Sexta, 22 Novembro 2024

Bussinger 29AGO2016

“Não há bons ventos para barcos sem rumo”
[Multi-citado milenar ditado chinês]

Não faz muito tempo, testemunhamos episódio pouco usual: empresários, trabalhadores e Governo, juntos, celebraram a aprovação da “Nova Lei dos Portos” (Lei nº 12.815/13). Vale lembrar, ela resultou da MP-595 que foi anunciada como “Programa de Investimentos em Logística para Portos” em concorrida solenidade no Palácio do Planalto, naquele 6/DEZ/2012.

Os trabalhadores, apesar de mobilizações contrárias no início e, até, algumas greves (01, 02, 03, 04, 05), acabaram fazendo questão até de registrar o gran finale com um selfie coletivo ante a mesa do Senado. E havia razão para tanto:

Num aceno tipo de “senta-que-o-leão-é-manso”, já partiram com a garantia de que “...todos os direitos dos trabalhadores estão preservados. Sem qualquer alteração na legislação trabalhista em vigor” (01, 02, 03, 04, 05). Todavia, ao longo da tramitação (01, 02), foram sendo incorporadas diversas “conquistas”, destacando-se o estabelecimento de renda mínima (art. 43 § único), de aposentadoria especial (art. 73), e inclusão da capatazia (trabalho em terra) entre as “exclusividades” e contratação no OGMO (art. 40 – caput). Mas, principalmente, a caracterização da capatazia, estiva, conferência de carga, conserto de carga, bloco e vigilância como “categoria diferenciada” (art. 40; § 4º - abrindo a possibilidade dos sindicatos representarem e negociarem tanto dentro como fora dos Portos Organizados).

O setor empresarial foi o grande protagonista das mudanças e parceiro do Governo Federal na empreitada. Participou do processo e apoiou a formulação, a estratégia e a celeridade da aprovação da MP (01, 02, 03, 04, 05). Esteve presente na tramitação e forneceu subsídios. Chegou a esboçar divisão interna mas, quando a tramitação correu riscos de “morrer na praia”, esteve sempre a postos para anabolizar o processo; inclusive com ampla campanha pela grande mídia.

O Governo tinha mesmo o que (01, 02) celebrar. E por, pelo menos, 2 razões: i) após longas e polarizadas discussões (01, 02) (com direito até a galinhadas na madrugada –01, 02, 03 - para manter as energias dos congressistas!), alguns impasses, forte empenho (01, 02, 03), e votações tensas nas quais tentativas de modificação foram sucessivamente derrotadas, acabou por ter o que muitos consideram a maior das vitórias congressuais do Governo-Dilma (e, talvez, o ponto de inflexão nas tensões Dilma-Cunha); ii) consumou o objetivo que ensaiava desde a promulgação do Decreto nº 6.620/08 (apesar dele ter sido “vendido” como motivado pela “solução do problema da carga própria”); qual seja, a hiper-centralização do processo decisório.

Aliás, um dos momentos marcantes da tramitação legislativa, naquele 1º semestre de 2013, foi justamente a discussão na Comissão Especial, centrada nesse tema, entre Eduardo Campos (então Governador de Pernambuco) e Gleisi Hoffmann (então Ministra-Chefe da Casa Civil – quartel general da MP).

Mas tudo isso já vai ficando na poeira da história...

Intrigantemente, pouco mais de 3 anos depois, insatisfações e críticas se acumulam – aliás, muito cedo, já antes de completar seu 1º aniversário, a nova Lei ficou órfã!

Trabalhadores, p.ex., por constatar que os efeitos da “categoria diferenciada” são aquém do esperado (principalmente em portos com Terminais de Uso Privado - TUPs contíguos) ou pela perda de espaço dos TPA (avulsos); agora, inclusive, com julgado do TST.

Empresários arrendatários (dentro dos Portos Organizados), que adotaram “perfil baixo” durante a tramitação da MP/Lei, procuram formas para também usufruírem das vantagens competitivas que o novo modelo propiciou aos TUPs: querem isonomia! E, como de praxe, ressuscitam velhas bandeiras de liberdade quase “ampla-geral-e-irrestrita”, privatização das Docas etc. (01, 02, 03, 04). Aliás, vez por outra, falam de “uma nova Lei dos Portos”.

Governo, tanto o que gestou a lei vigente como o por ora interino, preocupados porque o novo modelo não “entregou” o prometido, buscam saídas para “destravar” o setor. O foco, a métrica são novos investimentos, seja em arrendamentos (novos e renovações antecipadas), TUPs, IP4, ETC ou dragagem.

Enfim, com motivações e objetivos diversos, tudo indica que, mais uma vez, estamos prestes a zarpar rumo a uma nova viagem reformadora!

Para que se minimize o risco de se repetirem erros das experiências anteriores, vale refletir sobre alguns aspectos. Um bom e consensado diagnóstico é essencial:

1) A lei é consequência! A discussão necessária, e raramente feita, é de modelo. Estabelecido um modelo, a redação do texto legal ou normativo não chega a ser tão difícil.

2) Modificações pontuais, sem uma visão global do modelo, pode produzir colchas de retalhos ... como tem acontecido.

3) Clareza em relação ao modelo é importante até mesmo se a opção estratégica for de mudanças infraconstitucionais e/ou infra-legais: para que sucessivas decisões/modificações sejam harmônicas e não demandem re-trabalhos sobre re-trabalhos. Para que não se tenha que se voltar a discussões estruturais a cada década!3) As agendas ocultas precisam ser postas à mesa para viabilizar uma ampla, consistente e transparente discussão; essencial para que a solução resultante tenha legitimidade: importante, inicialmente, para que uma eventual tramitação legislativa tenha mínimas chances de sucesso em um Congresso com agenda tão congestionada e nervos à flor da pele.

4) A utilização de experiências estrangeiras (as tais das boas práticas) demanda, desde logo, honestidade intelectual. Depois, precisam ser contextualizadas institucional, econômica, política... e, até, culturalmente. Duas boas referências sobre o tema são: o manual do Banco Mundial de Reformas Portuárias e o relatório de uma pesquisa da “European Sea Port Organization – ESPO” sobre governança portuária (agora com uma versão recém-lançada).

5) A gestão privada tem suas virtudes. Tão ou mais importante como ela, mostram as experiências mundo afora, é a autonomia portuária; a descentralização do processo decisório... totalmente comprometidas com o modelo balizado pela Lei nº 12.815/13.

6) Certamente a conjuntura política e econômica tem contribuído para o insucesso de leilões portuários e para investimentos nos portos públicos. Mas não é a única causa e, quiçá, nem a mais importante. Se fosse, os TUPs não estariam bombando; pois também sujeitos a ela. Há muito que precisa ser repensado!

Como na experiência do processo que resultou na Lei nº 8.630/93 (a antiga “Lei dos Portos”), mais que sucessivas conversas bilaterais e de alcovas, o estabelecimento de uma mesa retangular (governos + usuários + empresários + trabalhadores) poderia ser um caminho (bem!) construtivo.

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*Todo o conteúdo contido neste artigo é de responsabilidade de seu autor, não passa por filtros e não reflete necessariamente a posição editorial do Portogente.

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