Em entrevista franca, prefeito reeleito de Guarujá responde perguntas polêmicas de Portogente, dos problemas do Porto à pobreza na cidade.
No dia 15 de novembro último, ele obteve a marca histórica de 75,68% dos votos da população de Guarujá, no litoral paulista, para estar à frente da Prefeitura. Reeleito com 112.672 votos, o médico de 61 anos Válter Suman, natural de São José do Rio Preto, inicia o seu segundo mandato em 1º de janeiro de 2021, pela legenda PSB.
Prefeito reeleito Válter Suman. Crédito: Divulgação.
Guarujá, conhecida também como a pérola do Atlântico pelas suas belas e limpas praias, tem a população estimada em 322.750 pessoas. O esgotamento sanitário adequado alcançava 82,4% da cidade em 2010, data do último levantamento do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE); urbanização de vias públicas, 63,5%; e arborização de vias públicas, 68,2%. O salário médio mensal dos trabalhadores formais em 2018, ainda de acordo com o IBGE, era de 3,1 salário mínimo.
Nesta entrevista concedida gentilmente pelo prefeito reeleito, mesmo depois da maratona da campanha eleitoral, Suman respondeu com tranquilidade a todas as perguntas do Portogente, dos problemas causados pela atividade portuária para a população local, sobre cuidados em tempos de pandemia numa cidade turística. Ele defendeu, ainda, o túnel submerso como a melhor ligação seca entre as cidades de Santos e Guarujá.
O prefeito responde, ainda, pergunta sobre o desequilíbrio profundo entre o lado pobre e o lado rico da cidade, e como as atividades econômicos em torno do Porto podem ajudar a reduzir ou acabar com esse fosso social.
Portogente - Investido pela autoridade do novo mandato com uma grande votação, o senhor se sente fortalecido para discutir com profundidade, com outros entes institucionais, a relação que o Porto de Santos tem com a cidade de Guarujá?
Não resta dúvida, e o que tem norteado a nossa administração é o diálogo em todos os sentidos, com todos os segmentos da sociedade civil organizada. A questão portuária e retro portuária são fundamentais para o desenvolvimento econômico da cidade, uma vez que a margem esquerda do complexo portuário fica em Guarujá, que é responsável por cerca de 30% da movimentação de cargas do Porto.
A margem esquerda tem, hoje, nove terminais portuários e 14 retro portuários. Ela gera diretamente 3.600 empregos em nosso município, e é responsável pela arrecadação de aproximadamente 68% do Imposto sobre Serviços de Qualquer Natureza (ISS) na área de serviços prestados à atividade portuária.
Temos mantido conversas frequentes com todos os terminais portuários e com a Companhia Docas do Estado de São Paulo (Codesp). Até porque é preciso conviver com a ilha de Santo Amaro, que tem potenciais turísticos, portuário, retro portuária e uma dura realidade é a questão habitacional.
Sabemos que é só na margem esquerda que há disponibilidade de construção de novos terminais, que precisam passar pela desocupação de áreas que colocam pessoas em condição de vulnerabilidade física e social. Surge então um projeto ambiental, habitacional e de desenvolvimento portuário.
Essa relação que o senhor se refere tem a ver com a sustentabilidade e a questão ambiental, pois quando nós falamos de Porto e Cidade estamos falando das pessoas. O senhor falou que há essa vulnerabilidade, gostaríamos que aprofundasse quais são os outros problemas causados pela aquela atividade portuária à população guarujaense e como pretendem resolver essa situação.
Primeiro, a questão da mobilidade, pois trafegam pelas ruas de nossa cidade milhares de caminhões, todos os dias, causando impacto numa das principais avenidas. Temos lutado incessantemente para que seja construída a segunda fase da Perimetral, que vai ligar diretamente a Rodovia Cônego Domênico Rangoni com o porto organizado.
As conversas com os diretores presidentes da Codesp que já passaram por aqui sempre retornam à tona. Segundo o atual presidente da Codesp, há tratativas junto ao Ministério da Infraestrutura para disponibilizar recursos que somam R$ 271 milhões, com projeto executivo e licenciamento ambiental em curso, com previsão até o final do primeiro semestre [de 2021].
Há a necessidade de um pátio de caminhões na margem direita, que equivale ao retro porto, numa uma área de 4 milhões de metros quadrados. Há uma ansiedade da família caminhoneira da nossa cidade, que causa desconforto a moradores e a eles próprios, e nós temos que disponibilizar uma área digna para esses trabalhadores.
Nesse sentido de buscar essa melhoria na mobilidade tem tido muito destaque o debate sobre a ligação seca entre as duas cidades das margens do Porto. O que levou o senhor a se declarar favorável ao túnel submerso?
O principal objetivo de uma ligação vem sendo cantado em verso e prosa há décadas. Já entregaram até maquete no passado. Precisamos diminuir um gargalo terrível que é a movimentação de veículos na travessia, especialmente pelas balsas e barcas, que ligam aí o distrito de Vicente de Carvalho a Santos e também em balsas Santos-Guarujá.
O principal objetivo da ligação seca é amenizar em, no mínimo, 70% esse gargalo. Ao nosso ver - e também no Ministério da Infraestrutura - o túnel submerso é a melhor opção. O projeto executivo está sendo elaborado junto ao Estado. Vejo como a melhor alternativa, pois possibilitaria a ligação seca do distrito de Vicente de Carvalho diretamente a Santos, valorizando sobremaneira o mercado imobiliário, potencializando o nosso distrito, facilitando com isso a movimentação de veículos, caminhões, aplicativos, enfim para que haja essa metropolização. Já a ponte, segundo algumas avaliações de especialistas, impactaria negativamente na movimentação de navios que estão cada vez maiores.
Creio que quase que um ponto pacífico e os presidentes anteriores, Casemiro Tércio [Carvalho] e Fernando Biral, conjugam da mesma opinião. Desde o início sou favorável ao túnel submerso, pois resolve a questão da mobilidade, da travessia e o transporte de cargas caminhões, assim como o Veículo Leve sobre Trilhos (VLT) seria outra opção. O custo da construção do túnel submerso em, comparação com a Ponte, não são tão disparates.
Temos desenvolvido um projeto conversando com vários prefeitos do Brasil, gestores de cidades portuárias, que demostram a importância do porto na garantia de recursos financeiros e o recolhimento de tributos. Eu gostaria que o senhor falasse de como pensa uma relação harmoniosa e não só motivadora dos danos ambientais que essa atividade econômica causa às comunidades. Como o senhor fará uma gestão que envolva os municípios, gestores portuários, sindicatos de trabalhadores amplos setores da sociedade e setores do empresariado que são beneficiários de alguma forma da cadeia produtiva portuária. Isso envolve a questão da Covid-19 e o porto como porta de entrada e circulação de pessoas, vírus, bactérias e mercadorias.
Não resta dúvida que a grande demanda de volume de cargas pode levar a ocorrências e intercorrências que podem colocar a população sob risco, uma vez que o convívio de comunidades no entorno desses terminais portuários é muito próxima. Daí o diálogo com todos os terminais na questão dos riscos inerentes a essa população, da qual a nossa Secretaria de Meio Ambiente tem tido contato constantes e realizados estudos.
Nos quatro anos do primeiro mandato tivemos pequenas ocorrências. Porém, há uma grande preocupação com a saúde da população. Existe já um plano traçado pela Defesa Civil, juntamente com a autoridade portuária para minimizemos os impactos em qualquer evento de maior monta. Tivemos recentemente alguns eventos envolvendo alguns poucos terminais e uma movimentação de todos esses segmentos. Tenho visitado frequentemente os terminais e há uma boa neurose na questão da proteção da segurança dos que ali trabalham e do entorno, mas é algo que precisa ser constantemente monitorado.
O nosso secretário de Meio Ambiente inclusive com diretoria de atividade Portuária estão constantemente dialogando, inclusive eu tenho recebido a todos os diretores desses terminais e muito preocupado com essa questão da segurança à população e interna, pois qualquer incidente ou acidente portuário pode colocar em risco dependendo da carga que foi colocado foi submetida. Vidas humanas é a nossa grande preocupação.
Nesse sentido, gostaria que se falasse um pouco mais o senhor também como médico ou como um profissional como um político responsável. Quais são as medidas que o senhor pretende adotar na continuidade do seu mandato em relação à Covid-19.
Estamos vivendo, segundo autoridades epidemiológicas, a primeira onda parece muito mais preocupante. Pelo fato de ser médico, desde o início Guarujá foi o primeiro município da Baixada, e talvez do país, a tomar medidas já vislumbrando a chegada do vírus, quando ele ainda estava em território asiático e europeu. Uma série de ações nós tomamos e tivemos sucesso, até porque Guarujá é uma cidade com potencial turístico que recebe nos finais de semana e na temporada um grande número de pessoas.
Implantamos medidas educativas, preventivas, restritivas e também punitivas – quando necessário. Implantamos barreiras durante quatro meses durante 24 horas por dia em sete entradas do município, controlando devidamente o fluxo das pessoas.
A Baixada Santista, por meio do Condesb [Conselho de Desenvolvimento da Região Metropolitana da Baixada Santista], tem sido o fórum para tomarmos as ações necessárias. Basicamente estamos preparados em termos de ocupação de leitos, de enfermaria e todas as ações do complexo de triagem, atendimento de média, baixa e alta complexidade. O número de pacientes afetados preocupa muito e recentemente fizemos uma reunião da nossa sala de situação os mais variados especialistas. Estamos reativando mais 10 leitos de UTI, que haviam sido desativados por conta da queda substancial do número de infectados.
Tivemos um hospital de campanha na base aérea, o único hospital civil numa base militar do país, onde atendemos cerca de 400 pacientes com alta complexidade. Nós não vislumbramos e não temos recursos para reativar novamente o hospital de campanha. Esperamos que a população basicamente fortaleça cada vez mais a consciência de saúde pessoal. O que a gente notou é um relaxamento daquilo que era pra ser flexibilizado. Não aglomeração, uso obrigatório de máscaras, a higiene pessoal e de ambientes são fundamentais. Isso em todos os níveis, seja no dia a dia, no comércio, hotéis, pousadas, bares, restaurantes ou atividades portuárias e retro portuários. Todo cuidado é pouco, pois é um vírus altamente perigoso e nós estamos assistindo aqui à nossa ocupação de leitos de UTI crescer de maneira bastante preocupante.
Com a chegada do verão e Guarujá sendo esse centro turístico como o senhor prevê a organização da cidade e o que recomendaria aos turistas que pretendem vir para o município?
Boa pergunta. Estamos vivendo um verdadeiro fio da navalha. Acaba implicando em algum relaxamento por parte das pessoas estão vendo já na quarentena uma saturação das ruínas. Tem uma frase que tem norteado esses últimos dias eles lotam hotéis bares pousadas restaurantes, praias usa a frase “O brasileiro quer viver, mesmo que para isso precise morrer”. É algo muito duro essa frase, mas não podemos baixar a guarda.
O comércio local a expectativa de hoteleiros proprietários de pousadas a atividade comercial e a cidade nesse período agora novembro dezembro já se movimenta muito. Guarujá chega a receber mais de um milhão e meio de pessoas e isso preocupa sobremaneira.
Todas as decisões restritivas e proibitivas que devam ser tomadas devem seguir o Plano São Paulo de flexibilização, pois o grande responsável é o Governo do Estado. Porém nós aqui estamos cumprindo a nossa lição de casa. As nove cidades da Baixada Santista, cada um cada um a sua peculiaridade, estamos agindo de acordo com as nossas forças.
Insisto muito na questão educativa, pois sem ela não adianta milhões de reais em investimentos em hospitais de campanha, ampliação de leitos de UTI, enfermaria medicamentos. Passa necessariamente pela consciência de saúde pessoal da população. Não aglomeração, uso de máscaras, higiene pessoal, álcool gel, água e sabão, além de higiene de ambientes onde vivem.
Falando em cuidados ambientais, tem circulado ideias sobre ‘Porto Verde’ e ‘Porto Azul’, conceitos que vão ao encontro da “Pérola do Atlântico”, como é conhecida Guarujá, devido as suas belezas naturais. Será possível, pensar um Porto com capacidade econômica e com sustentabilidade financeira com benefícios para a sociedade, mas que também pudesse conservar o mar? Esse que traz a beleza e a economia turística, essa que traz também um aporte na microeconomia do município?
Você tem toda a razão. Eu falo desde o meu primeiro dia de mandato que o porto não pode ficar virado de costas para a nossa cidade, mas tem que ser envolvido em todos os aspectos, na questão ambiental e especialmente na responsabilidade social do Porto, além de ser parceiro em qualificação e formação de mão de obra para a cidade, uma vez que a expectativa é de uma ampliação portuária significativa, para que possamos atingir nos próximos anos, até quem sabe 50% da movimentação de cargas do complexo portuário. Não é porque eu o Porto, os nove terminais, os 14 retro portuários recolhem ISS, importantíssimo para nossa cidade, que irão se limitar a isso. Tem vidas que transitam no seu interior, pessoas que moram e vivem o dia a dia do Porto, muito próximo a terminais que toda a responsabilidade é necessária.
Estamos cobrando através dos nossos mecanismos, mas o principal passa pelo diálogo com todos os terminais e o responsável pela atividade portuária. Eu quero deixar registrado aqui uma proposição que nossa Secretaria de Desenvolvimento Econômico Portuário, pois é uma questão específica do Porto, onde o Conselho de Atividade Portuária tem uma ação mais consultiva, e a luta é para que seja mais deliberativa. Tenho certeza que essa questão da possível privatização do porto, algo que tem sido pensado pelo governo federal, vai levar em conta essa situação. Postura essa que nós defendemos, desde que haja a participação de todos os municípios que sofrem o impacto de atividade portuária, que querem que a atividade cresça de maneira sustentável e tenha sua função social realizada.
Qual a sua posição sobre a desestatização dos portos?
Sou favorável. A gente percebe hoje, salvo engano, pois não sou um profundo conhecedor da questão portuária no mundo, mas até onde se sabe essa privatização tem sido positiva, pois implica na relação de terminais com armadores, o Governo e União, o Estado e principalmente os municípios onde estão inseridos. Vejo com muito bons olhos e um desenvolvimento muito promissor deste processo de desestatização do Porto de Santos.
Esse outro lado que o senhor falava que margeia o complexo portuário onde está a população mais pobre. O senhor acredita que com o município com menos poder sobre a autoridade portuária não poderia talvez gerar um desequilíbrio mais profundo entre o lado pobre e rico da cidade?
Na realidade a única cidade que tinha uma pobreza extrema que margeia o complexo portuário, a margem esquerda, é Guarujá, onde está a visão surreal, o pior que existe e, ao mesmo tempo, todo o trabalho e por onde pode crescer o Porto e no lado do Guarujá. Estamos focados em tirar essas pessoas que moram em extrema vulnerabilidade, são cenas dantescas vistas de tirar essa população e colocar em habitações dignas em projetos habitacionais que já estão em curso. Também fazer parceria com o terminal ferroviário, o modal ferroviário (ALL, Rumo Logístico e Codesp) que cooperem com o município, pois não temos recursos suficientes para investimentos operacionais. Isso já está acontecendo. Há uma resposta razoável dessas empresas que utilizam o modal ferroviário que margeiam o Porto para que retiremos essas pessoas em condição de vulnerabilidade.