“Meu filho; nunca é tarde para se fazer o bem!”
[Lições da minha vó materna]
Lógico que, à la Vinicius de Moraes (“Se foi pra desfazer, por que é que fez?”), podemos nos dedicar a contabilizar as oportunidades desperdiçadas nos portos brasileiros com as tantas experiências-jabuticabas dos últimos anos. Também o (precioso) tempo, calorias, adrenalina e dinheiro despendidos (a essa altura fica claro!) desnecessariamente.
Mas, certamente, os aproveitaremos melhor buscando dar musculatura à intenção do Governo Federal, anunciada pelo Ministro Maurício Quintella na abertura da 23ª Intermodal SouthAmerica, semana passada – agitando a comunidade portuária: “Nós queremos voltar a ter uma autoridade portuária autônoma, descentralizada, com o poder que lhe foi retirado na última Lei dos Portos”. “O decreto dos portos será publicado o mais rápido possível e vai dar nova dinâmica ao setor".
Parabéns; Ministro! Parabéns; Presidente!
Como subsídio às reuniões promovidas pelo Ministério, e aos debates que tendem a se ampliar, alguns aspectos do noticiário sobre o anúncio merecem destaque e esclarecimentos:
1) Importante serem tais mudanças enquadradas dentro de uma visão de governança (ao invés de uma mera “mudança da lei”; como rotineiramente acontece): “O governo prepara mudança radical na governança dos portos públicos”.
Sobre esse tema, vale à pena nos debruçarmos sobre pesquisas feitas nos portos europeus desde os anos 70, atualmente sob condução da “European Sea Ports Organisation” – ESPO. A sinopse da 6º edição, intitulada “Trends in EU Ports Governance 2016”, foi publicada meses atrás – atualizando e detalhando a versão anterior, de 2010/2011 (Espofactfindingreport2010.pdf). Já o manual de reformas portuárias do Banco Mundial, com uma abordagem mais abrangente, segue sendo a principal referência a guiar tais processos reformadores. Pena que, apesar de ambos estarem disponíveis quando das últimas mudanças de modelo, o Brasil tenha optado por vôo solo!
2) A comparação do atual modelo com o “Modelo-Portobras” (1975-90), ambos com processos decisórios centralizados, precisa ser feito com muito cuidado. Pelo menos: I) Não é pacífico que eles são iguais em grau – alguns entendem que o atual modelo é até mais centralizador!?!; ii) Aquele tinha uma estrutura corporativa (a Portobras era uma empresa; e holding – tinha um CEO); iii) Tem-se que a profissionalização era maior naquele modelo; iv) Inexistia agência reguladora e os papeis de tribunais de contas e ministério público, para o bem e para o mal, eram bem menores.
3) A centralização (ou melhor; a re-centralização!) do processo decisório não ocorreu “...após a Operação Porto Seguro, da Polícia Federal, de 2012, que apurou casos de corrupção entre empresas portuárias e órgãos públicos”: 4 anos antes, o Governo baixou o Decreto nº 6.620/08. Ele veio sob o pretexto de resolver o imbróglio da carga de 3º (que não resolveu!) mas, na verdade, sua tônica foi justamente a re-centralização do processo decisório. Nesse aspecto, ele é um precursor da atual “Lei dos Portos” - que deixou as autoridades portuárias praticamente sem autoridade e, não seria exagero dizer, apontou no sentido de uma “autoridade portuária nacional”.
Mas, antes disso, ainda no século passado, o “Grupo Executivo para Modernização dos Portos – GEMPO” já havia dado alguns passos nesse sentido.
4) Como? Que balela! Quem disse que: “Ninguém tinha interesse em licitar para um concorrente uma área nova... Isso congelou os portos. Tanto que o número de arrendamentos de áreas novas é baixíssimo entre 1993 e 2013”? As estatísticas desmentem cabalmente essa tese (utilizada por lobistas): a segunda metade dos anos 90, início da vigência da Lei nº 8.630/93, foi o período mais rico em termos de arrendamentos portuários. O ritmo foi sendo reduzido, até empacar de vez, justamente quando o processo decisório foi paulatinamente sendo transferido para Brasília.
E os resultados positivos vão além do número de arrendamentos e investimentos comprometidos: a eficiência dos terminais aumentou 5, 10 15 vezes; os custos portuários foram reduzidos entre 50% e 2/3; a capacidade instalada cresceu significativamente, viabilizando a triplicação da movimentação dos portos públicos brasileiros nos 20 anos de vigência da antiga “Lei dos Portos” (revogada pela atual; a Lei nº 12.815/13).
5) É verdade: as atuais administrações portuárias, que nunca chegaram a ser estruturadas para o modelo descentralizado-autônomo, com o progressivo esvaziamento da última década estão hoje mais distantes ainda. Mas isso não deve servir de pretexto para não fazê-lo: ao contrário, elas precisam ser reestruturadas para o novo-velho papel; profissionalizadas; seus quadros requalificados. Elas precisam ser desafiadas: se não o forem, é óbvio, nunca estarão capacitadas!
6) Ah! A privatização das operações portuárias (arrendamentos e TUPs) não é incompatível com a revitalização dos portos públicos; das autoridades portuárias. Aliás, em muitos casos, é até condição sine-qua-non!
Ministro, Presidente; V. Excias estão em boa companhia: além de Rotterdam (mencionado no anúncio), mais de 80% (dependendo do critério, 90%!) dos portos relevantes do mundo estão sob o modelo de portos autônomos; de processos decisórios descentralizados: o chamado “Landlord Port”, modelo concebido e em desenvolvimento desde o Século XIII!
Mas atenção! Essa mini-sinopse, do último quarto de século, indica que o caminho à frente, até a consecução do anunciado, envolve muitos desafios e barreiras a serem superados. Na verdade, na verdade, é preciso que seja dito: a descentralização do processo decisório portuário, a autonomia dos portos e das autoridades portuárias nunca foram bem recebidas pelas instituições e corporações do Planalto Central. Sabotagens, implícitas e explícitas não podem ser descartadas.
Mas, dentro do esforço de passar o Brasil à limpo, o setor portuário não poderia ficar de fora.
Uma vez mais, parabéns! E, ante os desafios e barreiras à frente, ânimo, coragem, energia e muita sorte!
(*) Da série “Passando o Brasil à Limpo”: XX