

Veja mais: O histórico das negociações e próximos passos do acordo Mercosul-UE - Agência Gov/EBC, 6/12/2024

Nesta década, recomeçaram as negociações para atualizar os textos. Afinal, passada uma geração humana, o mundo mudou bastante, os EUA roeram a corda com a Europa e o resto do planeta, a China evoluiu para maior potência econômica, a Rússia resolveu anexar a Ucrânia e a Dinamarca pode perder sua Groenlândia a qualquer momento. O imperialismo voltou com toda a força e a Europa, idosa e alquebrada, parece fingir que nada tem a ver com isso. Seu mundo desmorona e ela vai navegando por canais escuros, estreitos e tortuosos, embalada em ‘O sole mio’.

Veja mais: Clinch? - Portogente - 12/12/2024

Mais uma vez, marcou-se a data para o tão esperado casamento: 20/12/2025. Porém, a noiva indecisa quer mais tempo para escolher o vestido nupcial. Mais um mês, dois anos, meio século talvez. Não consegue ver que seus encantos físicos estão diminuindo com o passar do tempo... e os atrativos econômicos também.

Veja mais: China se expande no mercado de vinhos e surpreende pela qualidade – Veja, 11/10/2025

Os olhos do Mercosul estão se voltando para as nações orientais, que talvez não sejam parceiras ideais, mas pelo menos são mais decididas e criativas, acompanhando a velocidade dos novos tempos. Elas fazem propostas de investimento, entram com o ‘dote’ para a execução dos projetos e garantem o mercado para os produtos.

O desencanto já tomou conta de vários países do Mercosul, notadamente a Argentina, que faz críticas abertas às posições europeias. Quando a Europa acordar para a nova realidade, talvez já tenha perdido seus parceiros nas terras que Américo Vespúcio localizou e Colombo começou a colonizar.

Ao norte, a grande ex-colônia inglesa já mostrou veementemente seu atual desprezo pelo Velho Mundo. Mirando ao sul, os mesmos Estados Unidos jogam pesado para (re)conquistar e dominar tradicionais e novos mercados (petróleo, terras raras etc.), mesmo agindo de forma errática (tarifaços) e temerária (bombardeamento de lanchas, apresando petroleiros). Ignoram solenemente os mecanismos de regulação internacional criados após 1945.

O Mercosul se defende, negociando e abrindo mercados com novos parceiros, e os asiáticos estão de olhos bem abertos para as oportunidades. “Time is money” e os europeus desperdiçaram 30 anos do precioso tempo.

Veja mais: O vinho chinês vem aí?... - Carta Capital, 7/12/2025

Quando a Europa chegar para o banquete, talvez dentro de mais algumas décadas, ainda restarão migalhas? Pensando agora no transporte das cargas: tradicionalmente, as terceiras bandeiras, aquelas que não são dos países negociadores, têm participação mais reduzida, já que não respondem necessariamente aos interesses dos compradores e vendedores.

Então, não havendo acordo para as cargas principais, muitos outros produtos e serviços serão afetados. E a Europa inerte ainda terá de encontrar novos parceiros para seu comércio. África? Oceania? Antártida? América Central? Caro leitor, tire suas conclusões.

Veja mais: Aprenda japonês - Mercado de frutos do mar - Lingohut

O bacalhau japonês é gostoso? Bem, naquele idioma ‘peixe’ é ‘tara’ e ‘bacalhau’ é ‘sakana’. Que tal o vinho chinês? “Melhor que o francês”, disse o crítico francês Michel Bettane. Champanha coreano (Cheongju é um primo não tão longínquo)... é espumante? Já que os europeus não quiseram participar do banquete neste ano, será que ainda terão lugar de honra à nossa mesa de importados no fim de 2026?

Bem, já sobrevivemos a muita coisa neste ano, pelo menos sabemos que não vai ser um acordo a menos que nos derrubará. Boas Festas!

Veja mais: Fogo-de-artifício não combina com ambiente. Devemos reinventar os festejos? - Público, Lisboa/Portugal

P.S.: Meio fora do tópico, vale ainda assim esta dica europeia: até a China, onde se desenvolveram milenarmente os fogos de artifício, vem estimulando o uso de produtos de pirotecnia ecológicos e com ruído atenuado. Faça como eles, siga a nova moda mundial: reduza o sofrimento de animais e de pessoas com alta sensibilidade ao ruído!

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30 anos depois, protestos: “garantias ainda vagas”... Imagem: reprodução parcial do jornal francês ‘Le Monde’ de 18/12/2025, p. 7

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*O Dia a Dia é a opinião do Portogente

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