Caio Camargo é empreendedor e editor do site o Falando de Varejo
Muito se fala sobre o futuro do varejo, mas pouco se fala da absorção da maioria dessas tendências no pequeno varejo. Se mesmo as grandes marcas têm enorme receio em inovar ou adotar o que parece ser tendências do mercado, o pequeno varejo, tende a ser na grande maioria o último player a adotar qualquer tipo de tecnologia ou tendência para o negócio, basicamente o adotando-o quando esse já se tornou ou está prestes a se tornar um padrão de mercado.
Mais do que uma questão de decisão, o custo ainda é uma das grandes barreiras na hora de inovar. A questão cultural também é outra barreira, seja pela simples falta de vontade em inovar ou o excesso de confiança no instinto, baseado num passado onde domar o varejo era mais fácil.
Todo mundo fala sobre novos consumidores, sobre como o digital mudou o negócio, ou sobre como perdemos o conhecimento sobre nossos consumidores. Mas e para o pequeno varejo, o pequeno empreendedor? Qual a lição que fica?
Não dá para acreditar que veremos num futuro próximo um pequeno varejo integralmente 4.0 como já se propagandeia por aí, quando nas ruas não encontramos ainda nem o varejo 0.5, longe do básico, ou o 1.0 como poderíamos chamar.
Para a maioria dos pequenos varejistas que veem empresas como Magazine Luiza ou Riachuelo no Brasil ou Macy’s ou Amazon lá fora, inovando, falando de novos consumidores e novas maneiras de se consumir ou interagir com seu consumidor, tudo isso parece se tratar de um universo tão distante de sua realidade, onde muitas vezes o caixa da empresa é o caixa do dono (por mais errado que isso seja), que pela intangibilidade com a realidade, se perde.
Sendo assim, pensei em algumas realidades para o pequeno negócio nos próximos anos, desde agora. Sério, é algo que se você é um pequeno varejista ou empreendedor, vai ter que fazer, cedo ou tarde.
Esqueça a baboseira e vamos ao que interessa: Como seus consumidores vão comprar de você.
Sim, os consumidores mudaram, e muito. Estão mimados, querem tudo, e tem o poder de deixar você para trás e largar sua marca por outra de uma maneira nunca antes pensada. E estoque é um dos pontos mais importantes a serem corrigidos nos próximos anos. Se você oferece ou se propõe a vender algo, tem que ter. Estoque já é hoje um ponto crítico da venda. Muita gente que conheço e converso poderia vender muito mais se organizasse e planejasse melhor seu estoque, e principalmente, sua reposição. Na maioria das vezes, sobra demais daquilo que não vende e o que vende acaba rápido.
Na hora de escolher onde comprar, falar de varejo físico ou digital fará cada vez menos sentido. As coisas estão sendo simplificadas de uma maneira tão rápida e funcional, que basicamente o cliente não se importa em comprar no canal físico ou digital, não é mais isso que está em jogo.
O que está em jogo é o cliente poder comprar de você na hora que quer, da maneira que quer, e poder receber ou retirar a mercadoria da maneira que lhe for mais conveniente. Aqueles que já estão resolvendo primeiro o problema de simplificar a cadeia de abastecimento e entrega ao cliente, passando pelo momento de sua compra, estão ganhando o jogo, ou pelo menos, tirando vantagem enquanto nadam praticamente sozinhos. Mas não pense complicado, pense simples. O cliente reservar contigo algo e você se propor a reservar para ele, já é um grande começo.
Os “modelos de consumo” também podem mudar, criando dificuldade para algumas empresas que não conseguirem se adaptar, mas da mesma maneira, até mesmo novas oportunidades. Já estamos vivenciando uma era da qual não falamos mais em termos escritórios, carros, com modelos como os co-workings ou ainda os modelos de locomoção como o uber ou o aluguel por uso de carros, baseado em assinatura. Já não consumimos mais mídias, apenas pagamos pelo uso delas, como dvd’s ou cd’s que foram substituídos por modelos virtuais de locadoras e plataformas de assinatura (Net Now, Netflix, Spotify).
Se a posse deixa de ser uma necessidade, o que acontecerá com o varejo? Ainda é cedo para dizer, mas penso que no contraponto disso ainda se valoriza o acesso e a aquisição de muitos bens materiais. Grifes vem ganhando espaço, e novas marcas vem surgindo, principalmente em mercados de nicho e mercados emergentes, mesmo não tendo como target, mas sendo alavancados por camadas mais populares da população.
Há espaço para todo mundo, mas pelo menos num pequeno-médio prazo, essas novas apostas e modelos devem ser vistos como nicho, longe do grande mercado. O aspiracional ainda bate forte no coração do brasileiro.
Como eles vão querer ser atendidos?
Por favor, esqueça o filme do Minority Report, principalmente aquela cena que o Tom Cruise entra em uma loja após um transplante de olhos. Não aguento mais ver isso em palestras.
Tem um monte de gente querendo reconhecer o cliente via instrumentos mirabolantes ou algoritmos complexos, mas que não conseguem dar bom dia ou reconhecer o cliente no dia seguinte. De nada adianta informação, sem humanização dos processos. E se pensarmos que seu vendedor um dia irá precisar de algo como um ponto eletrônico ou uma “colinha” no tablet ou celular para saber quem é seu cliente fiel que está agora entrando pela porta, não é de fato valorizarmos o cliente. É falso. Tão falso quando dizer que tem milhares de amigos na rede social, mas atravessar a rua quando um deles passa em sua frente – tá (sic) na minha rede, mas nem me lembro de onde conheço – é o que costumamos ouvir.
As pessoas só querem ser atendidas dentro da expectativa delas.
Só isso. E isso não vai mudar no futuro.
Vai em uma loja de luxo? Então você quer ser reconhecido, mimado, paparicado e ser muito mais do que alguém que apenas está lá para comprar. Quer fazer parte do clube.
Vai na feira-livre? Ser bem atendido é além de pagar barato (se estiver caro, o consumidor troca o produto por outro mais em conta), o feirante selecionar para você o que ele tem de melhor disponível no momento e ainda te dar um pequeno “bônus” em produto na compra de uma pequena quantidade. Mas se ele somente te vender, não tem problema nenhum, pois está “dentro” de sua expectativa.
Se você não conseguiu ainda investir em CRM, onde pode ter um melhor controle de seus consumidores, e o relacionamento comercial deles com o seu negócio, o mínimo que você deve ter é um atendimento exemplar, fantástico, surpreendente, que atenda tanto ao cliente novo, como ao cliente que sempre vai em sua loja. Atendimento personalizado é interessante? Sim, claro! Quem não gosta de se sentir especial, mas se personalizar é um desafio, faça com que todos assim se sintam.
Entretanto, entender o consumidor vai ser mais fácil no futuro. De alguma forma, já começou a ser. O celular por enquanto é (até que apareça algo novo) como o grande gadget onde contém as principais informações do cliente, e lhe ajudará a identificá-lo. Há promessas de sistemas mais simples e fáceis e novas promessas de tecnologias, mas vejo que ainda estamos no olho do furacão nesse processo. Há ofertas, mas o que está sendo oferecido pode ser rapidamente modificado, até porque hoje até mesmo empresas como Google e Foursquare andam dispostas a oferecer informações sobre a jornada dos consumidores às empresas, de olho em vender mídia ou outros produtos e soluções. Se eles entrarem para valer, muda o jogo (na verdade muda o jogo em qualquer lugar que o Google, a Amazon ou o Alibaba resolvam se meter hoje...rs).
Quanto eles vão querer pagar?
É óbvio que o mundo digital facilitou um melhor entendimento de preços no mercado. Só se paga mais caro em um produto em duas ocasiões: conveniência ou valia de marca, e isso não irá mudar. A Coca-Cola que você compra no frigobar do hotel sempre será mais caro que no supermercado. Isso se chama conveniência. Agora se você quer beber refrigerante prefere pagar mais caro na Coca-Cola do que no refrigerante “fulaninho” (tomara que não tenha uma marca com esse nome...rs), pois a marca te inspira confiança e normalmente atende sua expectativa. Isso faz com que você tope pagar mais caro.
Com o varejo em qualquer contexto não muda nada.
Se você não tem ou não se enxerga como marca, se você não é valorizado pelo seu cliente, terá que brigar por preço, diminuir margens, numa espiral negativa contínua, principalmente se estiver em mercados altamente competitivos, como centros e corredores populares. Seu risco de morrer é gigante.
Os meios de comparar preços serão cada vez mais acessíveis e fáceis de serem usados. Talvez com um clique, já se sabe em uma região onde a calça jeans é mais barata e até mesmo se há o tamanho que está buscando na loja. O Google (olha aí ele de novo) já começa a ensaiar uma sincronização de estoques com algumas marcas, de olho nisso. Talvez você perca o jogo antes mesmo do cliente entrar em sua loja, mesmo que ele tenha decidido comprar no centro comercial que você está.
Com mais de 20 anos de experiência no varejo, hoje eu não acredito em nenhum negócio que não se enxergue como marca. E quando digo marca, não digo marca como grife, mas como propósito, como direção, como saber onde se quer chegar, e principalmente ter ambição de crescer sempre.
Quem assim não pensa, embora e infelizmente representando a maioria dos negócios, também representa a maioria dos negócios que facilmente naufraga nos primeiros anos, também sendo aquelas que sempre serão mais sensíveis a crises.
Marcas sólidas, que conquistaram seu público consumidor, que definiram muito bem seu posicionamento de mercado e produto, serão aquelas que vão resistir mais tempo e terão mais facilidade para trabalhar a questão de preços.
E isso em qualquer negócio. Pode ser até a padaria do seu bairro que teve sempre uma receita fantástica de pãozinho que ninguém abdicava, e que por poder apostar no sucesso do produto, reformou o estabelecimento e hoje além do pãozinho, é um excelente lugar para passar algum tempinho durante o dia, como uma pausa para um café no meio da tarde, ou uma pizza no final da noite. O pãozinho ficou até um pouco mais caro, mas a experiência compensa.
Pode ser a marca de roupas, que soube se focar tanto em seu nicho que hoje se tornar uma referência nele. E se é referência, todo mundo quer, não importa o preço.
Pode ser até mesmo uma loja de discos (sim, discos!), que sobrevive focada na experiência daqueles que não abrem mão de escutar suas músicas favoritas em um vinil. Quanto custa uma raridade? Com certeza é um valor mais emocional que racional...
Nesse contexto, se até agora você não achou o seu caminho, me desculpe o trocadilho, mas você está perdido.
Como eles vão querer pagar
De todas as questões, essa é a mais fácil para você e seu negócio. É uma questão de apena adotar o que seu cliente usar, quando usar, se usar.
Eu sinceramente acredito no fim do dinheiro de papel nos próximos anos. E minha aposta não está no bitcoin ou moedas do tipo. Faremos muita coisa pelo cartão, como se faz hoje, tanto pelo débito quanto pelo crédito, mas ainda penso que pequenas transações feitas por aplicativos móveis serão o caminho do futuro. É impressionante o que está acontecendo na China com o WeChat, que já virou moeda também no mercado de rua, no mercado pulverizado.
Mesmo se pensarmos em um país como o Brasil, com apenas pouco mais de 50% da população bancarizada, temos que pensar que há no Brasil, mais de um celular por habitante. Essa marca vem caindo um pouco, pois considerava chips ativos, e inovações como o WhatsApp que mudou a maneira como as pessoas conversam, reduziram consideravelmente esse número. Esqueça pulseirinhas, colares, pingentes e outros gadgets inteligentes que prometem substituir a carteira. Isso pode até funcionar, mas para nicho. Estamos falando de escala, de grande mercado, de você comprar paçoca no boteco, biscoito de polvilho na praia ou pipoca na porta do circo com o seu celular.
Isso vai acontecer, pode escrever.
COMO eles vão querer se relacionar com sua marca
Todo cliente quer depois de ser atendido, ser reconhecido, quer que a gente lembre o nome dele, que lembre o que ele comprou, que a gente ofereça algo complementar, que lembre o que ele veste, que lembre o número que ele calça, que de um desconto de acordo com o que ele sempre compra, que mande cartão de aniversário, natal, ano novo, emprego novo, namorada nova, cachorro novo...pára.
Não é nada disso.
Como eu acho chato receber torpedo SMS. E como eu acho invasivo receber WhatsApp de loja/marca que não conheço. Como eu acho de péssima ideia mensagens do tipo “push” e que temo que vão se proliferar como pulgas num cachorro de rua nos próximos anos.
O consumidor só quer que você interaja com ele, quando ELE quiser. Sim, considere sua marca à serviço dele, e não ele à serviço de sua marca, como um número a mais para mostrar como foi incrível o ROI de sua campanha. A fase de tratar cliente como gado já foi.
Quer conversar com seu cliente, quer “ativá-lo”? Faça isso de verdade. Converse com ele, entende por que ele não compra contigo mais, entenda o que ele busca ou para qual marca ele foi, o que você deixou de oferecer ao mercado, o que você pode fazer de novo.
Se você chegou até aqui, já merece os parabéns porque já está lendo mais do que a maioria costuma ler. Se começou a ler direto pela conclusão, pode se desapontar, pois o que merece ser lido está nas linhas acima. Tente outra vez.
A conclusão é de que entenda que muito sobre o varejo vai mudar, mas não o básico. Como já disse em outro artigo, o negócio para o varejista ainda está em “comprar bem comprado e vender bem vendido”, e para o consumidor, “comprar dentro de suas expectativas”. Todas as questões aqui colocadas devem ser vista como “por enquanto assim será”, pois não há como prever algo como que possa chacoalhar o cenário. Pode acontecer, como também pode não acontecer nada e ficar assim mesmo. Fifty-Fifty, ou seja, 50-50%.