Sexta, 19 Abril 2024

A publicação das IN RFB nº 1833 e nº 1834, que alteraram dispositivos importantes da IN que dispõe sobre o Programa Brasileiro de Operador Econômico Autorizado (OEA), causou bastante alvoroço e intensa revolta em toda a classe dos despachantes aduaneiros. Inicialmente, o tema causou bastante celeuma, mas a maior parte dos profissionais acreditou que as alterações não causariam nenhuma modificação significativa no atual sistema de certificação do Programa OEA. Sendo essa a interpretação de grande parte do mercado de comércio exterior acerca do tema.

navio conteiner aduana
Crédito da imagem: Wikimedia Images

Entretanto, no último dia 2 de outubro a Receita Federal se manifestou formalmente sobre as modificações do programa e suas reais intenções em relação aos despachantes aduaneiros. No seu sítio eletrônico foi publicado informativo oficial com as alterações trazidas pelas referidas instruções normativas.

Infelizmente, para o desespero de todo o mercado, veio aí a grande bomba - a exclusão dos despachantes aduaneiros do regime OEA -, vejamos trecho do referido informativo:

"a) Exclusão dos Despachantes Aduaneiros do Programa OEA: A IN RFB 1834/2018 revogou os seguintes dispositivos da IN RFB 1598/2015:

Motivação da Exclusão: Em virtude da alteração trazida pela Instrução Normativa RFB nº 1.834, os despachantes aduaneiros foram excluídos do rol de intervenientes da cadeia logística que poderiam ser certificados como OEA. Tal decisão foi motivada por um volume crescente de contencioso, administrativo e judicial, no qual se alega que os benefícios concedidos pelo programa à categoria profissional de despachantes aduaneiros caracterizariam algum tipo de regulamentação ou o estabelecimento de restrições ao exercício da profissão. Baseados nessa premissa, centenas de despachantes aduaneiros impetraram ações judiciais para integrar o Programa, sem o cumprimento dos requisitos e critérios estabelecidos. A existência dessa cizânia contraria a filosofia do Programa OEA, que é inteiramente baseado na adesão voluntária, e prejudica a negociação de Acordos de Reconhecimento Mútuo."

O que já era ruim e bastante criticado pelos despachantes aduaneiros tornou-se ainda pior, tendo em vista que a referida IN proibiu o acesso de toda a classe ao credenciamento no OEA. Engraçado é que o despachante aduaneiro é exatamente um dos pilares do comércio exterior no Brasil e desempenha papel fundamental ao auxiliar as empresas na realização das operações de importação e exportação de mercadorias. Portanto, o que justificaria a proibição do acesso do despachante aduaneiro ao Programa?

A Receita Federal justifica que os despachantes aduaneiros foram excluídos do regime em decorrência do volume crescente de contencioso envolvendo o tema com o fito de integrar alguns profissionais no referido Programa.

Ao ler a justificativa da Receita Federal, a primeira coisa que surge a mente são as inúmeras teses tributárias/aduaneiras que resultam no trâmite de milhares de ações judiciais visando a restituição dos valores pagos indevidamente pelos contribuintes/administrados. E que, mesmo já julgadas favoravelmente pelo STJ e STF, não são acolhidas pelo fisco brasileiro, que continua a cometer as mesmas ilicitudes em decorrência de sua sanha arrecadatória. Portanto, tendo em vista que existe um enorme volume de contencioso, ela não deveria também parar de realizar tais práticas?

O curioso é o timing da Receita Federal, publicando as referidas IN logo após as primeiras liminares judiciais serem concedidas, habilitando os despachantes aduaneiros como OEA sem a necessidade de prova de certificação, visto que a lei não impõe essa exigência.

O sentimento de grande parte da classe é que a medida adotada nada mais é que uma grande vingança por parte da Receita Federal, e que a conduta adotada assemelha-se àquela do personagem Caloca, o "dono da bola" do clássico conto lançado pela escritora paulistana Ruth Rocha, presente no livro "Marcelo, marmelo, martelo". Para os que não leram, Caloca era um garoto mimado, que mudava as regras do jogo conforme seus interesses, pois era dono da bola. E assim, utilizando de seu poder, ele dava início, sequência e fim às peladas com os amigos.

larrycarvalho advogado promare
Crédito da imagem: VP Comunicação e Promare Consultoria

Da mesma forma, a Receita Federal do Brasil, utilizando de todo seu poder, e sem nenhum espírito esportivo, pois começou a perder o jogo, optou por mudar as regras. Na realidade, pior do que isso, decidiu que era a hora de acabar com o jogo por completo para os despachantes aduaneiros.

Infelizmente, quando uma classe inteira está submetida a um órgão com tamanho poder como é o caso da Receita Federal, termina por ficar submetida aos desmando do "dono da bola". E assim, tudo pode mudar com base em uma simples canetada.

Acha que não? Diga isso aos 44 despachantes aduaneiros que estavam habilitados no OEA e foram informados via e-mail que seu credenciamento caducou sumariamente em decorrência da alteração da Instrução Normativa. Assim, sem nenhum aviso prévio ou consulta pública, de um dia para o outro, a Receita Federal simplesmente revogou o credenciamento destes despachantes e coibiu aos demais de buscarem se habilitar no regime que tem como objetivo facilitar as relações do comércio exterior.

É provável que você esteja começando a pensar: e a segurança jurídica, como fica?

A conduta da Receita Federal compromete os resquícios de segurança jurídica que ainda existem em nossa legislação aduaneira. O órgão que deveria facilitar e fomentar as nossas operações de Comércio Internacional, optou por comprometer o regime, causando enorme insegurança jurídica nas relações existentes e cobriu o mercado sobre o manto de dúvidas e incertezas.

A Receita Federal não pode buscar desqualificar o despachante aduaneiro, retirando sua qualificação de interveniente no comércio exterior por Instrução Normativa. Afinal de contas, a condição do profissional como interveniente em operação de comércio exterior foi conferida pelo Regulamento Aduaneiro e pela Lei nº 10.833/03, a qual inclusive, impôs severas penalidades a toda a categoria. Logo, como que uma simples portaria poderia retirar o "status" de interveniente do despachante aduaneiro que foi conferido por lei?

A Instrução Normativa estabelece ainda em seu artigo 4º, §3º, que fica estendido a certificação OEA a outros intervenientes da cadeia logística. Consequentemente, mesmo com a remoção da figura do despachante aduaneiro do rol dos intervenientes da Instrução Normativa, tem-se que ele ainda pode pleitear sua habilitação, em decorrência da previsão Regulamento Aduaneiro e na Lei nº 10.833/03.

Em um Estado Democrático de Direito, não existe um "dono da bola", a bola é nossa. Sendo dever do judiciário impedir as ilegalidades cometidas no âmbito executivo, atuando de forma concisa pela salvaguarda do Estado Democrático de Direito. Não há dúvidas que o Poder Judiciário é o último recurso que o cidadão possui contra as arbitrariedades cometidas pelo leviatã. É o Judiciário que possibilita a função do Estado de Direito. Caso contrário, o Executivo se manteria acima da lei, sem qualquer órgão que realize o controle dos seus atos.

O Poder Judiciário possui o dever de sustar os atos ilegais cometidos pela fiscalização aduaneira, sob pena de ruptura do Pacto Social. Sem isso o cidadão ficará à mercê do Poder Executivo Soberano, que tudo pode e nada deve.

Os despachantes que foram descredenciados, ou ainda, aqueles que possuem interesse em se habilitar ao regime poderão se socorrer ao Judiciário para que as regras do jogo sejam mantidas, visto que decorrem de previsão legal.

E não achem que essa luta é apenas dos despachantes aduaneiros, não devemos nos esquecer da célebre frase de Martin Niemölle acerca da indiferença com a causa do vizinho!

A situação demanda atitude energética e engajamento de todos o setor, e não apenas dos despachantes aduaneiros. Caso contrário, os desmandos somente tendem a aumentar por aqueles que se sentem o "dono da bola".

A bola é de todos, porém diariamente devemos lutar por ela, sob pena de perdemos ela aos poucos. E você, o que vai fazer?

Larry John Rabb Carvalho é sócio da Promare Consultoria, sócio da RC Law, mestre em Direito Marítimo (LLM) pela London Metropolitan University, diretor regional da Associação Brasileira de Estudos Aduaneiros, advogado do Sindicato dos Despachantes Aduaneiros do Estado do Ceará, membro da Comissão de Direito Marítimo e Portuário da OAB/SP, da Associação Internacional de Advogados atuantes no Direito Aduaneiro e do Comércio Internacional (CITBA), da Associação Brasileira de Direito Marítimo (ABDM), do Instituto Ibero Americano de Direito Marítimo (IIDM), da Organização Europeia de Direito Marítimo – EMLO e da Associação de Hong Kong de Direito Marítimo – HKMLA.

 

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