Especialista da Cosin Consulting em cadeias de abastecimento Philippe Minerbo aponta principais consequências, riscos e como o setor vem buscando alternativas para manter sua operação tão fundamental para a economia do País
Os reflexos logísticos da Covid-19 começaram com grandes impactos no trânsito de passageiros e cargas da China, mas agora abrange uma ampla gama de consequências nas cadeias de suprimentos globais e nacionais. Internacionalmente, vemos a dificuldade ou mesmo interrupção de fornecimento de matérias-primas e produtos acabados de diferentes gêneros e oportunidades com assimetrias financeiras geradas pela abrupta valorização do dólar. E, recentemente, houve a interferência direta dos EUA no comércio internacional, como no caso das máscaras e respiradores desviados para o País. Já o cenário nacional mostra situações díspares: subida vertiginosa da demanda de produtos básicos e de higiene num primeiro momento e quedas nos demais segmentos. É o que explica o consultor, diretor executivo e especialista em cadeias de abastecimento da Cosin Consulting, Philippe Minerbo.
Para ele, em termos de fornecimento, as empresas que dependem de matéria-prima (indústrias de base), componentes (montadoras) e produtos acabados (varejo de moda e brinquedos) vindos do exterior, principalmente da China e Europa, estão sendo afetados com uma desaceleração na cadeia de abastecimento. “O modal aéreo foi o afetado mais rapidamente e com mais força. A frequência de voos caiu muito. Como muitas vezes os aviões de passageiros também transportam cargas, o impacto é direto. No marítimo, o impacto é mais devagar em função do transit time das principais rotas”, explica o diretor executivo da Cosin Consulting, consultoria de negócios do Grupo DAN que já realizou projetos para 70% das maiores empresas brasileiras.
Em termos financeiros, o dólar acima de R$ 5,00 faz com que as empresas no Brasil começassem a buscar soluções locais, pois suas margens começam a ficar espremidas. Logo, aquelas empresas que tinham um estoque maior dentro de casa levam vantagem, que, no entanto, é contrabalanceada pela queda na demanda.
Em relação ao mercado doméstico, o varejo tradicional de supermercados e farmácias está passando por um pico de vendas em função da busca por categorias como remédios, álcool gel, sabonetes, papel higiênico, produtos de limpeza e comida mais duráveis (não frutas, legumes e verduras). A tendência é que no médio prazo todos os negócios não essenciais operem com 20-30% da sua capacidade em função acomodação das curvas de consumo, projeta o especialista.
Segundo Minerbo, o risco está no abastecimento de longo prazo dos pontos de venda uma vez que toda cadeia começa a ser afetada desde o fornecimento de matérias-primas e disponibilidade de mão de obra até o ponto de consumo. “Se até 45 dias a situação do Covid-19 se normalizar, sentiremos pouco o impacto do ponto de vista de abastecimento em função do dimensionamento médio dos estoques das empresas que é de 20-30 dias e que em função de uma diminuição de consumo pode durar ainda mais”, afirma.
A própria operação de carga tem seus riscos internos, afinal elas também são compostas por pessoas. “Atividades como direção de caminhões, descarregamento de carga, armazenagem, separação de pedidos, expedição de produtos e controle da cadeia são todas realizadas por pessoas que estão também sofrendo restrições de circulação ou ficando de quarentena. Para diminuir este risco, um grande operador logístico, por exemplo, está contratando temporários em função dos índices crescentes de absenteísmo. Em outra situação, um grande operador logístico que atende a um marketplace está montando equipes A/B que não se mesclam para minimizar o risco de transmissão do vírus”, explica o consultor.
O especialista ainda alerta para uma outra questão: quando essa situação passar, acontecerá um “efeito chicote” violento. “A demanda reprimida vai explodir, desde que as pessoas não tenham sido muito impactas economicamente, e vai exigir uma resposta brutal de toda cadeia de suprimentos. Vai demorar uns três meses para as cadeias se nivelarem de novo”. Ele completa ainda que “a situação atual mostra que as cadeias logísticas do futuro vão ter que incorporar cada vez mais a gestão de riscos, pois eventos de disrupção de fornecimento tem acontecido com mais frequência. Só lembrar o vulcão cujas cinzas afetaram a logística na Europa e a explosão do reator nuclear do Japão. As empresas que de saída estiverem mais preparadas serão menos impactadas”.