“Um povo que não conhece a sua história
está condenado a repeti-la”
[Edmund Burke? Karl Marx?]
“Ando devagar porque já tive pressa...”
[Renato Teixeira/Almir Sater – “Tocando em frente”]
Imprimir maior celeridade na contratação de obras públicas, ampliar a eficiência e competividade, e incentivar a inovação tecnológica foram as justificativas para a adoção do “Regime Diferenciado de Contratações Públicas – RDC” (01, 02) (2011). A necessidade de distanciar o “risco-demanda” do concessionário, na expectativa de aumentar a atratividade e, com isso, destravar as concessões ferroviárias (em particular dos projetos “green-field”) fundamentou a centralização da “comercialização da capacidade operacional” na VALEC (na prática, a des-verticalização do modelo e a separação das outorgas de infraestrutura e serviços ferroviários) (2013).
Nos portos, a morosidade da efetivação de arrendamentos, entendida como decorrente da incapacidade gerencial das Companhias Docas, foi a principal motivação para a centralização (01; 02) dos processos licitatórios na SEP e ANTAQ (2012). A falta de quadros nesses órgãos o argumento para a delegação da modelagem de arrendamentos a uma consultora (Portaria nº 38/2013). A politização das diretorias das Companhias Docas o alegado para a consumação da re-centralização do processo decisório portuário (2012-13).
Certamente houve, também, motivos verossímeis para a exigência de participação compulsória da PETROBRAS nos consórcios para exploração do Pré-Sal (2010); assim como da INFRAERO nas SPE concessionárias de aeroportos (2013-14). Para a implementação do “sistema de planejamento portuário” (01, 02) (2014); o envolvimento do TCU na definição de TIRs e aprovação de editais (pelo menos desde 2010); o lançamento de PACs (2007 e 2010) e PILs (02; 03) (2012 e 2015); como, também, para inúmeras outras inflexões, em praticamente todas as áreas de infraestrutura e serviços públicos, que abririam novas janelas e seriam atalhos para um futuro promissor.
Na prática...
O RDC vem sendo apontado (02) como causa de “obras mal feitas e bem pagas”; talvez, até, corresponsável por algumas catástrofes, como a recentemente ocorrida na ciclovia carioca. Boa parte das obras de mobilidade (motivação primeira do RDC), concebidas para estarem concluídas e serem legados da Copa do Mundo (2014), se arrastam (01, 02, 03, 04, 05, 06, 07, 08, 09, 10, 11, 12) até hoje e, algumas, caminham para serem descontinuadas. O descompasso na execução de obras conexas (aeroporto sem estrada de acesso; parque eólico sem linha de transmissão; porto sem ferrovia, ferrovia sem porto; frota nova de trens e metrôs entregue - e ociosa - por falta de via permanente e/ou capacidade energética; acesso de navio a terminal portuário turístico de passageiros impedida por falta de calado aéreo de ponte - construídos quase simultaneamente) depõe tanto contra o RDC como contra os modelos de planejamento adotados.
A des-verticalização ferroviária nunca chegou a ser efetivamente implementada. Após mais de 3 anos da MP-595 (embrião da Nova Lei dos Portos), seguimos longe (muito longe!) da ambiciosa meta de se celebrar 159 contratos de arrendamento, inicialmente previstos para o primeiro ano. Arrendamentos portuários e concessões (ferroviárias e rodoviárias) seguem sem uma visão intermodal (razão pela qual a ocorrência de leilões desertos não deixa de ter seu lado positivo!). Descontos de 30%, 40% 50% nas concessões rodoviárias questionam a relevância e adequabilidade das extensas discussões sobre TIR (ao final elevadas!).
Em síntese: A realidade tem sido um pouco distinta das intenções, ideias, planos, projetos, promessas... Distinta e, em alguns casos com efeitos colaterais negativos!
Investimentos postergados e oportunidades desperdiçadas (quando a economia brasileira surfava no boom das commodities) é a face mais visível desses desencontros. Quanto trabalho, discussão, recursos públicos, energia, adrenalina e tempo não foram gastos/desperdiçados? A conta está chegando!...
Corrupção, que nos tem sido apresentada com maior clareza no passado recente, claro que é parte da explicação: seja pela hemorragia de recursos, em si, seja pela perversão do processo decisório, seja por comprometer a capacidade gerencial e/ou o “moral da tropa”. Mas não explica tudo!
Diagnósticos equivocados; terapia inadequada (no dado contexto); incúria na ministração do medicamente; ou combinação deles, pode explicar uma outra e importante parte.
Reflexões nesse sentido tornam-se oportunas, dado que o Governo Federal está por anunciar um conjunto de “100 concessões” de ferrovias, portos, aeroportos e rodovias; integrantes do “Programa de Parcerias de Investimentos – PPI”, recém lançado por meio da MPV nº 727/16. Como muito provavelmente parte relevante desse conjunto já integrou o PIL-2, PIL-1, PAC-2, PAC-1; possivelmente também o “Avança Brasil” ou “Brasil em Ação”; e, até, quiçá os longínquos PND-I e PND-II do período militar, não seria proveitoso fazer-se um minucioso Raio-X desses “cases”, ao se iniciar o novo ciclo? Se possível também ultrassom, ressonância magnética... para que se minimize o risco de retrabalhos futuros.
Muito provavelmente o laudo desses exames laboratoriais indicará diagnósticos equivocados. P.ex.: É verdade que as Companhias Docas nunca deixaram de ser compostas sem indicações políticas (ao contrário do que, por vezes, se propalou aqui e acolá!). Nem por isso elas (e as Autoridades Portuárias delegadas) deixaram de licitar e firmar contratos de arrendamento enquanto estiveram à frente dos processos.
Aliás, ao contrário, foi durante esse período que o maior número de contratos foi celebrado (os tão falados “Pós-93”; que, ironicamente, em suas renovações antecipadas, vêm impulsionando os investimentos no setor). Dito de outra forma: período áureo do mais recente ciclo das reformas portuárias brasileiras (ao contrário do diagnosticado para a edição da MP-595/12, base da Lei 12.815/13; e do novo modelo portuário; atualmente vigente). Certamente por isso, à margem da proposta de sua “privatização”, e estimulados pela perspectiva de “um novo pacto federativo” (01; 02), é que os portos delegados e a “Frente Parlamentar de Defesa dos Portos” estão a reivindicar a re-descentralização dos processos licitatórios de arrendamentos portuários; mesmo porque há inúmeras outras variáveis relevantes que, talvez, sejam mais bem detectadas, negociadas e solucionadas se a nível local.
Aliás, há inúmeros outros exemplos que vão além de um jogo de palavras; a confirmar que há males que maus diagnósticos podem causar!
Em se avançando nas análises, a lista pode ser ampliada: primado da marquetagem (nas definições estratégicas de políticas públicas); omissão do poder público (p.ex., no balizamento de PMIs/MIPs); pressa (nos estudos e processos); falta de visão sistêmica nos planos e projetos; não envolvimento dos diversos atores (com interesse direto e contribuição a dar); contratos descuidados (ora com lacunas; ora com conflitos); regulação descompromissada... dificilmente deixarão de ser identificados.
Um conselho de ministros, comprometido, lógico, dará consistência e credibilidade ao programa. Um fundo (seja para garantir, seja para financiar) será alavanca fundamental para estimular investidores. A comprovada competência do BNDES (para contratar consultores e/ou estruturar projetos) será ponto de partida e apoio importante.
Mas, se o nome do jogo é “destravar”; se não queremos voltar a desperdiçar tempo, dinheiro, energia e adrenalina; se são resultados que sinceramente buscamos para o País ingressar em um novo ciclo de desenvolvimento, sustentável e justo; não nos iludamos, haverá necessidade de bem mais que “pequenos ajustes” na modelagem, processos licitatórios, gerenciamento e regulação de concessões, arrendamentos e PPPs.
(*) Da série “Passando o Brasil à Limpo”: XV
Frederico Bussinger. Consultor. Foi presidente da Companhia Docas de São Sebastião (CDSS), SPTrans, CPTM e Confea. Diretor da Companhia Docas do Estado de São Paulo (Codesp), do Departamento Hidroviário de SP e do Metrô de SP. Presidiu também o Conselho de Administração da CET/SP, SPTrans, Codesa (Porto de Vitória), RFFSA, CNTU e Comitê de Estadualizações da CBTU. Coordenador do GT de Transportes da Política Estadual de Mudanças Climáticas (PEMC-SP). Membro da Comissão Diretora do Programa Nacional de Desestatização e do Conselho Fiscal da Eletrobrás.