Dentro do fascinante mundo do Direito Marítimo existem diversos sujeitos envolvidos nas relações jurídicas internacionais que se originam no mar. Porém, antes de adentrarmos ao tema, é necessário destacar a distinção entre navio e embarcação.
O artigo 2, inciso V, da Lei 9.537/97 (LESTA) conceitua embarcação como qualquer – inclusive as plataformas flutuantes e, quando rebocadas, as fixas – sujeita à inscrição na autoridade marítima e suscetível de se locomover na água, por meios próprios ou não, transportando pessoas ou cargas.
Segundo a ilustre doutrinadora Octaviano Martins (2013, p 124): "Da amplitude do conceito de navio e embarcação e com base na nova visão da indústria shipping, a doutrina brasileira vem consolidando a teoria contemporânea ao considerar embarcação gênero do qual o navio é espécie".
Feita tal distinção, vale ressaltar a natureza jurídica dos navios. Estes, no ordenamento jurídico brasileiro, são considerados pela maioria dos tratadistas bens móveis sui generis, vez que podem se locomover dentre vários pontos sem acarretar na perda de seu valor econômico. Porém, por seu alto valor comercial, precisam efetuar o registro, a exemplo de um bem imóvel.
Vale mencionar que a necessidade de registro mencionada no parágrafo acima será realizada sempre em repartição própria da autoridade marítima no Tribunal Marítimo, onde será atribuído nome e o número de inscrição.
Lembrando que o nome, a nacionalidade e o número de inscrição são essenciais para individualizar a embarcação ou navio, identificando assim a legislação que a ampara, determinando o seu domicílio.
Perda do navio
Não obstante, por sua natureza jurídica de bem móvel sui generis, a embarcação é suscetível de ser gravada por hipoteca, sendo que esta deverá ser registrada no Tribunal Marítimo. Merece destaque que o Brasil é signatário da Convenção de Bruxelas de 1926, que trata da unificação de certas regras relativas aos privilégios e hipotecas marítimas.
Ainda, todos os proprietários serão responsáveis solidariamente pelas dívidas que o comandante contrair para consertar, habilitar e aprovisionar o navio ou embarcação, ou pelos prejuízos que este causar a terceiros por falta da diligência que é obrigado a empregar, para a boa guarda, acondicionamento e conservação dos efeitos recebidos.
No entanto, esta responsabilidade cessa fazendo quando o mesmo pratica o abandono do navio e fretes vencidos e a vencer na respectiva viagem aos credores, em pagamento das dívidas, denominado abandono liberatório.
Outra hipótese é o abandono sub-rogatório, sendo o ato pelo qual o segurado, na perda total ou tendo o prejuízo de mais da metade do verdadeiro valor da embarcação e bens segurados decorrente de sinistro, cede ao segurador o objeto do seguro, para exigir deste a indenização da importância constante da apólice.
Feitas tais considerações, passa-se a elencar os principais sujeitos envolvidos no campo do direito marítimo.
Dos sujeitos no direito marítimo
Inicia-se, portanto, com a figura do armador. Este, por sua vez, consiste em ser o transportador e, em alguns casos, também o proprietário de uma embarcação (navio ou plataforma) ou contêiner. Tal propriedade pode realizada em nome da pessoa física como pessoa jurídica, como por exemplo, as agencias marítimas.
No Brasil, a Lei n 9.432/97, que dispõe sobre a ordenação do transporte aquaviário, em seu artigo 2º, inciso IV, define a figura do armador como pessoa física ou jurídica residente e domiciliada no Brasil que, em seu nome ou sob sua responsabilidade, apresta a embarcação para sua exploração comercial.
Lembrando que, quando o qual também for proprietário da embarcação, será chamado de armador-proprietário (owner). Ou seja, é o proprietário de embarcação que, tendo como sua propriedade, a explora no transporte, ou a cede a emprego de terceiro.
Entretanto, na maioria dos casos, a figura do armador aparece através da celebração de contratos de locação, afretamento, etc., com o proprietário de uma determinada embarcação. Assim, o qual será chamado dentro do direito marítimo como armador – locatário (shipowner) ou afretador.
Ou seja, o armador, ficará responsável por toda a gestão comercial da embarcação, enquanto o proprietário será responsável pela gestão náutica. Quando se tratar da figura de armador – proprietário, o mesmo responderá por ambas as gestões.
Em seguida, apresenta-se a figura do operador de Transporte Não-Armador - NVOCC (Non-Vessel-Operating Common Carrier), que por sua vez são empresas que consolidam cargas, criadas nos anos 80 pelos próprios armadores que preferiam não se dedicar a consolidar pequenas cargas.
Estes, através de um contrato de mandato, compram espaço nos navios full-containers do qual não são proprietários para embarcar seus contêineres, mantendo com o armador daquela embarcação um contrato de aluguel ou afretamento emitindo documentação apropriada, como o conhecimento de embarque, e utilizando navios de terceiros, na qualidade de usuário.
Já a figura do comandante apresenta-se como o representante legal do armador, sendo o profissional habilitado para a navegação e por toda a embarcação. Dessa maneira, o comandante responderá junto ao armador pela administração de embarcação comercial de grande porte e de elevado grau de complexidade técnica-operacional.
Caso o transportador não seja o próprio armador, os poderes de representação comercial delegados ao comandante deverão estar definidos claramente no contrato de exploração do navio que as partes vierem a firmar entre si.
Serviços auxiliares da navegação
Fora os sujeitos citados, o direito marítimo também apresenta determinadas figuras no que concerne aos serviços auxiliares da navegação.
Dentre os principais apresenta-se a Praticagem, consistindo na pilotagem de embarcações em certas zonas geográficas cujas condições peculiares à navegação exijam conhecimentos específicos do local e dos fenômenos naturais prevalecentes que, de forma direta ou indireta, afetem ou possam afetar o comportamento náutico desta.
Por fim, tal serviço contribui diretamente para a segurança do tráfego, da vida humana e da propriedade marítima.
Já o serviço de reboque consiste no ato pelo qual uma embarcação desprovida de força motriz ou que por qualquer razão não pode temporariamente dela dispor é conduzida ou removida por outra embarcação.
Há empresas que empregam embarcação especial denominada rebocador nas faixas de reboque no porto ou em alto-mar. Entretanto, pode ocorrer que, face as circunstâncias imperiosas, uma embarcação qualquer, não necessariamente aquela voltada a este propósito específico, poderá rebocar outra em alguns casos.
Acidentes da navegação
O item 0106 da NORMAM-09 considera que as seguintes ocorrências serão considerados acidentes da navegação. Veja-se:
a) Naufrágio, encalhe, colisão, abalroação, água aberta, explosão, incêndio, varação, arribada e alijamento:
I) naufrágio – afundamento total ou parcial da embarcação por perda de flutuabilidade, decorrente de embarque de água em seus espaços internos devido a adernamento, emborcamento ou alagamento;
II) encalhe – contato das chamadas obras vivas da embarcação com o fundo, provocando resistências externas que dificultam ou impedem a movimentação da embarcação;
III) colisão – choque mecânico da embarcação e/ou seus apêndices e acessórios, contra qualquer objeto que não seja outra embarcação ou, ainda, contra pessoa (banhista, mergulhador etc). Assim, haverá colisão se a embarcação se chocar com um corpo fixo ou flutuante insusceptível de navegar ou manobrar, tal como: recife, cais, casco soçobrado, bóia, cabo submarino etc;
IV) abalroação ou abalroamento – choque mecânico entre embarcações ou seus pertences e acessórios;
V) água aberta – ocorrência de abertura nas obras vivas que permita o ingresso descontrolado de água nos espaços internos, ou a descarga de líquidos dos tanques, por rombo no chapeamento, falhas no calafeto, ou nas costuras, por válvulas de fundo abertas ou mal vedadas, por defeitos nos engaxetamentos dos eixos, ou qualquer falha ou avaria que comprometa a estanqueidade da embarcação;
VI) explosão – combustão brusca provocando a deflagração de ondas de pressão de grande intensidade;
VII) incêndio – destruição provocada pela ação do fogo por: combustão dos materiais de bordo, ou sobre as águas, em decorrência de derramamento de combustível ou inflamável, curto-circuito elétrico, guarda ou manuseio incorretos de material inflamável ou explosivo;
VIII) varação – ato deliberado de fazer encalhar ou por em seco a embarcação, para evitar que evento mais danoso sobrevenha;
IX) arribada – fazer entrar a embarcação num porto ou lugar não previsto para a presente travessia, isto é, que não seja o porto ou local de escala programada ou de destino; e
X) alijamento – é o ato deliberado de lançar n’água, no todo ou em parte, carga ou outros bens existentes a bordo, com a finalidade de salvar a embarcação, parte da carga ou outros bens.
Vale ressaltar que, nos casos de varação, arribada e alijamento, denota-se a intenção do comandante e realizar tais manobras para salvar a embarcação e a vida humana.
Também, denota-se a diferença entre abalroação e colisão. A primeira consiste em um choque entre dois navios ou embarcações que navegam ou estão em condições de navegar, dentro ou fora dos portos, podendo ser culposa, quando existe desídia, negligência ou culpa do comandante e tripulante de ambos os navios, caso fortuito ou força maior; misto ou duvidoso, quando não se pode determinar a causa do choque ou apurar a quem cabe a culpa.
Já a segunda consiste no choque de uma embarcação com qualquer outro objeto ou bem que não possua a mesma natureza jurídica quanto ao seu gênero ou espécie.
Já os fatos da navegação são definidos, através do mencionado dispositivo, da seguinte maneira:
1) O mau aparelhamento ou a impropriedade da embarcação para o serviço em que é utilizada e a deficiência da equipagem:
I) mau aparelhamento da embarcação – a falta ou a impropriedade de aparelhos, equipamentos, peças sobressalentes, acessórios e materiais, quando em desacordo com o projeto aprovado, as exigências da boa técnica marinheira e demais normas e padrões técnicos recomendados;
II) impropriedade da embarcação para o serviço ou local em que é utilizada – utilização da embarcação em desacordo com sua destinação, área de navegação ou atividade estabelecidas em seu Título de Inscrição; e
III) deficiência de equipagem – falta ou deficiência quanto à quantidade e à qualificação de tripulantes, em desacordo com as exigências regulamentares, como a do cumprimento do cartão da tripulação de segurança da embarcação;
2) Alteração da rota – desvio da derrota inicialmente programada e para a qual o navio estava aprestado, pondo em risco a expedição ou gerando prejuízos;
3) Má estivação da carga, que sujeite a risco a segurança da expedição – má peação, colocação em local inadequado ou a má arrumação no porão, no convés ou mesmo no interior do container, quer no granel, quer na carga geral, sem observar, ainda, a adequabilidade da embalagem, pondo em risco a estabilidade do navio, a integridade da própria carga e das pessoas de bordo;
4) Recusa injustificada de socorro à embarcação ou a náufragos em perigo;
5) Todos os fatos que prejudiquem ou ponham em risco a incolumidade e segurança da embarcação, as vidas e fazendas de bordo (como o caso da presença de clandestino a bordo); e
6) Emprego da embarcação, no todo ou em parte, na prática de atos ilícitos, previstos em lei como crime ou contravenção penal, ou lesivos à Fazenda Nacional (como o caso de contrabando ou descaminho).
Tribunal Marítimo
O instituto responsável por julgar os acidentes e fatos da navegação e denominado Tribunal Marítimo, sendo um tribunal que possui decisões de natureza administrativa cabendo a apreciação pelo Poder Judiciário quando provocado.
Ao Tribunal Marítimo compete:
(a) julgar os acidentes e fatos da navegação, definindo-lhes a natureza e determinando-lhes as causas, circunstâncias, e extensão;
(b) aplicar penas aos responsáveis, de acordo com as leis marítimas;
(c) propor medidas preventivas para a segurança da navegação;
(d) manter o registro geral da propriedade naval, da hipoteca naval e demais ônus sobre embarcações brasileiras.
A jurisdição do Tribunal Marítimo alcança as embarcações nacionais ainda quando situadas no exterior .
Autor: Lucas Cardoso Passos
Advogado OAB/PR 86.131, pós-graduado em Direito Tributário pela Universidade Candido Mendes, pós graduando em Direito Aduaneiro pela Universidade Candido Mendes, pós graduando em direito Marítimo e Portuário pela Maritime Law Academy;
Revisor: Prof. Esp. Paulo H.R. Oliveira
Especialista em Direito Marítimo. Pesquisador da USP e da UNESP. Professor da Maritime Law Academy.